Por que Nobel de Economia Simon Johnson defende que uso de TikTok e Instagram seja pago
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- Author, Veronica Smink
- Role, BBC News Mundo
Um ano antes, em 2023, Johnson e Acemoglu escreveram Poder e progresso: Uma luta de mil anos entre a tecnologia e a prosperidade, um livro no qual analisaram como os avanços tecnológicos dos últimos mil anos historicamente beneficiaram as elites.
Na obra, eles explicam como os avanços tecnológicos podem se tornar ferramentas de fortalecimento, alertam sobre as consequências de se depender da inteligência artificial (IA) e enfatizam a necessidade de reformular a inovação para promover a prosperidade compartilhada.
BBC News Mundo: Já tivemos empresas na história da humanidade tão poderosas quanto as grandes empresas de tecnologia de hoje?
Simon Johnson: Nos EUA, tivemos corporações muito poderosas em alguns momentos do passado, inclusive no final do século 19, durante o período dos chamados Barões Ladrões (“robber barons”, em inglês, termo que designava magnatas que fizeram sua fortuna com métodos imorais).
Mas acredito que o poder das Big Techs hoje, combinando poder industrial e poder da informação, é pelo menos tão forte quanto era [dos magnatas] em 1900, e possivelmente ainda mais forte.
As grandes empresas de tecnologia têm um alcance enorme. Elas afetam diretamente muitas atividades comerciais e também impactam a maneira como recebemos e processamos informações, o que é fundamental para a democracia.
BBC: O que torna essas grandes empresas de tecnologia tão poderosas?
Johnson: Acho que é o fato de que essas tecnologias estão tão arraigadas em nossas vidas que não conseguimos viver sem elas, como mecanismos de busca ou mídias sociais.
Veja, por exemplo, muitas pessoas não gostam de Elon Musk atualmente e preferem evitar seus produtos. E eles podem não comprar Tesla, mas muitos usam o X, anteriormente conhecido como Twitter, porque sentem que não há alternativa.
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Então essas empresas estabelecem monopólios de fato e as pessoas sentem que não conseguem viver sem esse monopólio.
Agora, praticamente as mesmas empresas estarão na vanguarda da implantação da inteligência artificial, o que lhes dará uma nova dimensão de poder.
BBC: O desenvolvimento da IA é algo bom ou ruim para a humanidade?
Johnson: Ainda não sabemos. Se seguirmos uma determinada direção, isso poderá ser muito benéfico para a humanidade. Mas se formos em outras direções, isso pode ser extremamente problemático.
O livro [Poder e Progresso] tem como objetivo encorajar as pessoas a entender e refletir sobre essas decisões.
BBC: Que medidas podem ou devem ser tomadas para garantir que a IA seja benéfica, e não prejudicial, para a humanidade?
Johnson: Bem, propusemos muitas ideias em 2023, quando publicamos o livro, e algumas delas foram amplamente discutidas em 2024. Mas, honestamente, o atual governo Trump não as está adotando porque, em geral, prefere que as empresas façam o que querem.
Muitas coisas poderiam ser feitas para promover o desenvolvimento de tecnologias mais amigáveis aos trabalhadores, que melhorem suas capacidades em vez de substituí-los.
É a direção da invenção que pode ser alterada por subsídios governamentais, programas, competições e definição de padrões; há muitas coisas que poderiam ser feitas. Mas não creio que serão implementadas. Pelo menos não este ano.
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BBC: Essas mudanças poderiam ser feitas por meio de leis?
Johnson: Restrições legais, como as da Europa, para fechar e proibir coisas, são muito difíceis de aplicar nos EUA hoje em dia.
Por outro lado, na Europa impuseram restrições, mas também dificultaram o desenvolvimento da tecnologia.
E acreditamos que temos que participar do seu desenvolvimento, porque se você deixar que outros o desenvolvam, isso será feito de forma prejudicial, e então seus consumidores podem decidir usar a tecnologia mesmo assim, e haverá consequências negativas.
Então, para participar da negociação, é preciso ser inventivo, e os europeus ficaram para trás em termos de invenção.
