Papa Francisco: ‘Ele me ajudou a denunciar abuso sexual que sofri em escola católica’
Crédito, Arquivo Pessoal
- Author, Andrea Díaz Cardona
- Role, BBC News Mundo
Era uma manhã de Sol em Roma, na Itália.
Podemos observar o papa Francisco sentado no centro de uma oficina de arte com piso de madeira e enormes janelas.
À sua volta, em meia-lua, estão 10 jovens que viajaram de diferentes países para conversar com o pontífice sobre questões como o aborto, racismo, diversidade sexual, xenofobia, pedofilia e muito mais.
Todos eles falam espanhol, a língua materna do papa.
“Pelota al centro, empieza el partido”, diz o papa, sorrindo, com seu sotaque argentino. Bola no centro do campo, começa o jogo.
Assim se inicia um intenso diálogo, que foi retratado pelo documentário Amém: Perguntando ao Papa (2023).
O jovem tinha 25 anos de idade, na época do documentário. Ele sofreu abusos sexuais de um numerário — um membro da Igreja que opta pelo celibato e se dedica à sua formação — quando era criança e estudava em um colégio católico de Bilbao, na Espanha.
Seus pais levaram o caso à Justiça espanhola, que condenou o agressor. E também conseguiram enviar uma carta ao papa Francisco, pedindo ajuda para que a Igreja Católica também investigasse o caso.
O papa concordou e respondeu de próprio punho. Mas vários anos se passaram e o processo canônico foi suspenso.
Por isso, naquele dia de verão na Itália, Cuatrecasas questionou Francisco em frente às câmeras, mostrou a carta enviada pelo pontífice e conseguiu a retomada das investigações.
A BBC News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — conversou com Juan e seus pais sobre a dolorosa história de abuso, o longo caminho para denunciar a pedofilia, a façanha de conseguir se comunicar diretamente com a autoridade máxima da Igreja Católica e o que ocorreu depois de confrontá-lo no documentário que deu a volta ao mundo.
Crédito, Arquivo Pessoal
O caso de Juan
Juan Cuatrecasas Cuevas cursou os primeiros anos da escola secundária, dos 11 aos 13 anos de idade, no Colégio Gaztelueta Bilbao. A escola pertence à instituição católica Opus Dei e fica no País Basco, no norte da Espanha.
Foi ali que ocorreram os fatos denunciados por ele contra José María Martínez Sanz.
“O numerário [fiel em celibato apostólico] era meu tutor e abusou sexualmente de mim em diversas ocasiões. Ocorreu no seu escritório”, conta Cuatrecasas.
“Naquele momento, eu compreendia que o que estava acontecendo não era algo bom. Mas eu era criança e não tinha, digamos, ideia do que fosse um abuso sexual, das suas implicações e nem sequer que aquela pessoa, que, para mim, era uma autoridade, estivesse agindo com abuso de poder ou de superioridade.”
Com o passar do tempo, os colegas de estudo de Juan Cuatrecasas começaram a notar que algo estava acontecendo. E a situação se agravou.
“Sofri bullying porque meus colegas viam que o tutor me tratava diferente, me retirava da classe e me mantinha no escritório por muito tempo”, relembra ele.
“Por isso, acabei entrando em colapso. A rejeição dos meus amigos me fez muito mal, me senti sozinho.”
Três anos se passaram sem que o jovem falasse com ninguém sobre o que estava acontecendo. Até que, com 15 anos de idade, ele voltou a receber ameaças de ex-colegas nas rede sociais e não conseguiu se calar mais.
“As vítimas de pedofilia não contam o que aconteceu quando querem”, explica o pai do menino. “Elas contam quando podem.”
“Em maio de 2011, ele contou à sua mãe sobre o assédio escolar dos seus colegas e que sofreu abusos sexuais contínuos por parte do numerário [professor] de religião, nos anos de 2008, 2009 e 2010”, relata o pai.
“Eu me fechei em mim mesmo e parei de ir à escola. Fiquei assim por vários anos”, conta o filho.
“Ele entrou em crise absoluta, tinha pesadelos, vômitos e dores de barriga”, destaca o pai. “Uma mudança radical.”
