Vargas Llosa, gigante de literatura, já disse preferir Bolsonaro a Lula
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“O caso de Bolsonaro é um caso muito difícil”, disse o escritor.
“As palhaçadas de Bolsonaro são muito difíceis de se admitir para um liberal. Mas entre Bolsonaro e Lula, prefiro Bolsonaro, desde já. Com as palhaçadas de Bolsonaro. Lula, não.”
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, também em 2022, Vargas Llosa disse que torcia pela derrota do petista, mas afirmou também não ter muita simpatia por Bolsonaro.
O escritor afirmou ainda, segundo o jornal, que havia no Peru quatro presidentes com processos na Justiça em decorrência da operação Lava-Jato.
“Em grande parte, todos eles foram vítimas de Lula, pois ele utiliza, digamos, a Presidência para corromper os governantes latino-americanos. No Peru, causou estragos.”
Llosa disse que “não gostaria de estar na situação de ter que escolher entre Lula e Bolsonaro”, mas que “realmente jamais votaria em Lula”, pois “ele foi um homem que corrompeu profundamente.”
Quanto questionado pelo jornal sobre a anulação de processos contra Lula na Lava-Jato, ele disse que foi “por questões técnicas” e que “alguns juízes também têm seus preferidos na política. Torço para que não elejam de novo Lula, pois ele está muito associado à corrupção.”
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As declarações de Vargas Llosa em 2022 não foram exatamente uma novidade: em outro evento em Buenos Aires, em 2016, ele já havia feito críticas a Lula, conforme noticiou a AFP à época.
“De repente, os brasileiros foram os primeiros a descobrir que o governo de Lula é a fonte de uma corrupção que não tinha precedentes na história brasileira.”
O escritor afirmou que a crise vivida no país em 2016 era saudável, mesmo ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada do cargo.
Para ele, a ex-presidente “herdou uma corrupção que nasce com Lula, então é bom que o Brasil viva essa catarse e desmistifique seus santos”.
De apoiador de Fidel Castro a liberal
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Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa, no Peru, em 1936. Como muitos intelectuais, ele chegou a apoiar Fidel Castro. Ele já havia viajado algumas vezes como jornalista à ilha e chegou a apoiar plenamente a Revolução Cubana.
“Para a minha geração, e não só na América Latina, o que aconteceu em Cuba foi decisivo — um antes e um depois ideológico”, escreveria no prólogo de seu livro de ensaios O Chamado da Tribo.
“Muitos, como eu, viram na gesta fidelista não apenas uma aventura heroica e generosa, de combatentes idealistas que queriam não só acabar com uma ditadura corrupta como a de Batista, mas também construir um socialismo não sectário, que permitisse a crítica, a diversidade e até a dissidência.”
Vargas Llosa disse ter se desiludido com o líder comunista após o “Caso Padilla”, quando o poeta Heberto Padilla foi preso por criticar o governo cubano em 1971.
Padilla era um poeta cubano que havia participado ativamente da Revolução Cubana e, inclusive, chegado a ocupar o cargo de vice-ministro do Comércio Exterior. No entanto, no final dos anos 1960, passou a criticar abertamente a política cultural do governo.
Em março de 1971, foi preso e, pouco depois, veio a público uma “confissão” caricatural, que lembrava os julgamentos stalinistas, provocando a fúria de muitos escritores estrangeiros amigos da Revolução.
Liderados por Goytisolo e Vargas Llosa, vários intelectuais e escritores (incluindo Sartre, Susan Sontag, Italo Calvino, Simone de Beauvoir, Octavio Paz, Alberto Moravia e Marguerite Duras) enviaram duas cartas a Fidel Castro em apoio a Padilla.
Isso enfureceu Castro, que fez um duro discurso contra os signatários e os proibiu de entrar em Cuba “por um tempo indefinido e infinito”.
No final dos anos 1970, Mario Vargas Llosa passou a residir em Londres, já como um escritor consagrado, que podia viver daquilo que escrevia.
Foi uma fase fundamental: presenciou a ascensão de Margaret Thatcher ao poder e, ao mesmo tempo, leu — e chegou a conhecer — grandes pensadores liberais contemporâneos, como Isaiah Berlin e Karl Popper.
Em uma mudança ideológica profunda, ele adotou as ideias liberais e, desde então — assim como havia feito anteriormente com as ideias de esquerda — passou a defendê-las com unhas e dentes, tanto por escrito quanto em público.
Em 2019, em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, disse que “o liberalismo está associado à ideia de liberdade, e acredito que a defesa das liberdades é algo absolutamente essencial”.
“Para o liberalismo, o essencial são as ideias, os valores, e dentro deles a ideia de liberdade é absolutamente central. Uma ideia que não pode ser dissociada, dividida ou fragmentada.”
Não muito depois de sua conversão, ele teria a oportunidade de defender essas ideias na arena política.
Em agosto de 1987, quando o então presidente peruano Alan García anunciou que nacionalizaria os bancos e as companhias de seguros, Vargas Llosa — que estava de férias em seu país — decidiu se opor publicamente.
O sucesso de sua mobilização foi tal que o presidente acabou desistindo do plano de nacionalização, e o escritor decidiu lançar-se à Presidência.
No entanto, depois de um início de campanha promissor, o escritor transformado em político enfrentou em 1990 um fenômeno que primeiro o surpreendeu e depois o derrotou: Alberto Fujimori, que, durante a campanha, passou a caracterizar Vargas Llosa como um neoliberal rico de direita radical.
Vargas Llosa retornou imediatamente à Europa para se recuperar desta empreitada e escreveu Peixe na Água, jurando nunca mais se envolver diretamente com a política.
Sua imagem como neoliberal alinhado à direita radical se manteve ao longo dos anos, apesar de também ter posições em temas sociais e políticos consideradas progressistas: defendia o aborto, a eutanásia, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização das drogas e era crítico do tratamento dado por Israel aos palestinos.
Era um defensor da democracia como sistema político e considerava o capitalismo, o livre mercado e a globalização como os melhores caminhos para tirar um país da pobreza.
Embora na entrevista à BBC News Mundo ele tenha ponderado, dizendo que “há quem acredite que o mercado resolve tudo, eu não acredito nisso, nem de longe, e tampouco acho que essa seja a essência do liberalismo”, Llosa manteve até o fim sua admiração por Thatcher e o ex-presidente americano Ronald Reagan, além de uma relação próxima com políticos conservadores da Espanha e da América Latina, como Álvaro Uribe, Sebastián Piñera e José María Aznar.