Zambelli presa: afinal, cidadãos italianos, como a deputada, podem ser extraditados para o Brasil?
Crédito, Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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- Author, Leandro Prazeres*
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
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A deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP) foi presa nesta terça-feira (29/7), na Itália, pela polícia italiana. A Polícia Federal confirmou a prisão de Zambelli em nota divulgada à imprensa.
“Autoridades italianas prenderam na tarde desta terça-feira (29/7), em Roma, uma brasileira que se encontrava foragida no país. A medida é resultado de cooperação policial internacional entre a Polícia Federal, a Interpol e agências da Itália”, disse a PF.
A deputada estava no país desde que deixou o Brasil, em junho, após ter sido condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter supostamente ordenado a invasão do sistema de mandados judiciais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o auxílio do hacker Walter Delgatti. Ela nega seu envolvimento no crime e diz ser perseguida política.
Em um vídeo, o advogado de Zambelli, Fábio Pagnozzi, disse que a parlamentar teria se entregado às autoridades italianas. No vídeo, Zambelli aparece afirmando que não pretende voltar ao Brasil para cumprir qualquer pena.
“Não vou voltar ao Brasil pra cumprir pena no Brasil. Se eu tiver que cumprir qualquer pena, vai ser aqui na Itália, que é um país justo e democrático”, afirmou a parlamentar.
Moraes já havia pedido também à Polícia Federal (PF) que solicite a inclusão do nome da deputada na lista de difusão vermelha da Interpol — o que aconteceu em junho.
Moraes também suspendeu o passaporte de Zambelli e determinou o bloqueio de bens e valores, incluindo verbas de seu gabinete como deputada federal.
Após deixar o Brasil, Zambelli havia afirmado que escolheu o país para evitar sua extradição, uma vez que tem cidadania italiana. Mas agora que ela está presa, uma pergunta voltou à tona: afinal, cidadãos italianos como a parlamentar, que nasceu no Brasil mas obteve a nacionalidade posteriormente, podem ser extraditados de volta ao Brasil?
Imune na Itália?
Com cidadania italiana, Zambelli chegou a dizer que, estando na Itália, ficaria impedida de ser extraditada ao Brasil.
“Tenho cidadania italiana e nunca escondi, se tivesse alguma intenção de fugir eu teria escondido esse passaporte. Como cidadã italiana, eu sou intocável na Itália, não há o que ele possa fazer para me extraditar de um país onde eu sou cidadã, então eu estou muito tranquila quanto a isso”, afirmou a parlamentar à CNN Brasil, na terça-feira (4/06).
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Parte dos países do mundo têm leis que impedem a extradição de seus próprios cidadãos. Um deles é o Brasil, que impede a extradição de cidadãos brasileiros, mas apenas dos que nasceram em território nacional.
Entretanto, este não é o caso da Itália. A legislação italiana permite, em alguns casos, a extradição de seus cidadãos independente de terem nascido ou não em solo italiano.
“Existe uma falsa sensação de que um nacional italiano não seria deportado. Existe exceções e, inclusive, um precedente envolvendo o Brasil”, diz à BBC News Brasil o advogado e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Frederico Glitz.
O episódio citado por ele é o do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizolatto, brasileiro com cidadania italiana, que foi condenado pelo STF em 2012 pelo caso do mensalão e que fugiu para a Itália para evitar a prisão. Em 2015, porém, ele foi extraditado para o Brasil.
A BBC News Brasil conversou com dois especialistas em direito internacional, um deles, envolvido diretamente no caso Pizolatto, para entender se a busca por “blindagem” contra extradição na Itália pode funcionar para Zambelli.
Vladimir Aras, procurador da República e professor de direto da Universidade Federal da Bahia e do IDP, explica que a Constituição da Itália não impede que o país extradite cidadãos italianos.
Segundo ele, o país pode extraditá-los desde que haja tratados bilaterais entre a Itália e o país que fez o pedido ou que o crime mencionado no pedido esteja previsto em algum tratado internacional do qual a Itália seja signatária.
Segundo o procurador, que esteve na equipe que conseguiu a extradição de Henrique Pizolatto, o caso de Zambelli, em tese, se enquadraria nos dois casos.
“A gente pode citar dois tratados. Um é o tratado bilateral Brasil-Itália. O outro é a Convenção de Budapeste, sobre crimes cibernéticos […] É possível que haja colaboração entre o Brasil e Itália com base nestes documentos internacionais para viabilizar a extradição dela”, diz Aras que apesar de ainda atuar no Ministério Público Federal (MPF), não tem ligação direta com o caso de Zambelli.
O professor Frederico Glitz alerta, no entanto, que o caminho para a extradição não é simples.
“Isso não é automático. O pedido feito pela autoridade brasileira para a Corte italiana. Lá, ele vai ser analisado, julgado e, eventualmente, autorizado. Depois disso, é preciso que se saiba se o pedido será ou não autorizado pelo governo italiano”, diz o professor.
Glitz e Aras explicam que os processos de extradição ficam sujeitos não apenas às decisões judiciais, mas a uma consideração política. Tanto lá quanto no Brasil, mesmo que a Justiça autorize uma extradição, a decisão de entregar a pessoa procurada depende do Poder Executivo.