“Ele era um menino feliz, tinha seus amigos, seu time de futebol, tinha uma vida completamente normal. E, da noite para o dia, veio a mudança.”
A luta da família
Juan Cuatrecasas Asua é advogado e assessor fiscal. Ele chegou a ser parlamentar na Espanha e compartilha o mesmo nome e o primeiro sobrenome com seu filho mais velho.
Ao lado da esposa, Ana Cuevas, e de outras vítimas de pedofilia em espaços religiosos e eclesiásticos da Espanha, eles criaram a Associação Infância Roubada (Anir), para oferecer assessoria técnica e jurídica, além de buscar mudanças na legislação do país.
Este foi o resultado de mais de uma década de ativismo, iniciado em 2011, quando eles decidiram denunciar à Igreja Católica e às autoridades espanholas o agressor do seu filho.
O primeiro passo foi informar o colégio.
“Eles demoraram para nos atender, até que fomos recebidos pelo vice-diretor da época”, recorda Cuatrecasas Asua.
“Contamos tudo o que nosso filho nos relatou. Ele levou às mãos à cabeça e disse: ‘Se foi assim, pobre Juan.'”
“Depois, eles nos chamaram para uma reunião e disseram que acreditavam em Juan. Eles nos disseram que o agressor foi enviado para a Inglaterra.”
“Quando perguntamos o que iriam fazer com ele, nos disseram que precisavam colocá-lo nas mãos de um padre”, prossegue o pai de Juan Cuatrecasas. “Chegaram a nos pedir que não disséssemos ao nosso filho que o professor havia saído ‘por culpa dele’.”
A BBC News Mundo entrou em contato com o Colégio Gaztelueta Bilbao pedindo sua posição frente a este caso. A instituição informou que não se pronunciaria a respeito.
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Depois de relatar os fatos ao colégio e indignados com a resposta recebida, os pais de Juan Cuatrecasas decidiram entrar em contato com a Inspetoria de Educação de Bilbao.
O órgão recomendou que eles começassem pela promotoria de menores, para denunciar o bullying sofrido por Cuatrecasas e tentar encontrar alguma testemunha, antes de acusar o agressor.
“O processo na promotoria de menores foi lamentável e patético”, recorda o pai.
“O psicólogo atendeu meu filho por menos de 10 minutos e o caso foi arquivado. Sim, eles castigam as crianças por ameaças e insultos, mas não vão além disso.”
Eles decidiram então ampliar a denúncia dentro da Igreja Católica e recorreram às autoridades canônicas do País Basco.
Foi na primavera de 2013 que os Cuatrecasas Cuevas enfrentaram um processo descrito por eles como atropelado e sem consenso dentro da instituição religiosa, sobre como proceder frente a este tipo de denúncia.
“Existe uma parte minoritária da Igreja que entende a questão dos abusos, que trabalha para dar resposta”, explica Ana, mãe de Juan. “O que acontece que não é esta parte que detém o poder na Igreja espanhola.”
Eles recordam, por exemplo, que o então bispo de Bilbao se recusou a ouvi-los, até que um vigário que os apoiava conseguiu a audiência. Foi assim que, vários anos depois da primeira tentativa, o bispo os chamou para uma reunião.
Os pais de Juan solicitaram comparecer com uma testemunha, mas ele se negou. “Ele nos disse que, com uma testemunha, não nos receberia”, segundo Ana.
A carta para o papa Francisco
Esgotadas as instâncias locais e com seu filho isolado em uma grave crise pós-traumática enquanto o agressor estava em liberdade, restava a eles, talvez, uma única opção: recorrer à autoridade máxima da Igreja Católica no mundo, o papa Francisco.
Parecia algo impossível, mas eles decidiram tentar.
“O papa Francisco é jesuíta e eu estudei em um colégio de jesuítas, meu pai estudou em um colégio de jesuítas e meus tios, também”, conta o pai de Juan.
“Eu manifesto uma certa empatia com o espírito inaciano [dos jesuítas, em referencia a Santo Inácio]. Por isso, se fosse outro papa, talvez tivesse tentado da mesma forma, mas teria menos esperança.”
O passo seguinte foi preparar a correspondência.
