Qual o cheiro do espaço?
Crédito, NASA
- Author, Katherine Latham
- Role, BBC Future
Júpiter, diz Marina Barcenilla, é “meio como uma bomba de fedor”.
Maior planeta do Sistema Solar, Júpiter tem várias camadas de nuvens, ela explica, e cada camada tem uma composição química diferente. O gigante gasoso pode tentar seduzir você com o aroma doce de suas “nuvens venenosas de marzipã”, diz ela. Mas o cheiro “só piora à medida que você se aprofunda”.
“Você provavelmente desejaria estar morto antes de chegar ao ponto em que seria esmagado pela pressão”, ela afirma.
“Acreditamos que a camada superior da nuvem seja feita de gelo de amônia”, explica Barcenilla, comparando o fedor ao da urina de gato.
“Então, à medida que você desce, encontra sulfeto de amônia. É quando você tem amônia e enxofre juntos — uma combinação infernal.” Os compostos sulfurosos são notoriamente responsáveis pelo mau cheiro de ovo podre.
Se fosse possível explorar ainda mais profundamente, ela continua, você encontraria as listras e os redemoinhos característicos de Júpiter.
“Júpiter tem essas faixas espessas que são coloridas. Achamos que algumas dessas cores podem ser criadas por plumas de amônia e fósforo.”
Há também, possivelmente, algumas moléculas orgânicas chamadas tolinas, moléculas orgânicas complexas relacionadas à gasolina. Portanto, Júpiter, diz ela, também pode ter um toque de “oleosidade” de petróleo com uma pitada de alho.
Barcenilla é cientista espacial, designer de fragrâncias e estudante de doutorado em Astrobiologia na Universidade de Westminster, em Londres. Em seus primeiros anos estudando o cosmos, ela se perguntava constantemente: “Como seria esse cheiro?”. Até que ela se deu conta de que: “Eu tenho essa molécula no meu laboratório. Eu poderia realmente criá-la”.
Assim, além de seu trabalho acadêmico — em busca de sinais de vida em Marte —, Barcenilla tem estado ocupada criando aromas que recriam o odor do espaço sideral para a mais recente exposição do Museu de História Natural de Londres, chamada Space: Could life exist beyond Earth? (“Espaço: Poderia existir vida além da Terra?”, em tradução livre).
Do fedor de ovos podres ao doce aroma de amêndoas, o espaço é um lugar surpreendentemente repleto de cheiros, diz ela. Cometas, planetas, luas e nuvens de gás teriam, cada um, seu próprio odor se pudéssemos cheirá-los com o nariz. Mas o que esses aromas podem revelar sobre os mistérios do Universo?
Antes de sairmos para explorar as delícias olfativas do cosmos, talvez valha a pena refletir por um momento sobre o que são os odores.
Pode-se dizer que o olfato, embora muitas vezes subestimado, é o mais antigo dos sentidos. Tomemos como exemplo um minúsculo organismo unicelular, uma bactéria, que vagava pelos mares arqueozoicos há cerca de 3,5 bilhões de anos.
Ao sentir a presença de uma substância química, talvez um nutriente saboroso ou algum perigo a ser evitado, o flagelo da bactéria — seu apêndice em forma de cauda — agiria como uma hélice, permitindo que essa pequena criatura redirecionasse seus movimentos. Para nossos ancestrais, esse “olfato mais rudimentar” era a diferença entre a vida e a morte.
E nosso próprio olfato é simplesmente uma versão mais sofisticada desta capacidade de detectar substâncias químicas no ambiente ao nosso redor.
Nosso nariz contém densos aglomerados nervosos compostos por milhões de neurônios especializados, repletos de moléculas conhecidas como quimiorreceptores. Quando se ligam a uma substância química, enviam um sinal ao nosso cérebro que é então interpretado como um cheiro distinto.
Esse olfato nos permite detectar substâncias químicas ao nosso redor. No caso dos seres humanos, o olfato não apenas ajuda a identificar alimentos ou alerta sobre perigos ambientais, como também ativa memórias e desempenha um papel crucial na comunicação social. Após milhões de anos de evolução, a capacidade de sentir cheiros está intrinsecamente ligada ao nosso bem-estar emocional.
Durante os longos meses de isolamento em órbita, também pode ser um importante elo de ligação com o lar para os astronautas. Mas uma estação espacial também pode ser um lugar estranho em termos de odores.
“Alexei Leonov [a primeira pessoa a completar uma caminhada espacial] era o responsável por todos os astronautas estrangeiros”, diz Helen Sharman, a primeira astronauta do Reino Unido.
O ano era 1991, e Sharman se preparava para passar oito dias na Mir, a estação espacial soviética. Pouco antes do lançamento, Leonov “me entregou este pequeno ramo de absinto”.
