Reforma do IR: ‘Taxar ricos vai reduzir competitividade do Brasil’, diz Henrique Meirelles
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A ideia da administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é criar um imposto para os super-ricos, afetando cerca de 140 mil contribuintes brasileiros, para abrir espaço para isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Pela proposta do governo, a alíquota do imposto mínimo dos super-ricos cresceria de acordo com a renda.
Quem ganha em torno de R$ 50 mil pagaria uma alíquota próxima de zero. Essa alíquota subiria gradativamente até 10% — valor cobrado de quem tem rendimentos superiores a R$ 100 mil mensais (R$ 1,2 milhão ao ano).
A proposta de reforma foi aprovada com facilidade na comissão especial da Câmara dos Deputados em 16 de julho e a expectativa é de que seja apreciada no plenário da Casa nas próximas semanas.
Mas para o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a proposta de alíquota mínima para os super-ricos deve ser analisada com mais cuidado.
Em entrevista à BBC News Brasil, o executivo da área financeira afirmou que “aumentos generalizados” para pessoas de alta renda e empresas podem prejudicar a competitividade do país.
“Isso é uma coisa que tem que ser olhada com um pouco de cuidado. A isenção àqueles de menor renda, [está] tudo bem. O problema são esses aumentos generalizados para pessoas de renda mais alta ou para empresas”, diz.
“Isso aí pode, digamos, prejudicar um pouco da competitividade, com o país sendo visto pelos investidores e etc como de taxação ainda mais elevada.”
O ex-ministro diz que o Brasil é dos países que mais tributam no mundo, “principalmente entre os emergentes”. “A nossa carga tributária é muito elevada. Então, aumentar ainda mais, tem algumas desvantagens importantes nesse aspecto de competitividade”, afirma.
Meirelles argumenta ainda que países com alta carga tributária, como alguns no norte da Europa, taxam muito, mas “oferecem muitas vantagens para os seus habitantes”.
Por outro lado, afirma, eles “não são grandes competidores no comércio internacional”.
“Os maiores competidores no comércio internacional hoje, além dos Estados Unidos, são a China, o Vietnã, etc”, disse à BBC News Brasil.
Meirelles serviu como presidente do Banco Central de 2003 a 2011 (primeiro e segundo governos Lula) e como ministro da Fazenda do governo de Michel Temer entre 2016 e 2018.
Ele também concorreu à Presidência pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) nas eleições de 2018, quando declarou um patrimônio líquido de R$ 377,497 milhões em bens.
Questionado pela BBC News Brasil sobre a possibilidade da proposta de taxação dos mais ricos afetá-lo pessoalmente, o ex-ministro disse não ter examinado o caso sob “esse ponto de vista” e afirmou não estar preocupado.
“Não sei, acho que pode ser. Eu não cheguei a examinar sob esse ponto de vista no momento. Mas não é algo que está me preocupando”, diz.
Meirelles também negou que sua opinião sobre o projeto tenha qualquer relação com sua condição financeira.
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A pauta de reforma do IR é uma promessa antiga do governo Lula e também tem sido levada pelo presidente a foros internacionais. O Brasil defende no G20 e nos Brics esforços globais de taxação dos super-ricos.
O mesmo debate também existe em diversos países. Mas — como no Brasil — há dificuldades de se calcular exatamente quanto de impostos os ricos pagam, dado o sigilo em torno desses dados.
Um estudo brasileiro de 2024 sugere que os mais ricos no Brasil — com rendimento mensal superior a R$ 37 mil — pagam cerca de 14% de impostos. Segundo o estudo, esse valor é semelhante ao que uma pessoa com rendimento mensal de R$ 6 mil paga — o que mostraria que os muito ricos estão pagando a mesma alíquota que uma pessoa de classe média.
Mas pessoas ainda mais ricas que isso estariam pagando alíquotas totais menores, abaixo de 13%.
A implicação é que a tributação no Brasil seria regressiva, ou seja, que a estrutura de cobrança de impostos do país estaria agravando as desigualdades, deixando os ricos ainda mais ricos em relação aos demais.
Nos EUA, uma investigação afirma que alguns dos americanos mais ricos pagam uma alíquota próxima a 15% — mas alguns bilionários, como Jeff Bezos e Elon Musk, teriam pago zero impostos em alguns anos, se aproveitando de brechas legais.
Já no Reino Unido, um estudo de 2020 sugere que os britânicos ricos pagam alíquotas maiores do que nos EUA e Brasil. E os ricos respondem por grande parte da receita tributária do governo.