Valeria Márquez: a influenciadora assassinada ao vivo no TikTok
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- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
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Milhares de pessoas foram testemunhas, pelas redes sociais, da linha de frente da violência que sacode o México.
Na terça-feira (13/5), a famosa influenciadora mexicana Valeria Márquez, de 23 anos, foi assassinada a tiros, enquanto realizava uma transmissão ao vivo pelo TikTok.
O ocorrido se deu no salão de beleza Blossom The Beauty Lounge, de propriedade da vítima na cidade de Zapopan, no Estado de Jalisco (centro-oeste do México).
A localidade faz parte da área metropolitana de Guadalajara, a segunda cidade com mais habitantes do país.
A Promotoria estadual anunciou que está tratando do caso “sob o protocolo de feminicídio”, ou seja, ela considera que o crime foi motivado pela condição de mulher da vítima.
A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, anunciou que há uma investigação em andamento. Segundo ela, “estamos trabalhando para capturar os responsáveis e [determinar] a motivação que levou a esta situação”.
O assassinato de Márquez ocorreu menos de 48 horas depois que Yesenia Lara Gutiérrez, candidata a prefeita de uma localidade no Estado mexicano de Veracruz (centro-leste do país), foi abatida com três outras pessoas, durante um ato de campanha. O evento também foi transmitido pelas câmeras de vídeo do local.
Estrela em ascensão
Márquez era uma modelo mexicana que começou a ficar conhecida em 2021, depois de ganhar o concurso de beleza Miss Rosto, segundo a imprensa local.
Pouco depois, ela começou a criar conteúdo nas redes sociais. Márquez compartilhava conselhos de maquiagem e rotinas de cuidados pessoais. Ela também falava sobre moda e se exibia nas viagens que fazia.
Suas fotografias no interior de aviões particulares ou a bordo de iates podem ser observadas na sua conta no Instagram, que contava com mais de 223 mil seguidores no momento da sua morte. Márquez também tinha 100 mil seguidores no TikTok.
A jovem também dirigia o salão de beleza onde foi assassinada, em um centro comercial localizado no bairro Real del Carmen de Zapopan, segundo informado pela imprensa local.
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Direto e ao vivo
Durante sua transmissão, Márquez relatou que estava no interior do estabelecimento. Ela esperava um entregador que havia estado antes no local e avisou que regressaria para entregar a ela um presente.
“Hoje, eu estava fazendo algumas coisinhas, quando Érika me marcou e disse: ‘escute, querida, vão trazer algo para você e não sei o quê, mas, enfim, querem entregar para você'”, segundo se ouve na gravação.
“Fiquei preocupada […] porque [Érika, a amiga] me diz que não se via o rosto [do entregador] […]”, prossegue Márquez. “Por que não deixou [o presente]? Eles iam me levantar [sequestrar] ou o quê?”
Ela segura uma pelúcia cor-de-rosa, afasta o olhar da câmera, leva imediatamente as mãos ao peito e ao estômago e desaba na cadeira.
Em seguida, outra mulher pega o telefone celular e interrompe a transmissão.
As autoridades afirmam que pelo menos dois homens de motocicleta foram ao estabelecimento.
Um deles perguntou a vítima se ela era Valeria. Quando ela respondeu “sim”, ele sacou uma arma e disparou pelo menos duas vezes, fugindo em seguida.
Os investigadores afirmam que estão revisando as gravações das câmeras de segurança e rastreando as redes sociais de Valeria Márquez, em busca de pistas sobre quem poderiam ser os agressores.
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As versões do caso
O crime ocorreu em Jalisco, que é o Estado de origem do temido Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG). Este fato fez surgirem versões atribuindo a responsabilidade do caso a integrantes da organização criminosa.
Mas as autoridades mexicanas declararam que, até o momento, não há motivos para suspeitar que o assassinato tenha sido encomendado ou executado por algum dos grupos do cartel que atuam na região.
“Frente às versões que indicam supostos responsáveis pelo feminicídio ocorrido em Zapopan, esclarecemos que não existe indicação direta contra nenhuma pessoa no processo investigativo”, informou a Promotoria de Jalisco em um comunicado público.
“Todas as declarações e indícios, incluindo vídeos e publicações nas redes, estão sendo analisadas. A investigação prossegue sob protocolo de feminicídio, com perspectiva de gênero, sem revitimização e respeitando os princípios de legalidade, imparcialidade e respeito aos direitos humanos”, prossegue o comunicado.
A postura da Promotoria surge depois que a imprensa mexicana publicou mensagens nas quais Márquez responsabilizava seu ex-namorado, se algo acontecesse com ela.
A violência de gênero é um problema sério no México. O país ocupa o quarto lugar entre as maiores taxas de feminicídio na América Latina e no Caribe, atrás do Paraguai, Uruguai e Bolívia.
Os dados mais recentes da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (Cepal) indicam que o México registrou 1,3 mortes por 100 mil mulheres em 2023, segundo informou a agência de notícias Reuters.
Jalisco ocupa o sexto lugar em homicídios, entre os 32 Estados mexicanos (incluindo a Cidade do México). Foram 906 assassinatos registrados desde o início do mandato da atual presidente Claudia Sheinbaum, em outubro de 2024, segundo a consultoria de dados TResearch.
No mesmo dia do assassinato de Valeria Márquez e a apenas 2 km de distância, foi morto um ex-deputado, identificado como Luis Armando Córdoba Díaz, segundo o jornal mexicano Reforma.
E, menos de 48 horas antes do assassinato de Márquez, Yesenia Lara Gutiérrez foi morta durante uma caravana eleitoral. Ela era candidata à prefeitura de Texistepec, no Estado de Veracruz (centro-leste do México), pelo partido governista Morena.
Como ocorreu com a influenciadora, o caso de Lara Gutiérrez foi registrado pelas câmeras, já que o ato político estava sendo transmitido ao vivo pelo Facebook.
‘A sombra do narcotráfico em Jalisco’
Análise de Daniel Pardo, correspondente no México da BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).
O fato de que as autoridades estão investigando o assassinato de Márquez como feminicídio – ou seja, um assassinato motivado pela sua condição de mulher – não impede que ele tenha ocorrido no contexto do narcotráfico.
Zapopan é a região mais rica de Guadalajara. É ali que acontece mais da metade do desenvolvimento imobiliário e comercial, segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, graças à lavagem de dinheiro promovida pelos narcotraficantes.
A presença da segurança privada e o bom estado das suas ruas e comércios dão a impressão de que Zapopan é uma zona segura. Mas, na verdade, trata-se de um dos municípios mais violentos da região metropolitana de Guadalajara.
De fato, nos seus centros comerciais luxuosos e hipervigiados, ocorrem tiroteios e atentados com certa frequência.
Jalisco é um dos Estados mexicanos mais afetados pelo narcotráfico. Aqui, a 50 km de Zapopan, foi encontrado, em março, um centro de treinamento do CJNG. E também foi aqui que, desde 2018, desapareceram 15 mil pessoas.
90% dos homicídios do Estado terminam em impunidade. Esta é uma das provas de que a Justiça também está infiltrada pelo narcotráfico.
Se quase tudo o que acontece em Jalisco, da estética dos centros comerciais até a política de alto nível, é inevitavelmente marcado pelo narcotráfico, o feminicídio de uma modelo e influenciadora em plena luz do dia, durante uma transmissão ao vivo não é exceção.
Afinal, no mínimo, seu perpretador sente que pode contar com a impunidade local.