BBC: Como você disse antes, uma das grandes preocupações sobre IA é a perda de empregos. Outros dizem que novas tecnologias sempre criam empregos novos e de melhor qualidade. Você estudou tecnologia por muitos anos. O que você acha disso?
Johnson: Bem, há uma piada famosa que diz que as pessoas esperavam que a próxima geração de máquinas lavasse a roupa suja para que pudessem passar mais tempo sendo criativas, escrevendo e pintando. E acontece que a IA quer escrever e pintar, mas você ainda tem que lavar sua roupa.
Acho que é uma resposta bem simples e direta. Cada máquina física e algoritmo desloca pessoas quando é introduzido. Elas são formas de automação.
A questão para o mercado de trabalho é: novas tarefas também estão sendo criadas, novas coisas para os humanos fazerem, coisas que eles não faziam antes?
Essa é a mesma pergunta que sempre nos fizemos sobre novas tecnologias e, no caso da IA, ainda não se sabe.
Mas tudo indica que haverá muita automação. Então é melhor você criar muitas tarefas novas para equilibrar isso. Caso contrário, teremos um problema.
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BBC: Há também o contra-argumento de que a IA nos permitirá ficar mais ricos como sociedade e que poderíamos introduzir uma renda básica universal para que todos tenham suas necessidades básicas atendidas.
Johnson: Olha, eu não sou contra ser tão rico a ponto de podermos escalar, esquiar ou andar de barco o dia todo. Eu ficaria bem com isso. Mas, honestamente, não estamos lidando com uma tecnologia que aumente tanto a produtividade, o que significa que o bolo não vai crescer tanto.
Não será suficiente para todos viverem com um alto padrão de vida com a chamada renda básica universal. Isso é apenas um sonho. Ou talvez seja mais do que um sonho. Talvez seja uma ilusão criada para mantê-lo disposto a participar de grandes mudanças econômicas. Vamos ver.
BBC: Em relação às plataformas de mídia social, alguns argumentam que elas estão ajudando a democratizar informações que antes estavam talvez exclusivamente nas mãos das elites políticas. O que você acha?
Johnson: Bem, essa era a promessa original da internet. E, claro, a mídia social foi vista como tendo desempenhado um papel positivo na Primavera Árabe do início da década de 2010, por exemplo.
Mas acho que mais recentemente percebemos que há muita manipulação. Há muita busca por atenção por receitas de publicidade digital, e isso é prejudicial à capacidade das pessoas de pensar e processar por si mesmas.
Ela prejudica as crianças e, em geral, cria formas de dependência que são bastante prejudiciais à sociedade e à democracia.
BBC: Em seu livro há a proposta de que grandes empresas de tecnologia sejam divididas. Como isso funcionaria?
Johnson: Bom, era algo que estava sendo discutido e ainda pode acontecer.
As empresas podem ser divididas em diferentes serviços. O WhatsApp poderia ser separado do Facebook, por exemplo. Isso não seria tão difícil e não prejudicaria a funcionalidade do produto.
É preciso perguntar se isso é suficiente. Acreditamos também que eles deveriam abandonar o modelo de publicidade digital, pois essa é uma das principais causas do problema.
Então talvez seja isso que devêssemos fazer além de dividir as empresas.
BBC: Quando você fala em dividi-los, isso significaria entregar essas empresas a donos diferentes. Isso já foi feito no passado?
Johnson: Sim, a Standard Oil foi forçada a se dividir em 34 empresas diferentes, a maioria das quais foram muito bem-sucedidas, e o valor das ações subiu quando elas foram divididas.
Portanto, não foi uma medida contra acionistas ou contra a iniciativa privada. O objetivo era impedir que a Standard Oil explorasse os clientes por meio de sua posição dominante e distorcesse o mercado.
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BBC: Imagino que houve muita resistência à separação na época.
Johnson: Claro. Quer dizer, os donos dessas empresas nunca aceitarão as propostas. Mas foi uma coisa boa para o resto da economia.