Atualmente, a Itália é governada pela primeira-ministra de direita Giorgia Meloni, vista por alguns analistas como ideologicamente próxima do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os dois afirmam que, em geral, os governos acompanham as decisões da Justiça, mas que o Brasil já contrariou o STF em um caso emblemático, o do ativista político Cesare Battisti. Ele foi condenado por homicídios na Itália, durante os anos 1980, mas fugiu para o Brasil.
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A Itália pediu sua extradição e o STF, em 2009, autorizou o pedido. O governo, no entanto, à época comandado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), decidiu contrariar a decisão do STF e permitiu que ele continuasse no país.
Veterano do caso Pizolatto, Aras concorda com Glitz e diz que uma eventual extradição de Zambelli pode demorar bastante tempo para acontecer.
“Não é rápido e nem fácil. Existem certos obstáculos a vencer. Pode acontecer uma decisão desfavorável aqui ou ali, e pode-se recorrer e reverter. Do ponto de vista concreto, é possível extraditar qualquer cidadão ítalo-brasileiro da Itália para cá. Mas isto não significa dizer que é fácil, que é apertar o botão de ‘eject'”.
Na mira da Interpol
Eles também explicam por que o pedido de inclusão de Zambelli na lista vermelha Interpol, feito por Moraes, não significa necessariamente que isso vá acontecer.
O pedido de Moraes para que Zambelli seja incluída na lista de difusão vermelha da Interpol chamou atenção desde que sua decisão foi divulgada.
A Interpol é nome para a Organização Internacional de Polícia Criminal. Trata-se de uma instituição independente com sede em Lyon, na França. Atualmente, 196 países fazem parte dela.
Ela funciona como uma grande central de polícias de todo o mundo para a troca de informações, organização de estratégias para combate ao crime transnacional e para auxiliar polícias nacionais a aplicarem decisões judiciais. Atualmente, ela é presidida pelo delegado da polícia federal Valdecy Urquiza.
Mas a inclusão na lista vermelha não é automática, explicaram os especialistas consultados pela BBC News Brasil. Isso porque ela depende de uma deliberação de um comitê interno da Interpol e não apenas da decisão da Justiça brasileira.
O nome de Zambelli foi incluído nesta quinta pela organização.
“Existe uma divisão interna que cuida desses arquivos e uma comissão de controle de arquivos da Interpol. Isso existe porque para evitar o uso político de ditaduras e estados totalitários que perseguem subversivos ou supostos subversivos”, diz Vladimir Aras.
Aras afirma que, após a inclusão de um nome na lista vermelha, todos os 196 países que fazem parte da organização podem efetuar a captura da pessoa procurada.
“É uma espécie de alerta para que qualquer polícia de um Estado associado faça a apreensão temporária da pessoa. A ideia seria que onde quer que essa pessoa esteja no mundo, ela pode ser capturada”, diz o professor Frederico Glitz.
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Esse tipo de alerta é normalmente usado por autoridades imigratórias quando uma pessoa tenta viajar de um lugar ao outro. A ideia é restringir a capacidade das pessoas procuradas de se movimentarem pelo mundo.
Vladimir Aras cita que há diversos casos em que a Interpol não atendeu a um pedido das autoridades brasileiras para inclusão de um nome em suas listas.
Dois casos recentes são os dos blogueiros bolsonaristas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio. Ambos são investigados pela Polícia Federal e são alvos de inquéritos que tramitam no STF por conta de supostos ataques cometidos contra autoridades.
Nos dois casos, a Interpol não atendeu ao pedido feito pelo STF para incluí-los na lista vermelha.
Santos vive há pelo menos dois anos nos Estados Unidos. Eustáquio vive na Espanha. Ambos também já foram alvo de pedidos de extradição feitos pelo STF, mas, nos dois casos, as autoridades norte-americanas e espanholas se negaram a cumprir as decisões.
Tanto Santos quanto Eustáquio alegam ser perseguidos políticos e criticam as decisões de Alexandre de Moraes com argumentos semelhantes aos usados por Carla Zambelli.
O caso da deputada, no entanto, tem diferenças em relação ao dos blogueiros.
A primeira é que, ao contrário de Santos e Eustáquio, Zambelli já foi condenada pelo STF.
Por ser parlamentar, a Constituição prevê que Zambelli só poderia ser presa após o trânsito em julgado de seu caso ou em flagrante e após uma autorização da Câmara dos Deputados.
Apesar dessa previsão constitucional, o STF vem, nos últimos anos, flexibilizando essa norma. Exemplos disso foram as prisões preventivas do então senador Delcídio do Amaral (à época no PT-MS), em 2015, do ex-deputado federal Daniel Silveira (sem partido-RJ), em 2021, e do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), em 2024.
Na avaliação de Vladimir Aras, não haveria elementos para caracterizar a condenação de Zambelli como política.
“No caso da deputada, a acusação não parece ter conteúdo político porque se trata de uma invasão de sistemas informáticos. A invasão de sistemas informáticos não parece ser uma acusação de conteúdo político”.
*Com informações de Vitor Tavares, da BBC News Brasil.