Durante sua estada na Mir, Sharman esmagava de vez em quando as folhas de absinto para liberar seu aroma semelhante ao da sálvia — porque, segundo ela, “é bom sentir um cheirinho de alguma coisa”.
Na estação espacial Mir, explica Sharman, havia muito pouco cheiro. Na microgravidade, o ar quente não sobe, então “o cheiro da comida quente não sai do seu prato”. A única maneira de sentir o cheiro seria “enfiar o nariz na embalagem”, diz ela.
Mas havia um cheiro característico na estação espacial que muitos astronautas relataram após uma caminhada espacial. “Me fez lembrar de quando eu era criança e passava por uma oficina de automóveis”, afirma Sharman. “Eu podia sentir o cheiro de solda — aquele cheiro de metal no ar.”
Durante a missão, Sharman conduziu experimentos sobre materiais com potencial para serem usados na construção de naves espaciais. “Eu tinha um monte de películas finas, principalmente de cerâmica, que eu tinha que colocar em uma moldura e depois expor ao ambiente ao redor da estação espacial.”
Quando ela trouxe suas amostras de volta da câmara de descompressão, sentiu uma lufada do aroma metálico do espaço. “Esse era meu experimento favorito — porque cheirava.” Outros astronautas descreveram um cheiro semelhante ao de carne carbonizada, pólvora ou fiação elétrica queimada.
Mas a causa desse cheiro permanece um mistério. Uma possível explicação, diz Sharman, é que ele é causado pela oxidação. “A atmosfera, o ambiente ao redor da estação espacial, é praticamente um vácuo, mas não completamente naquela altitude”, acrescenta ela. “O que temos na atmosfera residual é oxigênio atômico.”
Crédito, ESA/Webb, NASA, CSA, M. Barlow (UCL), N. Cox (ACRI-ST), R. Wesson (Cardiff University)
O oxigênio atômico — ou átomos individuais de oxigênio — pode aderir ao traje espacial ou às ferramentas de um astronauta. Ao reentrar na estação espacial, os átomos individuais de oxigênio se combinam com o O2 presente na cabine, formando ozônio (O3). “Assim que ele reage, você sente aquele cheiro de ozônio”, diz Sharman. E nós, seres humanos aqui na Terra, também podemos sentir o aroma do ozônio. Você já sentiu o cheiro metálico da eletricidade estática logo após uma tempestade? Isso é ozônio.
Outra possibilidade é que Sharman estivesse inalando os átomos de uma estrela moribunda. Quando uma estrela morre, ela libera uma enorme quantidade de energia. Durante esse processo, a estrela produz Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPA) que flutuam pelo Universo e contribuem para a criação de novos cometas, planetas e estrelas.
Na Terra, os HPA estão presentes em combustíveis fósseis, como carvão, petróleo bruto e gasolina, e geralmente se formam durante a combustão incompleta de matéria orgânica. “Se você queimar sua comida”, diz Barcenilla, “esse é o tipo de molécula que você está criando. Quando as estrelas morrem, sua combustão gera o mesmo tipo de molécula. Então, elas flutuam no espaço para sempre.” Muitos destes compostos têm um odor semelhante ao de solvente ou de naftalina, enquanto outros lembram mais a queima de plástico ou betume.
Os dados chegam do espaço sob todas as formas. O primeiro dado científico vindo do espaço foi entregue em 1958, pela Explorer 1 da Nasa, a agência espacial americana, na forma de som. Em 2022, o Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês), da Nasa, capturou o primeiro odor de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera de um exoplaneta — um planeta fora do nosso Sistema Solar —, o gigante gasoso WASP-39 b.
Na verdade, o JWST não sentiu o cheiro do CO2 no sentido de inalá-lo, mas detectou sua presença rastreando como a atmosfera do planeta alterava a luz das estrelas quando ele passava em frente ao seu Sol. Ao analisar mudanças sutis na luz, o JWST consegue identificar as diversas substâncias químicas de mundos alienígenas.
E “o espaço é enorme”, diz Barcenilla. Ele está repleto de mundos com muitos cheiros variados. A análise química da atmosfera de Titã, a maior Lua de Saturno, sugere que ela cheira a amêndoas doces, gasolina e peixe podre. Enquanto isso, o fedor de ovo podre pode desencorajar você de visitar o planeta HD 189733 b, um gigante gasoso escaldante a cerca de 64 anos-luz da Terra.
Nuvens de poeira interestelar, girando pelos braços espirais da Via Láctea, combinam os cheiros de “sorvete com sabor estranho e amônia”, acreditam os pesquisadores
Enquanto isso, em Sagittarius B2, uma nuvem molecular gigante de gás e poeira perto do centro da nossa galáxia, você pode sentir o cheiro de “algumas das moléculas prebióticas necessárias à vida”, afirma Barcenilla. “Lá temos coisas como etanol, metanol, acetona, sulfeto de hidrogênio e etilenoglicol — que você pode usar como anticongelante”.
