Trump: os imigrantes brasileiros que querem voltar dos EUA por causa do novo presidente
Crédito, Jose Rodero/BBC
- Author, João Fellet
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Quando o paulistano Caio Marchetti Minniti se mudou para Miami, em 2003, a economia dos Estados Unidos estava em alta.
O Produto Interno Bruto americano era sete vezes maior que o da China (hoje, é 1,5 vez maior), e a hegemonia do dólar estava longe de ser desafiada.
Na época, recém-formado em Engenharia na Universidade Mackenzie e ex-aluno do Colégio Dante Alighieri, duas tradicionais instituições de ensino de São Paulo, Minniti aceitou a proposta de um amigo brasileiro para trabalhar em uma empresa de importação em Miami.
Desde então, ele deixou aquele emprego, virou manobrista, trabalhou como entregador de comida e assessorou brasileiros que vão a Miami fazer compras.
Vinte e dois anos depois de chegar à Flórida, hoje com 50 anos de idade e motorista de Uber, Minniti está preocupado com os rumos do país após a posse de Donald Trump.
E, mesmo morando nos EUA legalmente, quer voltar ao Brasil.
“Ele [Trump] tem ideias boas, mas está sendo muito radical, prejudicando muito a classe média e a classe baixa”, diz o brasileiro.
“Agora mesmo, neste momento, só penso em ir embora. Está muito ruim aqui, muito sofrido.”
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Caio se define politicamente como “mais para o lado dos Republicanos”, o partido de Trump, e diz que estava animado com seu retorno à Casa Branca.
Mas afirma que algumas políticas de Trump para a economia abalaram seu otimismo.
Uma delas foi a imposição de altas tarifas sobre produtos importados de diversos países com o argumento de proteger a indústria americana. Desde então, essas tarifas foram reduzidas para 10% na maioria dos casos — com exceção da China, cujas tarifas foram elevadas para 145%.
“Essas tarifas estão mexendo com toda a economia americana e provavelmente vão afetar o turismo por aqui”, diz Caio.
“O movimento no porto e no aeroporto de Miami já caiu bem, e deve piorar ainda mais.”
Em 2024, o Canadá foi o país que mais enviou turistas à Flórida: 3,3 milhões de pessoas, segundo dados da agência oficial de turismo do Estado.
Porém, segundo uma reportagem no jornal Tampa Bay Times, a WestJet, segunda maior companhia aérea do Canadá, reportou uma queda de 25% nas vendas de bilhetes para voos entre EUA e Canadá neste ano.
Caio também critica o que ele considera um endurecimento da repressão, por parte do governo Trump, contra imigrantes em situação irregular sem antecedentes criminais.
Dados da agência de imigração dos EUA, a Immigration and Customs Enforcement, citados pelo site de notícias Axios mostram que, em 23 de março, havia 47.892 pessoas detidas no país por motivos migratórios – alta de 30% em relação à mesma data de 2024.
Segundo Caio, as batidas frequentes da agência deixaram muitos estrangeiros em pânico — até mesmo alguns, que, como ele, têm o green card, a autorização para morar nos EUA de forma permanente.
O brasileiro diz ser favorável à deportação de imigrantes com problemas criminais, mas afirma que essa não é a realidade de muitos que vêm sendo expulsos.
“Eles estão pegando qualquer um, basicamente”, afirma.
Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu deportar entre 15 e 20 milhões de imigrantes, ressaltando que o foco principal da medida seriam aqueles com antecedentes criminais.
No fim de janeiro, no entanto, a secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que a gestão atual vê como “criminosos” todos os imigrantes que estejam no país irregularmente — e não apenas os que tenham cometidos outros tipos de crime.
“É uma grande mudança cultural em nossa nação ver alguém que infringe nossas leis de imigração como um criminoso, mas é exatamente isso que eles são”, Leavitt afirmou na ocasião.
Alguns passageiros disseram a jornalistas que foram agredidos por agentes americanos durante o voo e que o avião estava em condições precárias.
Na ocasião, o governo brasileiro divulgou uma nota criticando os EUA por terem algemado os imigrantes durante o voo.
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Questionado pela BBC News Brasil sobre críticas de que estaria cometendo excessos e mirando muitos imigrantes que não representam riscos aos EUA, a agência migratória dos EUA não respondeu até a publicação desta reportagem.
Em seu site, o órgão diz realizar detenções para garantir o comparecimento do imigrante a “procedimentos de imigração, facilitar remoções para seus países de cidadania e proteger a segurança pública em casos em que o histórico criminal de um estrangeiro possa representar um risco para terceiros”.
Caio Minniti diz que a frequência das batidas parece ter diminuído nas últimas semanas, mas muitos imigrantes ainda evitam sair de casa com medo de serem pegos.
Afirma ainda que, na rotina como motorista de Uber, já percebe sinais de um esfriamento da economia que atribui ao governo de Trump: o número de corridas diminuiu, enquanto os custos com financiamento, seguro e gasolina permanecem altos.
“Não está mais valendo a pena ficar aqui”, afirma.
