Tarifas de Trump são ideológicas e ‘grande oportunidade’ para Lula na eleição de 2026, diz analista
Crédito, Reuters
Nos últimos dias, Donald Trump havia dado uma série de declarações de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sinalizava o anúncio de uma taxa contra produtos exportados pelo Brasil.
Um dos analistas que se surpreendeu foi Christopher Garman, diretor-geral de Américas do Eurasia Group, uma consultoria e empresa de risco político.
“A intensidade da tarifa causou surpresa”, admite ele, em entrevista à BBC News Brasil.
“Embora o presidente Trump já estivesse ameaçando os membros do Brics com tarifas adicionais, o Brasil inicialmente estava na lista das nações que tiveram a taxa mínima, de 10%, e é um país que tem déficit na balança comercial com os Estados Unidos”, lembra o pesquisador, que é um dos principais especialistas sobre os impactos políticos das decisões macroeconômicas.
O Brics é o bloco inicialmente formado pelas economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que foi ampliado a partir de 2024, com a entrada de seis países — Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã — e que acaba de realizar uma cúpula no Rio de Janeiro.
Mas o que explica este anúncio de Trump?
Para Garman, a grande motivação do presidente americano é política e ideológica.
“A política brasileira é um espelho da política americana. Me parece que Trump se identifica com os desafios que Bolsonaro enfrenta no Brasil”, avalia ele.
“Ambos se veem como vítimas de um establishment progressista, que supostamente caminharia para um regime de censura por meio de ataques aos seus oponentes pelas vias judiciais.”
Seguindo esse raciocínio, Trump avaliaria que Bolsonaro passa por algo similiar ao que ele próprio viveu após perder as eleições de 2020, em que a Presidência dos EUA foi conquistada por Joe Biden.
“Trump parece querer dar um sinal claro contra países que ele acredita não respeitarem a ordem democrática”, avalia Garman.
Para o analista, as taxas de 50% sobre o Brasil não têm qualquer justificativa comercial ou econômica.
“Não se trata de um mecanismo para ajustar a relação bilateral, para barrar a entrada de produtos chineses ou para controlar a entrada de imigrantes nos EUA. É um instrumento político e ideológico.”
O que os EUA e o Brasil podem ganhar (e perder)
Do ponto de vista de Garman, o anúncio de Trump “enfraquece um governo que está no espectro ideológico oposto”.
“Essa também é uma maneira de tentar enfraquecer o próprio Brics, que o presidente dos EUA acredita ser um grupo que se opõe aos interesses americanos”, diz ele.
Do ponto de vista econômico, o diretor do Eurasia Group não vê ganhos claros para os Estados Unidos.
“Existem alguns setores no qual a economia americana depende mais de produtos brasileiros. Mas o Brasil representa uma porcentagem pequena do total das importações americanas”, pondera ele.
“É o caso da mineração, da produção de aeronaves e do agro, especialmente os produtores de suco de laranja, café, madeira e celulose”, lista ele.
Mas o especialista entende que parte dessas exportações brasileiras que tinham os EUA como destino podem ser vendidas para outros mercados.
“A tendência é que a taxação tenha um impacto modesto no crescimento do Brasil, mas, ainda assim, haverá um impacto”, projeta ele.
Crédito, Getty Images
Desdobramentos para Lula e Bolsonaro
“O Palácio do Planalto pode entrar num embate com Trump, e passar a mensagem de que a família Bolsonaro faz alianças com um governo estrangeiro, que tira empregos dos brasileiros”, antevê o especialista.
“O presidente Lula pode se beneficiar de uma onda nacionalista, criada a partir de uma espécie de bullying internacional feito pelos Estados Unidos.”
Diante desse cenário, Garman entende que o presidente Lula tende a “inflar a retórica” contra a taxação — o que dificulta um caminho de negociação e acomodação dos interesses.
“Pode até haver uma negociação específica entre algumas empresas e setores, com trocas e exceções às tarifas”, acredita ele.
Já para o ex-presidente Jair Bolsonaro, Garman avalia que será necessário observar se a taxação de Trump representa um fortalecimento do nome de Lula nas urnas.
“Se isso se concretizar, ele pode tentar de alguma maneira pedir uma redução das tarifas americanas diretamente a Trump, para fazer um papel de intermediação”, diz ele.
Para Garman, a situação brasileira se difere um pouco do que aconteceu com Canadá, México e outros países, nos quais houve uma acomodação de interesses após o anúncio de tarifas por Trump.
“O Brasil não tem uma economia tão integrada com os EUA, como Canadá e México. Além disso, não há um compartilhamento de raízes ou tradições, como acontece entre esses países”, observa ele.
“Embora o Brasil seja um país dividido e polarizado, acho razoável pressupor que Lula pode se beneficiar parcialmente dessa taxação”, acredita o analista.
Por fim, o diretor do Eurasia Group projeta que as tarifas de Trump podem enfraquecer os laços de Brasil e EUA, mas fortalecer a relação com outros atores internacionais.
“Pode haver um fortalecimento da relação do Brasil com China, União Europeia e Oriente Médio”, cita ele.
“O Brasil vai buscar outros mercados e a tendência é que os laços institucionais com os Estados Unidos fiquem enfraquecidos.”
“Mesmo que um acordo parcial seja feito, ainda assim esse relacionamento vai sair arranhado”, conclui ele.