STF torna réu núcleo militar acusado de golpe: quem já foi julgado e o que acontece agora
Crédito, Antonio Augusto/STF
Com nove militares e um policial federal, o grupo é acusado de integrar o núcleo três do plano golpista denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), chamado também de “núcleo de ações táticas”.
A PGR havia denunciado 12 pessoas nesse núcleo, mas dois militares tiveram a denúncia rejeitada por falta de evidências suficientes de sua participação.
O grupo foi acusado de monitorar autoridades e pressionar o Exército a apoiar a tentativa de Bolsonaro se manter presidente mesmo após a derrota eleitoral para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre as atividades atribuídas a esse núcleo está o plano Punhal Verde e Amarelo, cujo objetivo seria matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, na época também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As defesas negaram as acusações e alegaram falta de provas para a abertura do processo.
Os advogados chegaram a reconhecer a participação de denunciados em reuniões narradas pela PGR, mas argumentaram se tratar de confraternizações informais, e não de encontros de planejamento golpista.
Com a decisão de abrir um processo contra dez dos denunciados, sobe para 31 o número de réus no STF sob acusação de planejar e executar uma tentativa de golpe de Estado.
O único que falta ter a denúncia julgada é Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, empresário e neto do ex-presidente do período ditatorial João Figueiredo.
Ele teria atuado com o núcleo de desinformação, acusado de propagar notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizar ataques virtuais a instituições e autoridades. No entanto, Figueiredo Filho mora no exterior e ainda não foi encontrado para ser notificado da denúncia.
A PGR dividiu os denunciados em cinco núcleos, e o STF já havia aceitado a abertura do processo contra três deles: o núcleo crucial, de onde teriam partido as principais decisões e ações; o núcleo 2, que faria o gerenciamento das ações ordenadas pelo núcleo crucial; e o núcleo 4, também chamado de núcleo de desinformação.
A estratégia da PGR de fatiar a denúncia gerou críticas da defesa dos acusados, mas o Supremo validou a opção, sob o argumento de que “cada núcleo tinha peculiaridades diversas”, conforme disse Moraes.
Os julgamentos estão sendo conduzidos pela Primeira Turma do STF, formada pelos ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Os 33 que se tornaram réus agora enfrentarão processos criminais (uma para cada núcleo), momento em que acusação e defesa buscam produzir provas para convencer os ministros a condenar ou absolver os acusados.
Entenda o que aconteceu até agora e o que vem pela frente.
O que diz a denúncia da PGR?
Em 18 de fevereiro, a PGR denunciou Bolsonaro por supostamente liderar uma tentativa de golpe de Estado após sua derrota na eleição de 2022 para Lula.
“A organização tinha por líderes o próprio presidente da República [Jair Bolsonaro] e o seu candidato a vice-presidente, o General Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”, escreveu o procurador-geral, Paulo Gonet.
Segundo a denúncia, a organização criminosa teria atuado em várias frentes desde 2021 para levar à ruptura institucional em caso de derrota nas urnas — desde discursos atacando o sistema eleitoral brasileiro até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista, a chamada “minuta do golpe”.
Gonet citou ainda os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno da eleição em 2022, em especial em regiões onde Lula era favorito.
É destacada ainda a atuação dos denunciados no suposto plano “Punhal Verde Amarelo”, que teria como objetivo matar o vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente Lula, além de matar ou restringir a liberdade do ministro Alexandre de Moraes.
A PGR diz que Bolsonaro não só sabia do plano como “acompanhou a evolução do esquema e a possível data de sua execução integral”.
Bolsonaro também é acusado pelo procurador-geral de “omissão” nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
O ex-presidente está inelegível até 2030 após ter sido punido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação ao atacar ao sistema eleitoral brasileiro.
A denúncia da PGR ocorreu quase quatro meses após Bolsonaro e mais 36 pessoas terem sido indiciadas criminalmente pela Polícia Federal (PF), em novembro.
Após virar réu em março, o ex-presidente se manifestou em nota contra as acusações.
