Trump anuncia investigação comercial sobre o Brasil: as acusações que motivaram decisão do governo dos EUA
Crédito, Getty Images
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- Author, Mariana Alvim
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo*
- Author, Giulia Granchi
- Role, Da BBC News Brasil em Londres*
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O governo dos Estados Unidos, sob comando de Donald Trump, anunciou oficialmente a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil, alegando práticas “desleais” que restringiriam o comércio americano. O procedimento, um dos instrumentos mais duros da política comercial dos EUA, pode abrir caminho para novas tarifas sobre produtos brasileiros além dos 50% já anunciados pelo republicano.
A ordem partiu do próprio Trump, que relacionou o movimento às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e a supostos prejuízos sofridos por empresas de mídia social dos EUA no Brasil.
Em comunicado oficial, o embaixador do comércio dos EUA, Jamieson Greer, detalhou as práticas brasileiras que motivaram a investigação.
“O USTR detalhou as práticas comerciais desleais do Brasil, que restringem a capacidade dos exportadores americanos de acessar seu mercado há décadas, no Relatório Nacional de Estimativa de Comércio (NTE). Após consultar outras agências governamentais, consultores credenciados e o Congresso, determinei que as barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil merecem uma investigação completa e, potencialmente, uma ação corretiva”, escreveu Greer no comunicado.
Entre as acusações apresentadas pelo governo americano estão:
- Comércio digital e serviços de pagamento eletrônico: o Brasil seria acusado de criar ambiente hostil para empresas americanas que se recusam a “censurar” discursos políticos, numa referência velada às decisões do STF que puniram plataformas digitais como Rumble e Truth Social.
- Tarifas preferenciais: o Brasil aplicaria tarifas mais baixas para países concorrentes, o que prejudicaria as exportações dos EUA.
- Fiscalização anticorrupção: os EUA acusam o Brasil de falhar em promover transparência e medidas efetivas contra a corrupção.
- Proteção à propriedade intelectual: o Brasil seria omisso na proteção de direitos de propriedade intelectual, afetando empresas americanas de tecnologia e criatividade.
- Etanol: o Brasil teria elevado de forma significativa a tarifa sobre o etanol importado dos EUA.
- Desmatamento ilegal: segundo os americanos, o Brasil não consegue aplicar suas próprias leis contra o desmatamento, prejudicando produtores de madeira e agrícolas americanos.
Greer afirmou que essas barreiras, tarifárias e não tarifárias, constam do Relatório Nacional de Estimativa de Comércio (NTE) e que, após consultar órgãos do governo, o Congresso e consultores credenciados, decidiu pela abertura da investigação que poderá levar a medidas punitivas adicionais.
O jornal The New York Times classificou o anúncio como “uma das mais potentes armas de comércio” usadas pelos EUA e interpretou a medida como uma escalada que reacende o debate sobre o uso do poder tarifário por Trump para interferir em políticas internas de outros países.
Segundo o NYT, a investigação pode não só gerar novas tarifas, como também ampliar a tensão política e diplomática entre Washington e Brasília.
‘Estamos fazendo isso por que eu posso’
Na terça-feira (15/7), Trump conversou com jornalistas e afirmou que impôs as tarifas sobre o Brasil porque, segundo ele, “pode fazer isso”.
Ele também afirmou querer que mais dinheiro entre na economia dos Estados Unidos.
“Estamos fazendo isso porque eu posso fazer. Ninguém mais seria capaz”, disse o presidente americano, direto da Casa Branca, em Washington.
“Temos tarifas em vigor porque queremos tarifas e queremos o dinheiro entrando nos EUA”, acrescentou.
No mesmo dia, Trump já havia dado novas declarações em apoio a Bolsonaro. Na ocasião, ele reagiu ao pedido de condenação feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
O presidente dos EUA ponderou que não é amigo de Bolsonaro, mas trata-se de alguém que ele conhece.
“O presidente Bolsonaro é um bom homem. Conheci muitos primeiros-ministros, presidentes, reis e rainhas, e sei que sou muito bom nisso. O presidente Bolsonaro não é um homem desonesto. Ele ama o povo brasileiro. Ele lutou muito pelo povo brasileiro”, defendeu Trump.
Ele também voltou a usar o termo “caça às bruxas” para classificar o julgamento do ex-presidente brasileiro no STF.
“Ele [Bolsonaro] negociou acordos comerciais contra mim em nome do povo brasileiro, e foi muito duro, porque queria fazer um bom negócio para seu país. Ele não era um homem desonesto. Acredito que isso seja uma caça às bruxas e que não deveria estar acontecendo”, complementou Trump.
Em reportagem, o New York Times analisa que, “ao mirar o Brasil, Trump desencadeou queixas de usar os poderes comerciais para acertar contas políticas”.
“O presidente alegou ampla autoridade para emitir impostos elevados, mesmo sem a aprovação expressa do Congresso, na tentativa de combater o déficit comercial do país, abordar questões de segurança e, às vezes, interferir em assuntos internos de outro país”, destaca o jornal.
Crédito, Reuters
Como Brasil prepara resposta aos EUA
O Planalto ainda não estabeleceu detalhes de como responderia às tarifas americanas e que setores seriam afetados, mas a regulamentação do decreto dá ao governo brasileiro “munição” para eventualmente reagir a partir do 1° de agosto, data prevista para a entrada em vigor das tarifas anunciadas por Trump.
Em entrevista à TV Globo na semana passada, porém, Lula afirmou que priorizaria, como resposta inicial às tarifas americanas, recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) e a um comitê com empresários atuantes no Brasil, reunidos recentemente em busca de possíveis soluções.
No ano passado, o comércio entre Brasil e EUA foi de US$ 90 bilhões.
Washington reportou um superávit com o Brasil de US$ 7,4 bilhões em 2024, um aumento de 33% em relação ao ano anterior.
Moraes e as plataformas americanas
Embora na carta de 9 de julho Trump não tenha citado diretamente o ministro Alexandre de Moraes, do STF, o presidente americano afirmou que um julgamento contra Bolsonaro “não deveria estar acontecendo”.
Moraes é relator do processo contra Bolsonaro e de vários inquéritos mirando o ex-presidente e seus apoiadores.
A carta de Trump também justificou as tarifas mencionando decisões do STF que puniram plataformas de mídia social dos EUA com multas e com a saída do mercado de mídia social brasileiro.
Na sexta-feira passada (11), Moraes ordenou o bloqueio de mais uma conta no Rumble, desta vez do comentarista Rodrigo Constantino.
A Rumble e a Trump Media, empresa do presidente americano que controla a rede Truth Social, apresentaram uma petição à Justiça americana na segunda-feira questionando a exigência brasileira.
Com pressão de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro que se licenciou do cargo de parlamentar para morar nos EUA, o governo americano já deu sinais de que considera impor sanções contra Moraes.
As possíveis punições com base nessa lei incluem o bloqueio de bens e contas nos EUA, além da proibição de entrada em território americano.
*Com informações de Osmond Chia, da BBC News; e da BBC News Brasil em Brasília