Veganismo e crianças: 10 coisas que você precisa saber
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- Author, Jasmin Fox-Skelly
- Role, BBC Future
Dados a nível global são limitados, mas se estima que os veganos representavam cerca de 3% da população mundial em 2018. Nos Estados Unidos, uma pesquisa do instituto Gallup concluiu que 1% da população seguia uma dieta vegana em 2023.
Mas casos isolados de grave desnutrição em bebês nos últimos anos levaram algumas pessoas a defender que a dieta vegana seria insegura para as crianças.
As organizações alimentares oficiais dos EUA e do Reino Unido defendem que a dieta vegana, quando adequadamente planejada, é segura para crianças e bebês. Mas na Alemanha, França, Bélgica e Polônia, as autoridades de saúde apresentam certas preocupações.
Infelizmente, existem poucas pesquisas sobre o impacto das dietas baseadas em plantas sobre a saúde das crianças. Isso, contudo, está começando a mudar.
Surgiram recentemente diversos estudos que oferecem novos conhecimentos, mas vamos começar pelos conceitos básicos.
Os veganos não consomem nenhum alimento de origem animal. Eles se abstêm de comer carne, peixe, ovos e laticínios e adotam uma dieta baseada em plantas, fungos, algas e bactérias.
Ou seja, estamos falando não só de verduras, frutas, nozes, sementes, grãos e legumes, mas também de pão, macarrão e homus. Afinal, muitos alimentos são “acidentalmente veganos“.
Mas o que diz a ciência sobre os efeitos da dieta vegana na infância?
1. Pesquisas demonstram que as dietas baseadas em plantas trazem muitos benefícios
“Os maiores benefícios observados se referem à saúde cardiovascular, ou seja, à saúde do coração e de todo o seu sistema vascular”, afirma a cientista nutricional Federica Amati, do Imperial College de Londres. Ela é a nutricionista-chefe da empresa ZOE, que oferece aconselhamento personalizado sobre nutrição.
“As pessoas que seguem dietas veganas apresentam menores níveis de colesterol LDL [ruim], menos bloqueios nas suas artérias e redução do risco de ataques cardíacos e AVCs”, prossegue ela. “Elas também tendem a ser mais magras, ter menos peso e correm menos risco de desenvolver obesidade.”
As dietas baseadas em vegetais também são associadas à redução do risco de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2 e certos tipos de câncer, como o câncer colorretal.
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Elas também contêm moléculas chamadas polifenóis, que possuem propriedades antioxidantes e são associadas a todo tipo de benefícios para a saúde, como a redução do risco de ataques cardíacos, AVCs e diabetes.
Outra razão que pode levar algumas pessoas a terem benefícios consumindo menos carne e laticínios é o fato de que os alimentos de origem animal costumam conter alto teor de gorduras saturadas.
“Quando pensamos em alimentos, é sempre útil imaginar o que estamos oferecendo ao corpo e em qual embalagem”, afirma Amati.
“Por isso, se você comer um bife, você irá consumir muita proteína, ferro, zinco e alguns micronutrientes daquele bife.”
Mas a nutricionista destaca que, ao lado dessas substâncias, você também irá ingerir gordura saturada e certas substâncias como a carnitina – um nutriente que auxilia a produção de energia, mas que se acredita que aumente as inflamações intestinais.
“Por outro lado, se você examinar, por exemplo, o edamame [um tipo de grão de soja verde jovem], você recebe boas quantidades de proteína e também fibras, além de compostos bioativos que são benéficos para a saúde, como vitaminas, sais minerais e polifenóis”, explica Amati.
Até aqui, ponto para o veganismo, desde que você mantenha uma dieta balanceada.
Mas existem possíveis desvantagens se dependermos apenas das plantas para nossas necessidades nutricionais. Afinal, existem vitaminas e minerais essenciais que só são encontrados – ou predominantemente disponíveis – na carne, peixes, ovos e laticínios.
2. Os veganos podem apresentar risco de deficiência de vitamina B12
Um dos desafios é conseguir vitamina B12 em quantidade suficiente.
A vitamina B12 também pode ser encontrada em alimentos veganos como levedura nutricional ou pastas com base em levedura, alga nori, leites ou cereais matinais fortificados. E pode ser incorporada à alimentação através de suplementos.
O nosso corpo consegue armazenar esta vitamina, de forma que a deficiência de B12 pode levar algum tempo para se manifestar em adultos. Mas as crianças podem desenvolver esta condição muito mais cedo.
