Tarifaço de Trump: os trabalhadores ameaçados na Ásia
Crédito, Getty Images
-
- Author, Kelly Ng
- Role, BBC News
- Author, Amandika Cooray
- Role, De Colombo (Sri Lanka) para a BBC News Sinhala
- Author, May Titthara
- Role, De Phnom Penh (Camboja) para a BBC News
Milhões de trabalhadores da indústria de vestuário na Ásia — que já enfrentavam dificuldades para garantir o seu sustento — temem, agora, pelos seus empregos, à medida que se aproxima o prazo para que seus países cheguem a um acordo comercial que evite as tarifas punitivas impostas pelos Estados Unidos.
No dia 9 de julho, após uma pausa de 90 dias para que os países pudessem negociar os seus acordos, o presidente americano, Donald Trump, notificou diversas nações de várias partes do mundo (incluindo o Brasil) sobre as novas tarifas de importação, que devem entrar em vigor no dia 1° de agosto.
Entre os países asiáticos que receberam cartas de Trump, encontram-se centros de produção de roupas, como o Camboja e o Sri Lanka.
Estes países dependem profundamente dos Estados Unidos para exportar os seus produtos. E as cartas informavam que as duas nações enfrentariam tarifas de 36% e 30%, respectivamente.
Empresas como a Nike, Levi’s e Lululemon são algumas das grandes marcas americanas que importam desses países grande parte dos seus produtos.
“Você pode imaginar o que irá acontecer se perdermos nossos empregos?”, questiona Nao Soklin, trabalhadora de uma fábrica de roupas no sudeste do Camboja.
“Estou muito preocupada, especialmente com meus filhos. Eles precisam comer.”
Soklin e seu marido Kok Taok ganham a vida costurando bolsas 10 horas por dia. Juntos, eles ganham cerca de US$ 570 (cerca de R$ 3.150) por mês — apenas o suficiente para cobrir o aluguel e sustentar seus dois filhos pequenos e os pais idosos.
“[Quero] mandar uma mensagem ao presidente Trump e dizer a ele que, por favor, suspenda a tarifa sobre o Camboja…”, pediu ela à BBC. “Precisamos dos nossos empregos para sustentar nossas famílias.”
O Camboja passou a ser uma alternativa popular aos exportadores chineses, devido à sua mão de obra barata e abundante.
O país exportou mais de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16,6 bilhões) em roupas para os Estados Unidos no ano passado, segundo a Divisão de Estatísticas da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês).
O setor emprega mais de 900 mil pessoas e representa mais de 10% do total de exportações do país.
Já no Sri Lanka, as exportações para os Estados Unidos ajudaram a indústria de vestuário local a ganhar US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 10,5 bilhões) em 2024. O setor emprega cerca de 350 mil pessoas e é a terceira maior fonte de moeda estrangeira da nação.
“Se [30%] for o número final, o Sri Lanka enfrentará problemas, pois nossos concorrentes, como o Vietnã, receberam tarifas mais baixas”, declarou à agência de notícias Reuters o secretário-geral do Fórum Conjunto da Associação de Vestuário do Sri Lanka, Yohan Lawrence.
Última tentativa de negociação
As autoridades do Sri Lanka têm esperança de negociar uma nova redução das tarifas, mas não revelaram qual nível seria considerado aceitável.
Alguns dos seus líderes observaram que o país recebeu a concessão mais alta até agora (14 pontos percentuais), como resultado das negociações iniciais.
“Consideramos esta redução o princípio de uma situação muito boa”, declarou na semana passada o ministro da Fazenda do país, Harshana Suriyapperuma.
Já o Camboja conseguiu uma concessão de 13 pontos percentuais e também procura manter novas negociações.
“Estamos fazendo todo o possível para proteger os interesses dos investidores e dos trabalhadores”, declarou o vice-primeiro-ministro Sun Chanthol, que chefia a equipe de negociação.