Ele disse que é alvo “da maior perseguição político-judicial da história do Brasil, motivada por inconfessáveis desejos, por vaidades e por claros interesses políticos de impedir que eu participe e ganhe a eleição presidencial de 2026”.
“Me acusam de um crime que jamais cometi – uma suposta tentativa de golpe de Estado. Conversei com auxiliares alternativas políticas para a Nação, mas nunca desejei ou levantei a possibilidade da ruptura democrática. As mudanças nos comandos das Forças Armadas foram feitas sem problemas. Sempre agi nas quatros linhas da Constituição. Sempre!”, acrescentou.
Crédito, Waldemir Barreto/Agência Senado
Quais são os núcleos denunciados e quem virou réu?
Ao todo, 34 pessoas foram denunciadas pela PGR em fevereiro.
Núcleo 1: o ‘núcleo crucial’
Julgamento realizado em 25 e 26 de março (todos viraram réus)
Composto por Bolsonaro e sete aliados próximos, os integrantes do “núcleo crucial” teriam sido, segundo a PGR, os principais articuladores e decisores da tentativa de golpe de Estado.
- Jair Bolsonaro, ex-presidente;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin;
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha do Brasil;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;
- General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência;
- Mauro Cid, ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
Crédito, Antônio Cruz/Agência Brasil
Núcleo 2: ‘gerenciamento de ações’
Julgamento realizado em 22 de abril (todos viraram réus)
Com seis integrantes, esse seria o núcleo responsável por direcionar forças policiais e produzir minutas golpistas, entre outras ações.
- Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor especial de Assuntos Internacionais de Bolsonaro;
- Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro;
- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF);
- Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, general da reserva e homem de confiança de Bolsonaro;
- Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres;
- Fernando de Sousa Oliveira, delegado da PF e ex-secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF.
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Núcleo 3: ‘ações táticas’ (núcleo militar)
Julgamento em 20 e 21 de maio (dez dos doze denunciados viraram réus)
Com 12 pessoas denunciadas, o núcleo operacional monitoraria autoridades e faria pressão para o Exército apoiar um golpe. Esse grupo é composto por militares e um policial federal. Apenas dez viraram réus.
- Estevam Gaspar de Oliveira, general do Exército;
- Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército;
- Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel do Exército;
- Rodrigo Bezerra de Azevedo, tenente-coronel do Exército;
- Wladimir Matos Soares agente da Polícia Federal;
- Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
- Fabrício Moreira de Bastos, coronel do Exército;
- Marcio Nunes de Resende Júnior, coronel do Exército;
- Sérgio Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel do Exército
- Ronald Ferreira de Araújo Júnior, tenente-coronel do Exército
Dois militares denunciados tiveram a denúncia rejeitada por falta de evidências suficientes de sua participação:
- Nilton Diniz Rodriguez, general do Exército;
- Cleverson Ney Magalhães, coronel da reserva do Exército;
Crédito, Divulgação/Exército
Núcleo 4: ‘núcleo da desinformação’
Julgamento realizado em 6 de maio (todos viraram réus)
Com sete integrantes, o núcleo da desinformação seria responsável por propagar notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizar ataques virtuais a instituições e autoridades.
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, major reformado do Exército;
- Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
- Carlos César Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército;
- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército;
- Marcelo Araújo Bormevet, policial federal e ex-membro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Reginaldo Vieira de Abreu (coronel do Exército).
Crédito, Reprodução
Núcleo 5: desdobramento da desinformação
Julgamento ainda não marcado
Este núcleo tem apenas um acusado, que seria parte do grupo de desinformação, mas mora no exterior e ainda não foi encontrado para ser notificado.
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, empresário e neto do ex-presidente do período ditatorial João Figueiredo.
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O que aconteceu no julgamento do ‘núcleo crucial’?
A Primeira Turma do STF decidiu aceitar a denúncia contra ele e outros sete ex-integrantes do seu governo, sendo três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).
