Vitamina D pode ser aliada no tratamento do câncer de mama, sugere estudo
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Ao avaliar um grupo de voluntárias diagnosticadas com a doença, os cientistas descobriram que tomar esse hormônio esteve relacionado a uma maior taxa de desaparecimento do tumor (entenda os detalhes ao longo da reportagem).
Além de atuar na manutenção da saúde dos ossos e do sistema imunológico, a vitamina D teria o potencial de se ligar diretamente a receptores de células cancerosas e pode impedir a disseminação delas, apontam os especialistas.
Os autores do trabalho se mostraram animados com os resultados e entendem que eles podem modificar a forma como essa enfermidade será tratada no futuro.
Mas eles mesmos ponderam que são necessários novos estudos, com um número maior de pacientes, para confirmar esses achados iniciais.
Como o estudo foi feito
A investigação foi conduzida na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no interior de São Paulo.
Foram recrutadas 80 mulheres com mais de 45 anos diagnosticadas com câncer de mama.
Todas elas fariam o chamado tratamento neoadjuvante, que consiste em passar por sessões de quimioterapia durante seis meses antes de fazer uma cirurgia para a retirada do tumor.
“Há um grupo de pacientes que apresenta um câncer de mama grande ou agressivo. Então, antes de remover o tumor com a cirurgia, precisamos começar com algum tipo de medicamento, como a quimioterapia na veia, para diminuir o tamanho dele e posteriormente fazer a operação em condições melhores”, contextualiza o cirurgião oncológico Renato Cagnacci Neto, do Centro de Referência de Tumores da Mama do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista.
O especialista, que não esteve envolvido com o estudo da Unesp, calcula que a taxa de mulheres com câncer de mama que necessita do tratamento neoadjuvante (químio antes da cirurgia) varia de 20% a 40%, a depender da realidade de cada país.
No início do experimento, as voluntárias foram submetidas a exames de sangue para medir o nível de vitamina D que tinham.
Na sequência, as pacientes foram divididas em dois grupos.
O primeiro passaria a receber, durante o semestre de químio, uma suplementação de vitamina D numa dosagem de 2 mil unidades internacionais (UI).
Já segunda turma tomou placebo, uma substância sem nenhum efeito terapêutico.
Passados os seis meses, todas fizeram um novo exame de sangue, para ver como os níveis de vitamina D tinham se alterado no período.
Os laudos mostraram que o primeiro grupo, que fez a suplementação, estava com uma quantidade maior desse hormônio no organismo.
Mas o resultado mais importante veio na sequência: 43% das pacientes que suplementaram a vitamina D apresentaram uma resposta patológica completa (quando avaliações em laboratório dos tecidos removidos durante a cirurgia não encontram mais células tumorais).
Já entre aquelas que tomaram apenas placebo, essa taxa ficou em 24%, quase vinte pontos percentuais abaixo.
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Resultado ‘surpreendente’
A mastologista Michelle Omodei, uma das autoras da pesquisa da Unesp, destaca “o excelente benefício que os resultados podem trazer no tratamento das mulheres com câncer de mama”.
“O resultado é maravilhoso e surpreendente”, diz a especialista, que acaba de concluir um doutorado na universidade.
Mas como a vitamina D pode atuar contra as células cancerosas?
“Esse hormônio parece ter uma ação no microambiente tumoral. As células malignas têm um receptor específico onde a vitamina D se encaixa e pode regular a transcrição de genes específicos”, responde Omodei.
“É possível que ela diminua, nesse ambiente tumoral, a inflamação, a invasão e a proliferação das células cancerosas”, especula a médica.
A pesquisa brasileira é uma das primeiras a avaliar o papel da vitamina D como uma possível terapia contra os tumores mamários.
Investigações anteriores, como um estudo feito na Turquia, até avaliavam essa possibilidade, mas apostavam em doses altíssimas da suplementação desse hormônio, que chegavam até a 50 mil UI por dia.
Ao prescrever apenas 2 mil UI diários, o trabalho brasileiro buscou um balanço entre um efeito terapêutico sem aumento no risco de toxicidade, defendem os autores.
“E ficamos muito esperançosos, porque a vitamina D é uma medicação de baixo custo, o que pode facilitar o acesso”, avalia Omodei.
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Ponderações e próximos passos
Embora os resultados tenham sido comemorados e bem recebidos, isso não significa que a vitamina D já entre automaticamente no rol de opções terapêuticas contra o câncer de mama.
Ela também não substitui outras terapias já consagradas, como a quimioterapia ou a cirurgia.
E é importante que pacientes diagnosticadas com esse tumor sigam as recomendações médicas e sempre conversem com o profissional de saúde antes de incluir ou retirar qualquer suplemento ou remédio da rotina.
“Até porque a vitamina D pode ser potencialmente tóxica se tomada em grandes quantidades”, alerta Cagnacci Neto.
“Essa suplementação não é algo para a paciente fazer sozinha, sem nenhum acompanhamento”, sugere ele.
O cirurgião oncológico reforça que “o uso da vitamina D no tratamento do câncer ainda é um tema bem controverso”.
“Em linhas gerais, os resultados que temos são confusos. Há estudos que encontraram um papel positivo da suplementação, e outros que observaram o oposto”, complementa médico.
Ele também lembra que a ciência é o campo das verdades transitórias.
“Os dados que temos até hoje não são tão legais assim. Mas, às vezes, surgem evidências que apontam no caminho contrário. É o caso dessa pesquisa da Unesp, que foi muito bem feita”, elogia ele.
Os responsáveis pelo estudo também entendem que o número de voluntárias precisa ser ampliado em futuros testes, para que os resultados sejam mais sólidos.
Eles, inclusive, já planejam os próximos passos da pesquisa, que envolvem justamente ampliar o número de participantes e de centros de pesquisa numa rodada de testes clínicos mais robustos.
“Os resultados são muito promissores, mas ainda precisamos de mais estudos”, admite Omodei.
O câncer de mama é o segundo tipo de tumor mais frequente no Brasil, atrás apenas do câncer de pele não melanoma.
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que a doença afete 73,6 mil mulheres e cause 18,3 mil mortes todos os anos no país.