“Escrevemos uma carta pedindo ajuda e anexamos uma série de documentos, para demonstrar de alguma forma visual tudo o que havia acontecido”, explica o pai. “Também incluímos fotos de Juan, antes e depois do ocorrido.”
Os pais de Cuatrecasas tinham boas conexões, mas levaram tempo para organizar reuniões e fazer tentativas, até conseguirem enviar o envelope com a garantia de que o papa o receberia em mãos. E, depois de um mês e meio, chegou a resposta.
“Recebi um papel por baixo da porta do meu escritório, dizendo que o pároco de uma igreja próxima precisava me entregar algo pessoalmente”, relembra o pai de Juan.
“Fui no dia seguinte. O pároco me levou até a sacristia e pegou uma caixa, depois outra menor que estava dentro daquela. Depois, um envelope que dizia ‘F.’ no remetente.”
“Ele me perguntou, com a voz um pouco trêmula: ‘O sr. está esperando uma carta do papa?’ Respondi que sim.”
“Lembro que ele ficou olhando, peguei a carta, agradeci e fui embora”, conta ele.
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Ele, então, chamou sua esposa, Ana, para que eles lessem a carta juntos.
Ao abrir o envelope, seus olhos se encheram de lágrimas. O casal havia passado anos esperando por justiça e, agora, vinha a esperança.
A carta foi escrita à mão pelo próprio Francisco. Ela dizia, entre outras coisas:
“Hoje mesmo, enviarei a documentação para a Congregação para a Doutrina da Fé, para que eles deem inicio ao julgamento canônico do educador e do colégio, mas sem molestar o menino.
A você e à sua família, desejo um santo e esperançoso ano de 2015.
Que Jesus os abençoe, a Santa Virgem cuide de vocês e, por favor, não se esqueça de rezar e pedir para que rezem por mim.
A Congregação para a Doutrina da Fé, mencionada na carta pelo papa, é um tribunal eclesiástico que julga os delitos cometidos contra a fé, a moral ou a celebração dos sacramentos.
E, de fato, pouco tempo depois, o tribunal entrou em contato com a família de Juan Cuatrecasas.
“Vieram dois representantes à minha residência”, recorda ele.
“Eles me entrevistaram, mas, em certo momento, a entrevista mudou e eles começaram a me pedir informações sobre como era o escritório onde tudo aquilo havia ocorrido. Localização, móveis.”
Meses depois, a Congregação para a Doutrina da Fé enviou ao diretor do colégio um comunicado sobre sua investigação preliminar. A BBC teve acesso ao texto, de uma página e meia.
Segundo o documento, depois de realizar uma investigação canônica preliminar, o organismo decidiu “dar o caso por encerrado por falta de elementos” e dispôs, entre outras conclusões, “que se restabeleça o bom nome do acusado”.
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E a Justiça espanhola?
Em 2015, já com 18 anos, Juan Cuatrecasas decidiu denunciar José María Martínez Sanz perante o Tribunal Superior do País Basco. Foi um processo complexo, que durou vários anos.
A família recorda que a investigação foi aberta, arquivada temporariamente e, depois, retomada com provas e testemunhas. Após o julgamento, o numerário foi finalmente condenado a 11 anos de prisão, por abusos contínuos a um menor de idade.
Mas a defesa recorreu da decisão perante o Tribunal Supremo espanhol, que decidiu reduzir a pena de 11 para dois anos.
O principal argumento, segundo noticiado pela imprensa espanhola na época, foi que, no processo provincial, “não foi respeitada a presunção de inocência. Foram aceitos como fatos comprovados dois episódios de abuso relevantes que a vítima relatou anos depois que se iniciasse o ocorrido.”
Os fatos mencionados constituíam delitos de agressão sexual. E, ao não serem aceitos no recurso, foi comprovado apenas o abuso contínuo, o que levou à redução da pena.
O Tribunal Supremo confirmou que José María Martínez Sanz cometeu abusos contra Cuatrecasas quando era professor no colégio do Opus Dei e ratificou a condenação por dois anos. E, como o acusado não tinha antecedentes criminais, não precisou cumprir a pena por este período, como estabelece a legislação espanhola.
Em relação à versão de Martínez Sanz, sabe-se que ele cumpriu a condenação, mas não reconheceu os fatos.