“Queremos que a tarifa seja zero”, afirma ele. “Mas respeitamos a decisão deles e continuaremos tentando negociar uma alíquota mais baixa.”
Crédito, Getty Images
Trump defende que as tarifas são necessárias para reduzir a diferença entre o valor total das mercadorias importadas pelos Estados Unidos e as vendidas para aqueles países.
“Nosso relacionamento, infelizmente, tem sido longe de ser recíproco”, disse o presidente americano em cartas enviadas para os governantes de várias nações e também postadas na sua plataforma Truth Social.
Mas os analistas discordam. As tarifas impostas por Trump ignoram os benefícios oferecidos aos Estados Unidos pelos acordos comerciais existentes.
Eles incluem a importação de roupas a preços mais baixos e maiores lucros para as empresas americanas que compram de países como o Sri Lanka ou o Camboja, destaca Mark Anner, reitor da Escola de Administração e Relações Trabalhistas da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos.
A União Europeia, o Canadá e os Estados Unidos mantiveram em vigor por décadas um sistema de quotas, que reservava uma certa parcela de mercado para países em desenvolvimento, como o Sri Lanka.
Até 2005, quando foi suprimido, este sistema ajudou o setor de vestuário do Sri Lanka a florescer, apesar da forte concorrência.
“Agora, a imposição, pelos Estados Unidos, de tarifas proibitivas que efetivamente colocam essas nações fora de mercado contraria o caminho de desenvolvimento antes estabelecido pelo próprio país”, explica Anner.
Crédito, Getty Images
Não é realista esperar que pequenas economias em desenvolvimento passem a manter déficit comercial em relação aos Estados Unidos, segundo o professor Sheng Lu, do Departamento de Estudos da Moda e Vestuário da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos.
“Quantos aviões Boeing o Camboja ou o Sri Lanka precisam e podem comprar por ano?”, pergunta ele.
Lu acredita que a rivalidade estratégica entre os Estados Unidos e a China seja outro fator nas negociações comerciais. Afinal, esses países exportadores de roupas estão integrados a cadeias de fornecimento altamente dependentes de matérias-primas chinesas.
Agora, é preciso “atingir um delicado equilíbrio” entre manter os laços econômicos com a China e atender às novas exigências americanas. Isso pode incluir a suspensão do uso de matérias-primas na produção, segundo o professor.
As mulheres pagam o preço
As tarifas de Washington aumentam a pressão sobre as conhecidas dificuldades do setor, como a pobreza e a falta de direitos trabalhistas no Camboja e a crise econômica atual no Sri Lanka.
As mulheres representam sete a cada 10 trabalhadores da indústria de vestuário da região. Elas provavelmente irão pagar o preço das tarifas americanas.
O aumento da pressão sobre seus salários cronicamente baixos significa que seus filhos poderão passar fome e a possível ocorrência de demissões em massa seria ainda mais devastadora.
Crédito, May Titthara
Surangi Sandya trabalha em uma fábrica na cidade de Nawalapitiya, no Sri Lanka. Ela sente que um machado paira sobre sua cabeça.
“As empresas não trabalham com prejuízo… Se os pedidos diminuírem, se houver perdas, pode haver a possibilidade de fechamento da companhia”, receia ela.
Sandya começou a trabalhar como costureira em 2011 e conseguiu ser promovida, até se tornar supervisora de uma equipe de 70 mulheres.
Se as pressões aumentarem, alguns trabalhadores cambojanos afirmam que irão pensar em se mudar para a Tailândia em busca de empregos, mesmo se precisarem ir ilegalmente.
“Nossa sobrevivência depende da fábrica de roupas. Não iremos sobreviver se nosso patrão fechar as portas”, conta à BBC An Sopheak, no seu minúsculo quarto de 16 m² na capital cambojana, Phnom Penh.
“Temos pouca formação”, prossegue ela. “Não conseguimos encontrar outros empregos.”
“Rezamos todos os dias para que o presidente Trump suspenda as tarifas. Por favor, pense em nós e no nosso pobre país.”