O aroma de framboesa da Via Láctea é comumente atribuído ao formiato de etila, mas, de acordo com Barcenilla, esta informação não é completamente precisa. “É apenas uma molécula entre muitas outras e, se você sentir o cheiro isolado, não tem cheiro de framboesa.”
Crédito, Nasa, ESA, CSA, Joseph Olmsted (STScI)
E farejar substâncias químicas cósmicas não só pode nos fornecer detalhes vitais sobre a composição do Universo, como também pode nos dar pistas sobre onde procurar vida, acrescenta Barcenilla.
“Se você pudesse, de alguma forma, andar de barco no [planeta] K2-18b — se houvesse um oceano lá, e pudesse tirar seu traje espacial —, então poderia sentir o cheiro de repolho podre”, diz Subhajit Sarkar, astrofísico da Universidade de Cardiff, no País de Gales.
Em 2023, Sarkar fez parte de uma equipe que, com a ajuda do JWST, captou o que poderia ser o aroma da vida no K2-18b, um exoplaneta a cerca de 120 anos-luz da Terra. O telescópio detectou “uma mera sugestão”, diz Sarkar, de sulfeto de dimetila (DMS), às vezes citado como um dos principais componentes que produzem o “cheiro de mar”.
“O K2-18b é interessante por vários motivos”, afirma Sarkar. “Ele faz parte de um grupo maior de exoplanetas chamados subnetunos.” Maiores que a Terra, mas menores que Netuno, os subnetunos são o tipo mais comum de planeta na galáxia e, apesar de sua prevalência, muito sobre eles permanece um mistério.
“Há importantes questões sobre os subnetunos”, diz Sarkar. “Por que eles não existem em nosso Sistema Solar? E do que eles são feitos?” Uma maneira de tentarmos entendê-los melhor, segundo Sarkar, é observar suas atmosferas. “O K2-18b era conhecido por ser um bom alvo para isso.”
O K2-18b é, em teoria, um mundo “hiceano”, um exoplaneta habitável coberto por oceanos. Em 2025, Sarkar e seus colegas reanalisaram a atmosfera do K2-18b e sentiram um cheiro ainda mais forte de substâncias químicas atmosféricas que, até onde sabemos, são produzidas apenas pela vida — especificamente fitoplâncton e outros organismos marinhos.
De acordo com os pesquisadores, a atmosfera do K2-18b pode conter DMS e/ou dissulfeto de dimetila (DMDS). “Até o momento, não temos conhecimento de processos não biológicos que possam produzir essas [substâncias químicas] em grandes quantidades. Certamente, na Terra é muito, muito claro que o DMS e o DMDS são produzidos pela biologia. São bioassinaturas muito específicas desse ponto de vista”, explica Sarkar.
E com concentrações 10.000 vezes maiores do que as encontradas na atmosfera da Terra, as descobertas sugerem que K2-18b poderia ter um oceano “repleto de vida”, diz Sarkar. No entanto, ele adverte que é possível que as substâncias químicas sejam provenientes de fontes abióticas, e que é necessário fazer mais pesquisas. Mas, segundo ele, se K2-18b for de fato um mundo oceânico habitável, “então ele se encaixa nesse cenário, porque você tem então vida marinha potencialmente produzindo essa molécula que, na Terra, está associada à vida marinha”.
Crédito, Nasa, CSA, ESA, J. Olmsted STScI, N. Madhusudhan Cambridge University
Portanto, pode não ser necessária uma viagem ao espaço para sentir seus aromas. Muitos dos odores do espaço são familiares para nós, e encontrados aqui na Terra. Além disso, algumas pessoas tentam recriar a fragrância do espaço, incluindo Barcenilla.
Quando inalo o aroma de Marte na exposição do Museu de História Natural, sinto o cheiro de ferrugem, poeira e uma pitada de umidade. O odor evoca uma memória: os fundos de uma garagem, com caixas de papelão velhas empilhadas, cheias de livros outrora amados, e pedaços de madeira de móveis de gerações passadas. Um cheiro caseiro e infantil.
Mas talvez o maior tesouro olfativo de todos não seja encontrado no espaço, mas aqui na Terra. Não há nada como o perfume do nosso próprio planeta, diz Sharman. Ela descreve seu retorno para casa em 1991, ainda vívido na sua mente. “Era fim de maio, então mesmo na Ásia Central, o solo não estava completamente seco no dia em que chegamos de volta à Terra”.
Quando pousou, a espaçonave quicou “bastante”, esmagando as plantas no solo. “Aterrissamos nesta vegetação de arbustos de absinto no Cazaquistão”, lembra Sharman. “A lufada do ar fresco quando abrimos a escotilha foi simplesmente fantástica. Era um cheiro maravilhoso, absolutamente delicioso.”