A BBC News Mundo confirmou com um porta-voz que o condenado criou, escreveu e publicou uma página na internet expondo os argumentos que questionam a veracidade das provas apresentadas no processo no País Basco e que, segundo ele, confirmam sua inocência.
Por outro lado, o jornal espanhol El País informou, em 2018, que o então diretor do Colégio Gaztelueta Bilbao defendeu a inocência do professor, afirmando que não concordava com a sentença e que, na sua opinião, a denúncia de Juan Cuatrecasas não era “confiável”.
Questionado pela BBC, o colégio não se manifestou sobre o pronunciamento do seu ex-diretor.
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O documentário
O jovem Juan Cuatrecasas Cuevas precisou de vários anos para se recuperar.
“Juan perdeu cinco anos de escolaridade”, conta sua mãe, Ana. “Era uma situação muito difícil.”
“Precisei ficar muito tempo com ele porque, devido às suas tentativas de suicídio, o psiquiatra nos disse que, para não precisar interná-lo, precisaríamos vigiá-lo 24 horas por dia.”
“Todos os profissionais que atenderam meu filho, incluindo psicólogos, psiquiatras, médicos de família e o pediatra, além da própria psicóloga forense que fez o teste de credibilidade, testemunharam a seu favor no julgamento”, destaca ela.
E, justamente graças ao apoio da sua família e à orientação de diversos profissionais especializados em saúde mental, Cuatrecasas conseguiu, pouco a pouco, retomar sua vida, terminar o colégio, estudar Direito e fazer mestrado em Direitos Humanos.
Ao longo deste processo, quando já era maior de idade, ele também decidiu fazer a denúncia pública. Cuatrecasas se apresentou e contou tudo o que havia vivido, bem como o tempestuoso caminho percorrido pela família para denunciar seu agressor.
Foi devido a esta exposição na imprensa e na Justiça internacional que a equipe de produção do documentário Amém: Perguntando ao Papa conseguiu localizá-lo em 2022.
“Inicialmente, tive algumas dúvidas, pois não me considero uma pessoa de fé e sou muito reticente em relação à Igreja”, ele conta. “Também não sabia se a minha participação ali serviria de alguma coisa.”
“Mas, depois, vi aquilo como uma oportunidade, não só de expor meu caso para que se fizesse justiça, mas também para dar visibilidade a um problema que, até hoje, continua acontecendo.”
Cuatrecasas aceitou o convite e viajou para Roma, junto com seu irmão Carlos. No bolso, ele levava a carta do papa, recebida por seus pais sete anos antes.
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No dia da filmagem, Juan Cuatrecasas vestia uma bermuda jeans e uma camisa de linho. Ele não se preparou muito.
As instruções da equipe de produção lhe deram tranquilidade. “Eles me disseram para falar como quisesse e pelo tempo que desejasse”, recorda ele.
O papa entrou no estúdio de gravação caminhando com dificuldade, apoiado na sua bengala. Ele cumprimentou cada um dos jovens com um aperto de mãos ou com um beijo.
Francisco se sentou no centro do salão e a conversa começou.
Os jovens foram bem diretos. Eles perguntaram se o papa tinha celular, se recebia salário, se conhecia o aplicativo de encontros Tinder. E Francisco perguntou se eles não achavam aborrecido ficar conversando com um padre.
Depois, eles entraram nos temas principais. Na vez do aborto, o papa falou sobre a importância de proteger a vida humana.
Foi neste ponto que Juan entrou na conversa e disse que aquela postura, para ele, parecia hipócrita.
Ele destacou que, por um lado, a Igreja Católica fala em proteger a vida. Mas, por outro lado, existem temas como a pedofilia — e que, muitas vezes, as vítimas são rejeitadas e os perpetradores são protegidos.
Juan, então, se apresentou e contou seu caso. Ele falou de forma clara e concisa, ainda que contendo as lágrimas.
“Minha voz tremia”, relembra ele. “O mesmo acontece sempre que consigo contar a história. Reconhecer que fui abusado sexualmente é muito difícil.”
O papa o incentivou a continuar. “Expresse-se como quiser, chore se quiser. Fique tranquilo, filho”, disse Francisco.
O jovem fez uma pequena pausa, respirou fundo e continuou falando, comovido.
