Tornozeleira eletrônica: como funciona o aparelho que Bolsonaro usa
Crédito, REUTERS/Adriano Machado
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- Author, Rute Pina
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
A decisão foi tomada no âmbito da investigação sobre tentativa de golpe de Estado. Moraes afirmou ter indícios dos crimes de coação do processo, obstrução de investigação e atentado à soberania nacional, com articulações internacionais para deslegitimar instituições brasileiras.
Além do monitoramento eletrônico, Bolsonaro deverá cumprir recolhimento domiciliar noturno e está proibido de usar redes sociais.
A tornozeleira imposta ao ex-presidente é uma medida cautelar, ou seja, quando não há condenação. O objetivo, segundo Moraes, é evitar que Bolsonaro influencie as investigações em andamento ou fuja do país.
A medida foi respaldada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que citou declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sobre tentativas de pressionar o governo dos Estados Unidos contra ministros do STF, da PGR e da Polícia Federal.
Crédito, REUTERS/Adriano Machado
O uso de monitoramento eletrônico foi introduzido no Brasil em 2010 como uma medida judicial para impor restrições de movimentação ou horários a pessoas investigadas ou condenadas.
O acompanhamento é feito por dispositivos, geralmente tornozeleiras, que enviam sinais captados por satélites e permitem o rastreamento em tempo real da localização da pessoa monitorada.
Desde 2011, a lei brasileira passou a permitir o uso desses dispositivos também em casos de prisão preventiva e outras medidas cautelares, como é o caso de Bolsonaro.
O monitoramento eletrônico tem crescido de forma acelerada no país. Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, no segundo semestre de 2024, mais de 172 mil pessoas utilizavam tornozeleiras eletrônicas no Brasil — número que era de pouco mais de 153 mil no ano anterior e de cerca de 18 mil em 2015.
O que é e para que serve a tornozeleira eletrônica
A tornozeleira eletrônica é um dispositivo com GPS embutido que permite às autoridades monitorar, em tempo real, a localização de pessoas que cumprem pena em regime domiciliar, estão em saídas temporárias ou sob investigação judicial.
O aparelho emite alertas quando o monitorado sai da área permitida ou tenta burlar o sistema — por exemplo, ao tentar remover o dispositivo ou cobri-lo com material que bloqueie o sinal. O equipamento não pode ser retirado nem para tomar banho ou dormir.
Caso o monitorado viole as regras, o sistema envia um aviso à central responsável, a Central de Monitoração Eletrônica (CME), ligada ao órgão de gestão penitenciária de cada estado.
Em alguns Estados, esse alerta pode mobilizar a polícia; em outros, há uma checagem prévia com a própria pessoa monitorada.
O descumprimento dessas condições, no entanto, não configura crime e deve ser avaliado pelo Judiciário, já que o problema pode ser causado por falhas técnicas ou outros fatores alheios à pessoa monitorada.
Mas, caso o sinal da tornozeleira seja bloqueado ou o aparelho seja quebrado de propósito, a Justiça pode suspender o uso da monitoramento e determinar, por exemplo, a regressão de regime de cumprimento de pena da pessoa monitorada ou até sua prisão.
Em que situações a tornozeleira é usada
A tornozeleira pode ser imposta em diferentes fases do processo penal. O uso do dispositivo pode ser determinado pelo Judiciário tanto durante a investigação e a instrução criminal quanto após a condenação. As situações mais comuns incluem:
- Prisão domiciliar ou substituição da prisão provisória;
- Medidas protetivas em casos de violência doméstica;
- Saídas temporárias de presos que estão no regime semiaberto;
- Progressão de regime quando não há vagas em estabelecimentos adequados;
- Medidas cautelares contra investigados, como no caso de Jair Bolsonaro.
Cabe ao juiz avaliar se a tornozeleira é necessária e proporcional à situação. No caso do ex-presidente, Moraes justificou a medida com base em indícios de coação, obstrução de Justiça e risco à soberania nacional.
O sigilo dos dados das pessoas monitoradas deve ser garantido. Essas informações não podem ser compartilhadas com pessoas que não façam parte da investigação, da instrução criminal ou das centrais de monitoração.
O que acontece se a tornozeleira descarregar?
O equipamento funciona com bateria recarregável e precisa ser conectado à energia elétrica por várias horas ao dia. Se a bateria acabar, a tornozeleira emite alertas visuais e sonoros, e a central de monitoramento registra a interrupção do sinal — o que pode ser interpretado como tentativa de fuga ou sabotagem.
Pessoas em situação de rua, por exemplo, enfrentam dificuldades para cumprir a exigência de recarga diária, aponta relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além disso, falhas técnicas são recorrentes: perda de sinal de GPS, problemas de comunicação e até sobrecarga nas centrais de monitoramento.
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Nas redes sociais, o aparelho gera curiosidade. Alguns usuários do TikTok compartilham curiosidades e relatos sobre a rotina com o dispositivo.
“Quando está sem bateria, fica piscando uma luz verde e uma vermelha”, mostra uma usuária do TikTok ao explicar como carrega a tornozeleira. “Quando estiver carregada, ela pisca verde e verde. Vou deixar carregando à noite. E, para quem pergunta se o fio é comprido, é bem comprido”, diz em outro trecho do vídeo.
Mas uma pesquisa do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP/UFMG), realizada em 2020, revelou que o uso da tornozeleira afeta diretamente a vida social e emocional das pessoas monitoradas.
Segundo o estudo, 84% relataram desconforto com o uso do equipamento, e 81% afirmaram que o aparelho compromete suas relações sociais.
Na descrição dos desconfortos predominaram os problemas de interação social, particularmente preconceito, estigma, vergonha e dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e os incômodos físicos por portar a tornozeleira (tais como prurido, alergias, ferimentos na área de contato com a pele, queimação, dormência, calos e formigamento).
Foram também relatados sintomas sugestivos de sofrimento mental como insônia, tristeza e ansiedade.
O relatório pontua também que o estigma associado à tornozeleira dificulta o acesso a oportunidades de emprego, a serviços públicos e até mesmo à convivência com a comunidade. A visibilidade do aparelho costuma ser interpretada socialmente como sinal de condenação ou periculosidade, ainda que a pessoa esteja apenas sob medida cautelar.
A maioria dos Estados brasileiros também não oferecia suporte psicológico ou assistência social às pessoas monitoradas.