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“As crianças têm maiores necessidades nutricionais, simplesmente porque estão literalmente desenvolvendo novos tecidos e construindo um corpo adulto diante dos nossos olhos”, explica Amati.
“Durante a fase crítica do crescimento, se você não dispuser de certos nutrientes, como a B12, sofrerá prejuízos das funções nervosas e da formação de glóbulos vermelhos, o que pode prejudicar a capacidade de aprendizado contínuo da criança e o desenvolvimento adequado do seu cérebro até o final.”
3. Existem fontes veganas de ômega-3
Estas gorduras poli-insaturadas fazem parte importante da membrana de lipídios que engloba cada célula do corpo humano. Elas são essenciais para o funcionamento cerebral, entre outras funções.
Mas os tipos de ômega-3 responsáveis por esses benefícios à saúde – o EPA (ácido eicosapentaenoico) e o DHA (ácido docosa-hexaenoico) – são encontrados apenas em peixes e algas.
Outro tipo de ômega-3, o ácido alfa-linolênico (ALA), é encontrado em sementes de chia e linhaça, além de verduras em folhas. Mas o ALA não traz os mesmos benefícios à saúde de EPA ou DHA.
Outros nutrientes, como cálcio, vitamina D e iodo, estão presentes em plantas, mas em pequenas quantidades.
4. As deficiências podem ser graves em casos raros
Em 2016, uma criança vegana de um ano de idade em Milão, na Itália, foi internada no hospital porque exames de sangue revelaram níveis de cálcio perigosamente baixos.
Em 2017, os pais de um bebê de sete meses na Bélgica foram condenados por causarem sua morte. Eles alimentaram a criança com uma dieta exclusiva de leite vegetal, feito de aveia, trigo sarraceno, arroz e quinoa.
Mas a boa notícia para os veganos é que muitos desses nutrientes podem ser fornecidos por suplementos e alimentos fortificados, como cereais matinais e leites vegetais.
“Com certeza, podemos eliminar totalmente a deficiência de vitamina B12 com a suplementação”, segundo a nutricionista clínica Malgorzata Desmond, pesquisadora honorária do University College de Londres.
“É a medida mais fácil que você pode tomar.”
Pode ser necessário planejamento mais cuidadoso para garantir que você receba quantidades suficientes de outros nutrientes, como ferro e zinco. Eles estão presentes em folhas verdes, mas o corpo os absorve em forma vegetal com menos facilidade, em comparação com carnes ou laticínios.
Pode ser possível fornecer a crianças veganas todos os seus nutrientes através de suplementos e uma dieta cuidadosamente planejada. Mas existe um estudo que sugere que, na verdade, isso nem sempre acontece.
5. O planejamento cuidadoso da alimentação é importante
Em 2021, Desmond e seus colegas compararam a saúde de 187 crianças polonesas que seguiam dietas veganas, ovolactovegetarianas ou onívoras.
Dois terços das crianças veganas e vegetarianas do estudo tomavam suplementos de vitamina B12. Mas, de forma geral, as crianças veganas apresentavam menores níveis de cálcio e tinham maior risco de deficiência de ferro, vitamina D e vitamina B12.
O estudo demonstrou que a saúde das crianças veganas apresentou várias diferenças em relação às crianças onívoras, que se alimentavam de carne e laticínios.
A boa notícia é que as crianças veganas eram mais magras e apresentavam níveis de colesterol mais baixos, o que poderia gerar menor risco de doenças cardíacas ao longo da vida. Elas também exibiram sinais reduzidos de inflamação no corpo.
6. Crianças veganas podem ter altura levemente menor
Uma notícia não tão boa é que as crianças veganas do estudo tinham, em média, 3 a 4 cm a menos de altura do que as onívoras. Mas elas ainda mantinham altura normal para sua idade.
“Elas apresentaram tendência de ser um pouco menores e pesar menos, mas não sabemos se essas crianças veganas irão alcançar as demais quando forem adolescentes”, explica Desmond.
A descoberta mais preocupante, no entanto, foi que as crianças veganas apresentaram densidade mineral óssea 6% menor do que as onívoras. Isso as coloca em risco de osteoporose e fraturas ósseas ao longo da vida.
“Temos apenas uma curta janela para a construção dos nossos ossos, até cerca de 25 a 30 anos de idade”, segundo Desmond.
“A partir daí, o nosso teor de minerais nos ossos diminui. Por isso, se você não construir o máximo possível até os 25 anos de idade, você começará a cair a partir de uma quantidade muito menor de minerais nos ossos.”
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Mas o motivo deste déficit de minerais não é totalmente conhecido.