‘Sono de Cinderela’
O medo de ser detido ou deportado também é grande entre brasileiros que moram no Estado de Massachusetts, segundo a diretora brasileira de uma organização que atua junto ao grupo.
O Ministério de Relações Exteriores estima que 420 mil brasileiros — muitos deles em situação migratória irregular — vivam em Massachusetts, Estado que abriga a maior comunidade brasileira nos EUA.
“Percebemos que a comunidade saiu de seu sono profundo de Cinderela”, diz a brasileira, que pediu para não ser identificada por temer represálias.
Ela afirma que muitos brasileiros festejaram a vitória de Trump e pensavam que não seriam afetados por suas políticas.
Agora, diz que vários estão planejando retornar ao Brasil por causa da nova política de imigração do país e de temores sobre a economia.
Segundo ela, o movimento é confirmado pelo aumento no número de brasileiros que têm pedido ajuda de sua organização para obter um atestado de residência no Consulado do Brasil em Boston.
Com esse documento, quem chega ao Brasil de mudança, com móveis e eletrônicos comprados no exterior, fica isento das taxas cobradas de outros viajantes.
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Segundo um servidor do Ministério de Relações Exteriores ouvido pela BBC News Brasil, o número de pedidos por atestados de residência no Consulado do Brasil em Boston quadruplicou desde o início do governo Trump, passando de cerca de 45 por mês para cerca de 200 por mês.
O servidor, que também pediu para não ser identificado, disse ainda que os pedidos de registro de nascimento no consulado aumentaram dez vezes desde janeiro.
Para dar conta da maior demanda, todos os funcionários do consulado foram realocados para atuar na emissão de documentos e estão trabalhando em fins de semana e feriados, afirma o servidor.
Registros de nascimento são necessários para que crianças nascidas nos EUA e filhas de brasileiros possam obter a cidadania brasileira.
Segundo o servidor, a alta nos pedidos reflete o temor de que pais brasileiros sejam detidos pela imigração e separados dos filhos que tenham nascido nos EUA.
Isso porque, segundo a Constituição americana, todos que nascem no país se tornam automaticamente cidadãos americanos, mesmo que seus pais não estejam com sua situação regular.
Quando esses imigrantes que têm filhos americanos são deportados, as crianças podem ficar sob a guarda do governo dos EUA se só tiverem a cidadania americana. Por isso a corrida das famílias para registrar seus filhos também como brasileiros.
Muitos brasileiros que moram nos Estados Unidos têm feito alertas sobre as políticas migratórias de Trump nas redes sociais.
Em vídeo publicado em 31 de março, o youtuber Geraldo Afonso, que diz morar no país há sete anos, relatou ter percebido “muita gente com medo, muita gente voltando voluntariamente” ao Brasil.
Responsável pelo canal Viver na América, que soma mais de 500 mil inscritos, Afonso dá um recado no vídeo:
“Você, que está pensando em vir para cá ilegal, não venha, porque a situação está difícil, e você que já está aqui, coloca as barbas de molho, busque um plano B para voltar ao Brasil ou se legalizar, porque a sua hora vai chegar.”
Valeu a pena?
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Para o engenheiro paulistano Caio Minniti, que hoje trabalha como motorista de Uber em Miami, as turbulências do novo governo catalisaram reflexões sobre sua escolha de migrar para os EUA há 22 anos — e sobre suas decisões profissionais que, ao longo do tempo, o afastaram de sua área de formação.
Poucos anos após sua chegada à Flórida, a importadora em que ele trabalhava fechou, e o amigo que lhe oferecera o emprego voltou ao Brasil.
“Fiquei meio perdido e fui trabalhar como manobrista em um valet parking. Ganhava um dinheirinho, pagava contas, sobrava um pouquinho, e assim ia levando.”
Depois, ele virou motorista particular e começou a assessorar brasileiros que viajavam a Miami para fazer compras.
Até que, por volta de 2018, a procura pelo serviço começou a diminuir, conforme mais pessoas passaram a fazer compras pela internet e o real foi perdendo valor frente ao dólar.
O brasileiro passou, então, a depender exclusivamente do trabalho como motorista de Uber — uma atividade que, segundo ele, é fortemente impactada por oscilações econômicas.
Dois anos atrás, ele diz que conseguia ganhar por volta de US$ 250 por dia com as corridas.
Hoje, afirma que os valores caíram para uma faixa entre US$ 100 e US$ 150 por dia — montante que ele considera inferior ao necessário para que a atividade valha a pena. Para conseguir arcar com as despesas com o veículo, pagar aluguel e ainda guardar um pouco, diz que teria de ganhar US$ 250 por dia, valor que hoje só alcança em feriados ou dias de grandes eventos na cidade.
Com as incertezas que rondam a economia americana, Caio vem planejando o retorno ao Brasil. Solteiro e sem família nos EUA, a mudança não seria tão difícil.
Mas será que, tendo se formado em engenharia e estudado em um colégio renomado, suas perspectivas profissionais hoje não seriam melhores se ele tivesse ficado no Brasil?
“Agora, você pegou no meu ponto fraco”, afirma Caio.
“Talvez eu tenha desperdiçado oportunidades e 22 anos da minha vida morando aqui.”