Protestos contra turistas em Barcelona: ‘Seu Airbnb era minha casa’
- Author, Sarah Rainsford
- Role, Correspondente no sul da Europa, BBC News
No domingo passado (15/6), ativistas marcharam pelo centro de Barcelona, na Espanha, gritando para os turistas que os filmavam: “Voltem para casa!”
Casais perplexos, sentados nos cafés pelas ruas da cidade, receberam esguichos de pistolas de água. Em uma loja de roupas de luxo, adesivos declaravam aos turistas que se encontravam no seu interior que eles eram bem-vindos.
O turismo é um setor de imensa importância para a economia espanhola. E Barcelona é um destino importante para os visitantes.
Por isso, aqui e em outros pontos populares do sul da Europa, os moradores começam a reagir.
Os manifestantes
“Não conseguimos viver nesta cidade”, explica Marina. Ela protesta junto à multidão com um cartaz que diz: “O seu AirBnB era a minha casa.”
“Os aluguéis estão super altos devido aos BnBs e aos estrangeiros que vêm morar aqui para usufruir do clima.”
Outros cartazes pedem que passe a ser proibida a atracação de navios gigantes de cruzeiro em Barcelona. Um deles alerta que o turismo excessivo está “matando” a cidade.
“Nosso objetivo não é impedir o turismo, porque também traz benefícios, mas mantê-lo em níveis normais”, explica Marina.
A passeata dos ativistas percorreu a cidade em direção em uma das maiores atrações turísticas de Barcelona: a enorme igreja da Sagrada Família, projetada pelo arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926).
A arquitetura exuberante, o mar e o sol de Barcelona atraíram mais de 15 milhões de visitantes no ano passado. Este número corresponde a quase 10 vezes a sua população, o que explica a tensão que aflige a cidade.
“Não somos contra os turistas individuais”, explica a jovem bióloga marinha Elena. “O problema é como nós administramos a questão.”
“Os jovens não conseguem morar aqui e até atividades normais, como tomar café, são muito caras, em comparação com os nossos salários.”
Os moradores
Não são apenas os jovens que enfrentam dificuldades.
Pepi Viu tem 80 anos de idade. Ela foi despejada da casa onde morava há quase uma década, em um bairro popular.
Ela acredita que o proprietário quis ganhar mais dinheiro com o aluguel do que a aposentada poderia pagar.
Agora, ela mora em um hostel, enquanto procura um lugar mais adequado. Mas os preços dispararam em mais de 70%, desde a última vez em que ela alugou uma casa.
“Não consigo encontrar nada – e não há assistência”, conta ela, frágil e apoiada em uma bengala.
“Sinto que não há proteção e isso é perturbador. Agora, só há flats para os turistas, mas nós, moradores, precisamos de um lugar para morar!”
Em algumas áreas da cidade, quase todos os moradores já foram despejados, como ocorreu com Pepi Viu.
Mas, em uma estreita rua pavimentada do bairro gótico, bem no centro turístico de Barcelona, Joan Alvarez luta para se manter no apartamento alugado pela sua família há 25 anos, a um preço que ele possa pagar.
O dono do imóvel cancelou o contrato, mas Alvarez se recusa a sair.
A maior parte dos apartamentos do seu prédio já foi dividida em quartos para solteiros, para gerar mais renda. O pequeno oásis de Alvarez, com piso de azulejos e um terraço com vista para a catedral, é um dos poucos ainda intactos.
“Não é só questão de dinheiro, é de princípios”, explica ele, enquanto seus gatos serpenteiam entre os vasos de plantas.
“Este é o centro de Barcelona e quase nenhum dos moradores permanece aqui. Isso não deveria acontecer.”
“A moradia não deveria ser um grande negócio”, lamenta ele. “Sim, este imóvel é dele, mas é a minha casa.”
Os donos de imóveis
A pressão dos protestos fez com que as autoridades de Barcelona tomassem uma medida radical. Elas anunciaram a proibição total dos aluguéis de curto prazo para turistas a partir de 2028.
Com isso, 10 mil donos de imóveis perderão suas licenças para receber visitantes.
Jesus Pereda é dono de dois apartamentos populares entre os turistas, não muito longe da Sagrada Família. Para ele, esta reação é inadequada.
“Eles pararam de conceder novas licenças 10 anos atrás, mas os aluguéis, ainda assim, aumentaram”, defende ele. “Como, então, a culpa é nossa? Somos apenas um inimigo fácil de combater.”
Seu trabalho é a administração dos apartamentos, que fornece renda para ele e sua esposa. “Isso, agora, nos deixou ansiosos.”
Pereda acredita que os profissionais “nômades” que se mudam por toda parte na Europa estão forçando a alta dos aluguéis e não os turistas.
“Eles ganham e pagam mais. Não há como impedir isso”, opina ele.
Pereda defende que os apartamentos para turistas, como os dele, ajudam a espalhar as multidões – e o dinheiro – para outras regiões da cidade. E ele acredita que, sem o turismo, Barcelona sofreria uma “crise existencial”.
Ao todo, a capital da Catalunha representa até 15% do PIB da Espanha.
Se perder sua licença turística, Pereda não irá alugar seus apartamentos para moradores locais. O limite de preços faz com que o aluguel de longo prazo seja pouco lucrativo e, por isso, ele pretende vender os dois imóveis.
Crédito, Reuters
Cânticos, bombinhas e sinalizador
Os protestos em Barcelona culminaram com o cântico de “Vocês são todos guiris!”, uma gíria local para “estrangeiros”, e uma salva de bombinhas.
A fumaça vermelha se ergueu em frente às linhas de policiais que bloqueavam todos os caminhos que levam à Sagrada Família.
Um pouco mais cedo, a multidão se dirigiu a um hotel movimentado e lançou um sinalizador para dentro do lobby. Os turistas no interior do hotel, incluindo crianças, ficaram claramente assustados.
Houve protestos similares em outros pontos da Espanha e multidões se aglomeraram também em Portugal e na Itália. As manifestações não foram muito grandes, mas eram fortes e insistentes. Elas foram causadas pelas mesmas preocupações.
No momento, não há consenso sobre qual a melhor forma de lidar com esta situação. E a Espanha espera receber um número recorde de turistas no verão que se aproxima no hemisfério norte.
Com colaboração de Esperanza Escribano e Bruno Boelpaep.