A vitamina D e o cálcio são essenciais para a formação e manutenção de ossos saudáveis. Desmond destaca que as crianças veganas ingeriam cálcio em níveis ligeiramente mais baixos do que as vegetarianas e onívoras no seu estudo de 2021.
“Acho que esta é uma combinação de fatores”, afirma Desmond.
“Não acho que isso seja facilmente resolvido tomando um comprimido de cálcio, porque talvez se deva à qualidade da proteína vegetal, que promove menos o crescimento do que a proteína animal.”
Acredita-se que o aumento da ingestão de proteína animal estimule a liberação de certos fatores de crescimento. Estas moléculas (normalmente proteínas) podem enviar sinais para incentivar o corpo a crescer com mais rapidez.
Os fatores de crescimento desempenham papel fundamental no fortalecimento dos ossos e estão envolvidos no seu crescimento e reparo.
Mas Amati destaca que estes são os resultados de apenas um estudo. Por isso, a relação entre a dieta vegana na infância e a densidade óssea ainda precisa ser definitivamente comprovada.
“Acho que é um estudo importante, mas é um [só] estudo com uma pequena quantidade de crianças”, ressalta ela.
“Por isso, o que este estudo me diz é que, na verdade, precisamos de mais pesquisas para realmente compreender quais fatores na sua alimentação estão colocando as crianças em maior risco.”
7. Uma dieta vegana cuidadosamente planejada provavelmente é segura para as crianças
Desmond concorda que é preciso ter mais pesquisas para compreender eventuais riscos às crianças veganas.
“Eu diria, com base no que sabemos agora, que podemos afirmar que a dieta vegana [na infância] é segura, desde que feita com responsabilidade”, explica ela.
Esta opinião é compartilhada pelo professor emérito de Nutrição Tom Sanders, do King’s College de Londres. Ele pesquisa dietas veganas desde os anos 1970.
“Demonstramos anos atrás que as crianças podem crescer com dietas veganas, desde que você evite as armadilhas conhecidas”, afirma ele.
Quais são, então, os melhores alimentos para maximizar a ingestão dos nutrientes normalmente encontrados na carne e em laticínios?
Em relação à vitamina B12, estudos demonstraram que o melhor a fazer é tomar suplementos. Mas os cereais e leites vegetais fortificados também recebem adição da vitamina, de forma que, teoricamente, você pode atender suas necessidades desta forma.
Os iogurtes e leites vegetais também contêm adição de cálcio e vitamina D.
Amati destaca que é importante fazer com que as crianças saiam de casa e recebam a luz solar na pele nos horários mais seguros, quando os níveis de radiação ultravioleta são mais baixos. Esta medida irá incentivar a produção de vitamina D.
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Paralelamente, legumes, lentilhas, feijão e grão-de-bico representam boas fontes vegetais de ferro.
“A absorção [de ferro] pode ser um pouco menos eficiente, mas isso pode ser superado se ele for acompanhado de alimentos ricos em vitamina C, como pimenta, tomates e frutas cítricas”, explica Amati.
Em relação aos ácidos graxos ômega-3, sementes de linhaça, chia e nozes são boas fontes de ALA. E os veganos podem tomar suplementos de ômega-3 produzidos com algas marinhas, para maximizar sua ingestão de EPA e DHA, os óleos de ômega-3 encontrados nos peixes.
9. É melhor evitar alimentos veganos ultraprocessados sempre que possível
Também é conveniente selecionar uma ampla variedade de alimentos de origem vegetal, substituindo os ultraprocessados, embalados e comercializados especificamente como sendo veganos, segundo Amati.
“Às vezes, vemos pessoas que mantêm dietas veganas, mas estão simplesmente comprando queijo vegano e nuggets de frango veganos, de forma que a qualidade da sua alimentação ainda é ruim”, segundo ela.
“Se você tiver uma dieta vegana que não seja saudável, sem analisar a variedade dos nutrientes, e apenas tomar suplementos, sua saúde não trará bons frutos”, alerta Amati.
10. Pesquisar é importante
Por fim, todos os especialistas destacaram que os pais precisam se informar sobre nutrientes como a vitamina B12, vitamina D, cálcio e ferro, para poderem planejar cuidadosamente a alimentação dos seus filhos.
“É realmente uma boa ideia consultar profissionais de saúde, especificamente um nutricionista pediátrico, para planejar a alimentação do seu filho”, segundo Amati.
“Também é importante acompanhar regularmente o crescimento da criança, para poder identificar rapidamente eventuais atrasos do crescimento ou do desenvolvimento.”