Premiê do Canadá Mark Carney exige respeito de Trump: ‘em nossos termos’
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- Author, Faisal Islam e Michael Race
- Role, BBC News
O primeiro-ministro canadense, Mark Carney, declarou que seu país merece respeito dos Estados Unidos e só iniciará discussões sobre comércio e segurança com o presidente americano Donald Trump “nos nossos termos”.
Carney conversou com exclusividade com a BBC enquanto fechavam as urnas, nas eleições canadenses de segunda-feira (28/4). Ele afirmou que só visitará Washington quando for mantida “uma discussão séria”, que respeite a soberania do Canadá.
Trump e Carney já conversaram depois da entrevista. Eles concordaram em se reunir no futuro próximo, segundo o escritório do primeiro-ministro canadense.
“Os líderes concordaram com a importância de um trabalho conjunto entre o Canadá e os Estados Unidos, como nações soberanas e independentes, para seu progresso mútuo”, diz a declaração. Trump também teria felicitado Carney pela sua vitória eleitoral.
Desde a reeleição de Donald Trump para a Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos vem declarando repetidamente que deseja fazer do Canadá o “51º Estado” americano. E, na terça-feira (29/4), a Casa Branca reiterou esta intenção.
“A eleição não afeta o plano do presidente Trump de fazer do Canadá o acalentado 51º Estado”, afirmou a vice-porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly.
Carney trouxe uma votação histórica para o seu Partido Liberal nas eleições antecipadas de segunda-feira no Canadá. Para ele, este cenário “nunca, nunca irá acontecer”.
“Sinceramente, não acho que isso irá acontecer algum dia em relação a qualquer outro [país]… seja no Panamá, na Groenlândia ou em qualquer outro lugar”, destacou ele.
Mas o primeiro-ministro afirmou que uma “possibilidade com ganhos certos” para o seu país seria firmar um acordo com os Estados Unidos e ampliar as relações comerciais com o Reino Unido e a União Europeia.
Os Estados Unidos são um grande mercado para as empresas canadenses. Cerca de 75% das exportações do Canadá atravessam a fronteira sul do país.
Por outro lado, o Canadá representa um percentual muito menor das exportações americanas: 17%.
O país também é o maior fornecedor estrangeiro de petróleo bruto para os Estados Unidos. O déficit comercial americano frente ao Canadá – estimado em US$ 45 bilhões (cerca de R$ 253 bilhões) – refere-se principalmente às importações de energia canadense pelos americanos.
O presidente americano também se referiu ao primeiro-ministro anterior, Justin Trudeau, como “governador”, que é o cargo ocupado pelos chefes de governo dos Estados americanos.
Paralelamente, Trump também deu início a uma guerra comercial global — e o Canadá foi um dos primeiros países atingidos pelas suas tarifas de importação.
O presidente americano impôs uma tarifa de 25% sobre vários produtos canadenses, mais 25% de impostos sobre a importação de aço e alumínio de todas as origens. Mas ele isentou produtos incluídos no acordo comercial existente entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, conhecido pelas iniciais dos três países em inglês: USMCA.
O Canadá retaliou com a imposição de tarifas de importação sobre produtos americanos, que representam um total de cerca de 60 bilhões de dólares canadenses (US$ 42 bilhões, ou cerca de R$ 236 bilhões).
Carney declarou que as negociações com Trump se dariam “em nossos termos, não nos termos deles”.
Para o primeiro-ministro, “existe uma parceria a ser mantida, uma parceria econômica e de segurança. Será algo muito diferente do que tínhamos no passado.”
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Carney destaca sua experiência adquirida enfrentando crises econômicas globais como forma de lidar com Trump sobre as tarifas.
Antes de se tornar primeiro-ministro, no início de março, ele nunca havia ocupado cargos políticos.
Carney é banqueiro por profissão. Ele chefiou o Banco do Canadá durante a crise financeira global de 2008 e foi o primeiro presidente não britânico do Banco da Inglaterra, entre 2013 e 2020.
O primeiro-ministro afirma que o Canadá era “o maior cliente de mais de 40 Estados” americanos.
“Lembre-se de que fornecemos [aos Estados Unidos] energia vital”, declarou ele à BBC. “Lembre-se de que fornecemos aos seus agricultores praticamente todo o seu fertilizante.”
“Merecemos respeito. Esperamos respeito e tenho certeza de que iremos conseguir novamente no devido tempo. E, então, poderemos ter essas discussões.”
O Canadá e os Estados Unidos, ao lado do México, possuem economias profundamente integradas. Bilhões de dólares em produtos manufaturados cruzam as fronteiras diariamente. Um exemplo são as peças de automóveis.
A imposição de tarifas de importação (impostos cobrados dos importadores sobre as mercadorias quando elas entram em um país) ameaça décadas de colaboração entre os três países.
Trump defende que as tarifas irão incentivar os americanos a comprar produtos de fabricação doméstica, o que consequentemente incentivaria as indústrias dos Estados Unidos e a criação de novos empregos.
O principal oponente dos Estados Unidos no conflito comercial global é a China. Mas a imposição das chamadas “tarifas recíprocas” generalizadas de Trump sobre o Reino Unido e outros países europeus levou seus aliados a buscar novos acordos, em resposta às novas barreiras comerciais com a maior economia do mundo.
Carney apoiou a ministra da Economia britânica Rachel Reeves durante a última eleição geral do Reino Unido.
O primeiro-ministro afirma “imaginar” que os dois países poderiam assinar um acordo de livre comércio que foi interrompido, para promover a diversificação do comércio. Mas ele destaca que cerca de 95% das mercadorias negociadas entre o Canadá e o Reino Unido já estão livres de tarifas de importação.
“Poderíamos ampliar o nível de integração entre os nossos países, que mantêm ideias similares”, destacou ele. “Podemos pensar em parcerias no setor de defesa e essas conversas apenas começaram, de forma que há muito que podemos fazer.”
Em uma declaração felicitando Carney pela vitória eleitoral, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, declarou: “Sei que continuaremos a trabalhar estreitamente em assuntos de defesa, segurança, comércio e investimentos.”
Para Carney, a cúpula do G7 a ser realizada no Canadá em junho será “muito importante” para decidir os caminhos futuros da guerra comercial global.
Ele ressalta que a cúpula “colocaria em teste” se o grupo das sete economias mais avançadas do mundo (que inclui os Estados Unidos) continua a ser o conjunto dos “países com pensamentos mais similares dentre as nações com pensamentos similares”.
A cúpula irá ocorrer pouco antes do final do prazo de 90 dias de suspensão de algumas das tarifas de importação mais altas impostas por Donald Trump.