BBC: Você disse que um dos principais problemas é a publicidade digital. Acho que foi o especialista em ética tecnológica Tristan Harris quem disse que se você não paga por um produto, você é o produto. Você pode explicar como o modelo atual funciona e por que você o considera tão perigoso?
Johnson: A maneira como a publicidade digital funciona é mantendo sua atenção. É como os anúncios de TV: eles querem mostrar coisas que vão te envolver emocionalmente, para que você não mude de canal ou saia da frente da TV para ir ao banheiro, por exemplo.
Mas os celulares e softwares alcançaram um nível maior de atividade e uma segmentação mais precisa das pessoas. Eles usam seu feedback e monitoram o que você faz. Eles sabem quando você desvia o olhar, quando você muda de lugar. Eles se tornaram muito bons em manipular suas emoções.
E como faço para manter sua atenção? Deixando você com raiva. Elas envolvem você na narrativa. Eles querem que você sinta medo, horror, coisas assim. E isso se torna uma manipulação emocional bastante extrema.
Agora, espero que você e eu possamos lidar com isso. Você desliga o telefone, vai embora e vai dar uma volta. Mas muitos adolescentes passam por momentos difíceis.
E dentro da democracia, acho que isso alimenta a polarização. Você pode deixar as pessoas irritadas. Você quer deixar as pessoas irritadas para mantê-las engajadas, porque você ganha mais dinheiro com publicidade digital quando elas estão irritadas.
BBC: E o que você propõe em vez disso? Assinaturas?
Johnson: Sim, uma assinatura seria melhor.
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BBC: Mas se eu dissesse aos nossos leitores que eles começariam a pagar uma assinatura por tudo o que usassem (TikTok, WhatsApp, etc.), muitos ficariam chateados. Alguns até argumentariam que isso deixaria as pessoas sem acesso a essa tecnologia que atualmente está disponível para todos.
Johnson: Bem, sim, talvez. Acho que esses são pontos válidos e fazem parte da resistência da indústria. Hoje em dia, muitas pessoas pagam por serviços de streaming, por exemplo. Netflix, Disney, etc.
E por outro lado, como você disse antes, se você não paga, então você mesmo é o produto. Então, embora muitas coisas boas na vida sejam gratuitas, isso não inclui conteúdo da internet.
Coisas gratuitas vêm de anúncios digitais, e esses anúncios são viciantes, manipuladores e problemáticos de uma perspectiva democrática.
BBC: Elas são mais problemáticas para a democracia do que o conteúdo falso ou errôneo que é publicado?
Johnson: Minha opinião é que a publicidade digital incentiva esse outro conteúdo. O objetivo é mantê-lo conectado, fazê-lo olhar para o seu telefone e distraí-lo do mundo real.
Com uma assinatura seria melhor e você pode ter diferentes níveis de assinatura. Você pode ter preços mais baixos em diferentes países. Você pode ter preços mais baixos para estudantes ou idosos.
BBC: É interessante que, por um lado, a tecnologia pode conectar todos nós. Mas, por outro lado, vimos eleições influenciadas por informações falsas nas redes sociais. Tecnologia e democracia parecem estar intimamente ligadas nos últimos anos, não é?
Johnson: A democracia está em apuros, não há dúvidas sobre isso. Por vários motivos, não apenas pelas mídias sociais.
Mas as mídias sociais estão contribuindo para a polarização da sociedade. Eles também são uma ferramenta de manipulação nas mãos de pessoas antidemocráticas.
Sabemos que os russos têm muitos trolls [pessoas anônimas que postam comentários agressivos ou controversos]. Sabemos que muitas pessoas na China, não necessariamente o governo chinês, administram empresas dedicadas à manipulação digital, enganando pessoas e roubando seu dinheiro.
E sabemos que a Coreia do Norte obtém uma parcela significativa da receita governamental com crimes cibernéticos, como ransomware, que obriga você a pagar para desbloquear seus dados em bitcoin ou alguma outra criptomoeda.
Essas coisas estão aí para todos verem, e acho que precisamos nos envolver com elas, discuti-las abertamente e encontrar soluções melhores.