Tarifaço dos EUA: como juiz americano ‘parou’ a guerra comercial global de Trump
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“Fica de olho nos tribunais”, foi a dica que um diplomata bem relacionado me deu em Washington DC no mês passado, em meio ao capítulo anterior do caos tarifário nos Estados Unidos.
A maioria das atenções estava voltada para o processo de grande repercussão na Califórnia, movido pelo governador democrata Gavin Newsom, alegando que as tarifas comerciais do presidente americano, Donald Trump, eram ilegais.
No caso, foi um processo distinto aberto no Tribunal de Comércio Internacional por uma dúzia de outros Estados e algumas pequenas empresas, que puxou o tapete da política de Trump na quarta-feira (28/05).
Isso levanta a questão sobre se as chamadas tarifas recíprocas mais amplas, previstas para julho, vão entrar em vigor; se a tarifa universal de 10% vai poder ser mantida; se as nações vão se dar ao trabalho de negociar; se o Congresso vai sair em socorro do presidente; e, é claro, qual vai ser a reação da Suprema Corte.
Grande parte disso pode ser atribuída à dinâmica altamente incomum que sustenta as ações tarifárias de Trump.
A própria visão do presidente proclamando tarifas abrangentes sobre uma variedade de países, que culminou em seu agora momento infame exibindo uma tabela de tarifas nos jardins da Casa Branca, é o problema jurídico fundamental aqui.
Normalmente, e de fato constitucionalmente, a política comercial é de competência do Congresso dos EUA. As presidências das comissões de Comércio da Câmara dos Representantes e do Senado (ramificações da Comissão de Meios e Recursos) costumam ser posições de bastante poder.
O presidente Trump burlou tudo isso ao proclamar uma série de emergências nacionais. Embora ele tenha alguma margem para agir em emergências reais, esses processos alegam que o uso abrangente destes poderes para anunciar mudanças tarifárias permanentes foi ilegal e inconstitucional.
Há uma avaliação fascinante da separação de poderes nos EUA, que inclui referências ao uso limitado dos mesmos poderes pelo ex-presidente Richard Nixon e aos Artigos Federalistas de Alexander Hamilton e James Madison.
Em essência, os poderes que ele declarou para “regular a importação” são limitados em escopo e não se estendem à imposição ilimitada de tarifas, em particular, para remediar déficits comerciais.
É claro que o governo Trump minou sua própria lógica ao também impor tarifas “recíprocas” a países com os quais tinha superávit comercial, como o Reino Unido.
Separadamente, o tribunal também concluiu que a base do presidente para as tarifas relacionadas ao fentanil contra o México, Canadá e China não “lidava com” seu objetivo declarado.
A alegação de Trump de que elas “criam poder de barganha” para fechar acordos não é uma justificativa aceitável para o uso destes poderes. Isso desmonta toda a noção da “arte da negociação”, manobras de xadrez 4D projetadas para extrair vantagens comerciais.
Isso agora vai ser analisado pela Suprema Corte. O caso parece bastante consistente, e também fortalece um processo semelhante na Califórnia.
Ao mesmo tempo, prejudica totalmente qualquer tentativa do secretário de Tesouro dos EUA, Scott Bessent, de negociar acordos com outros países.
Países como o Japão e a União Europeia já estavam se retraindo, depois de ver a Casa Branca recuar diante da turbulência relacionada às tarifas nas taxas de empréstimo do governo dos EUA.
Os varejistas americanos estavam alertando não apenas sobre a inflação relacionada às tarifas, mas também sobre possíveis prateleiras vazias. O recuo nas tarifas da China, suposta inimiga por conta do tráfico de fentanil, significa que os aliados do G7, as sete democracias mais ricas do mundo, esperam um tratamento melhor por parte dos EUA.
E agora seus próprios tribunais consideram as medidas ilegais. A Casa Branca está atualmente encurralada por seus próprios mercados de títulos, varejistas, grandes empresas, muitos Estados e agora seus tribunais em relação a essa política.
Embora tenha respondido com um recurso judicial imediato, alguns na administração mais ampla podem muito bem estar fazendo um brinde reservadamente aos juízes.
Será que a Casa Branca conseguiria o apoio do Congresso para aprovar essas tarifas? Deve haver uma grande dúvida a respeito disso. De qualquer forma, outros países podem agora voltar às táticas comerciais tradicionais, concebidas para exercer pressão sobre interesses pessoais dos principais senadores e deputados, com impactos em suas indústrias locais, sejam elas de motocicletas, jeans ou uísque bourbon.
Outra opção pode ser mudar para outra base legal, como os poderes da seção 232 que sustentam as tarifas automotivas e de aço. Essa abordagem alteraria a dinâmica da guerra comercial, deixando de lado as tarifas abrangentes específicas para cada país, e passando a aplicar tarifas específicas para cada setor.
De qualquer forma, o tribunal trouxe à tona evidências indiscutíveis do prejuízo econômico causado aos EUA por suas próprias tarifas.
Por exemplo, a Microkits, fabricante de produtos educativos da Virgínia, diz que “não vai poder pagar seus funcionários, vai perder dinheiro e, como resultado, pode fechar as portas”. A empresa de vinhos Vos, baseada em Nova York, afirma que está pagando as tarifas “na chegada ao porto de Nova York”, colocando pressão imediata em seu fluxo de caixa. A Terry Cycling já pagou US$ 25 mil, e projeta um total de US$ 250 mil para este ano.
O tribunal concluiu: “O governo não contesta de forma significativa a ‘lógica econômica’ que relaciona as tarifas retaliatórias à demonstração de danos subsequentes por parte dos autores da ação”.
Será que a Casa Branca quer uma briga conturbada no Congresso para aprovar essas tarifas, com vários exemplos do seu impacto na vida real?
Por enquanto, a expectativa é de que outros negociadores ao redor do mundo relaxem e aguardem, enquanto a Casa Branca tenta refutar a ilegalidade da própria base de seu conflito comercial global.