Eles fariam parte do que a PGR chamou de “núcleo crucial” de uma trama golpista contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Todos negam as acusações.
Os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia e o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, votaram de forma unânime pela aceitação da denúncia.
Crédito, Antonio Augusto/STF
Em seu voto, Moraes defendeu que a “peça acusatória da PGR apresentou em relação aos oito denunciados os indícios que possibilitam a instalação da ação penal”.
Moraes apresentou um vídeo com imagens dos atos golpistas de 8 de janeiro, acrescentando um tom emocional para o julgamento.
Segundo o ministro, as imagens demonstram que a invasão das sedes dos Três Poderes não foi uma manifestação pacífica, como alguns argumentam.
“Temos a tendência infelizmente de ir esquecendo. E as pessoas de boa-fé que têm esse viés de positividade acabam sendo enganadas pelas pessoas de má-fé que, com notícias fraudulentas e com milícias digitais, passam a querer uma própria narrativa de velhinhas com a Bíblia na mão, de pessoas que estavam passeando, de pessoas que estavam passeando e estavam com batom e foram só passar um batonzinho na estátua”, disse o ministro.
O ministro Flávio Dino também defendeu que a denúncia fosse aceita pela Primeira Turma do STF. Segundo ele, a denúncia da PGR apresentou elementos que comprovariam a ocorrência de uma tentativa de golpe, inclusive, com o uso da força.
“Quanto à materialidade [ocorrência], não há dúvida quanto à sua viabilidade [da denúncia]. Exatamente porque houve o ataque ao Supremo, ao Congresso e ao Palácio do Planalto”, disse.
Crédito, Reuters
Terceiro a votar, Fux começou lembrando a importância da democracia brasileira após o período de ditadura militar (1964-1985).
“Nós conquistamos a democracia entre lutas e barricadas”, lembrou o ministro.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia disse que não haveria dúvidas de que os atos de 8 de janeiro representaram uma tentativa de golpe de Estado e que seria necessário apurar as responsabilidades pelos atos que antecederam esse episódio.
Último a votar, Zanin afirmou que a denúncia está longe de ser amparada exclusivamente numa delação premiada.
“O que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, dispositivos, diversos materiais que dão amparo aquilo que foi apresentado pela acusação”, afirmou o ministro.
Após a proclamação do resultado, Bolsonaro afirmou em nota que é alvo “da maior perseguição político-judicial da história do Brasil, motivada por inconfessáveis desejos, por vaidades e por claros interesses políticos de impedir que eu participe e ganhe a eleição presidencial de 2026”.
Como serão os processos contra os núcleos?
Cada processo criminal contra os diferentes núcleos terão três fases, explicou à reportagem a criminalista Marina Coelho Araújo, professora do Insper e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.
A primeira é a instrução criminal, em que serão produzidas as provas do processo — que poderão confirmar a acusação ou comprovar a inocência dos réus.
Nessa fase, exemplifica, podem ser realizadas perícias, quebras de sigilo, inclusão de documentos, assim como o depoimento das testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa.
Depois da instrução criminal, na segunda fase, será realizado o interrogatório dos réus. Esse é o momento de defesa pessoal dos acusados, ressalta a professora, em que eles têm direito a permanecerem calados, se preferirem.
“Depois que as provas foram produzidas, o réu vai dizer qual é a versão dele para tudo isso”, resume.
E a terceira fase é a das alegações finais, em que a PGR e os advogados dos réus apresentam seus memoriais fundamentando seus pedidos por condenação ou absolvição.
A acusação se manifesta primeiro e, em seguida, a defesa tem a palavra final.
Concluídas as três fases, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, vai produzir seu voto e liberar o caso para que seja marcado o julgamento na Primeira Turma.
Como o caso já tramita na mais alta instância do Judiciário, há poucas possibilidades de recursos dentro do próprio STF.
Após eventuais recursos, caso Bolsonaro seja condenado e receba uma pena superior a 8 anos de prisão, ele será preso em regime fechado.