Ele contou que a Justiça espanhola havia condenado seu agressor, mas que ele não foi preso e continuava vinculado ao Opus Dei. Depois, Cuatrecasas mostrou ao papa a carta enviada por ele próprio, em resposta aos seus pais.
Francisco disse que não se recordava do caso. Ele colocou os óculos, leu e perguntou: “Vocês receberam resposta da Congregação para a Doutrina da Fé? Eu enviei o caso para lá.”
Agora mais tranquilo, Juan respondeu que “sim, no ano seguinte, o colégio do Opus Dei recebeu uma carta da Congregação, dizendo que iriam arquivar as investigações e que o bom nome do professor deveria ser restabelecido”.
“Bem, minha pergunta, creio que seja evidente: por que eles tomaram esta decisão? E, agora que já existe uma sentença emitida, a Igreja irá mudar sua postura ou retificar o que disse a Congregação?”
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Francisco foi enfático na sua resposta.
“Estes casos de abusos com menores não prescrevem, pelo menos na Igreja. E, se prescreverem com o passar dos anos, eu suspendo automaticamente a prescrição. Não quero que isso prescreva nunca.”
“O abuso a menores é um drama em toda parte. Na Igreja, é mais escandaloso, precisamente porque onde é preciso cuidar das pessoas, você as destrói.”
“Agradeço a você pela bravura de ter feito a denúncia, porque é preciso ter coragem para denunciar isso. Não é fácil, pois os condicionamentos sociais são muito grandes e, às vezes, quem denuncia acaba sendo acusado de calúnia.”
“É doído para mim o que você me diz, uma sentença tão clara, que parece ter consequências mas depois não tem. Por isso, agora, se existe uma sentença confirmada, eu gostaria de saber qual é para fazer revisar o caso. Conte com isso.”
Ao final da gravação, Francisco se aproximou de Cuatrecasas e ele aproveitou para oferecer mais contexto sobre o o que ocorreu com a Congregação da Doutrina da Fé em 2015. O papa o ouviu atentamente.
“Ele me forneceu seu contato”, recorda o jovem. “Pediu que eu mandasse a documentação do meu caso, que ele iria estudar, investigar e ver se poderia formar um tribunal que pudesse julgar o meu caso.”
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A investigação canônica e a desilusão
Juan Cuatrecasas voltou para a Espanha, reuniu todos os documentos e os enviou para o papa. Pouco tempo depois, ele recebeu a resposta por correio eletrônico.
“Em resumo, ele disse que iria constituir um tribunal canônico para julgar o meu caso”, segundo ele.
O jovem manteve a comunicação de forma intermitente com o papa Francisco. Na última vez em que escreveu, foi para desejar sua breve recuperação, quando o pontífice foi hospitalizado em Roma.
Em relação ao caso canônico, o tribunal emitiu a sentença em dezembro de 2024. Os Cuatrecasas Cuevas só tomaram conhecimento em março deste ano, quando a instituição religiosa comunicou a decisão diretamente à sua advogada.
A conclusão foi que “os fatos provados, cometidos contra um menor de idade e imputáveis ao acusado constituem causa grave que justifica sua expulsão da prelatura”.
O documento destaca que os fatos “são revestidos de especial gravidade, considerando a relação assimétrica estabelecida entre o docente e o estudante; entre o preceptor, que acompanha a vida acadêmica e pessoal, e o aluno acompanhado”.
Por fim, a sentença evidencia que a investigação foi levada a cabo por indicação direta do papa Francisco.
Mas Juan e sua família esperavam por justiça não apenas em relação ao agressor, mas também frente ao colégio e ao Opus Dei.
Por isso, depois de 14 anos de espera e de conseguir a façanha de fazer com que o papa recebesse sua correspondência e falasse com ele pessoalmente, Juan Cuatrecasas Cuevas ficou decepcionado.
“Minha reação ao ler a sentença é de estupefação e decepção, pois, em nenhuma parte do documento, é incluído o monsenhor da Congregação da Doutrina da Fé, que pediu que se reparasse o bom nome do agressor. Continua não havendo a retificação.”
“Não há nenhuma referência à quantidade de armadilhas armadas pelo Opus Dei no meu processo. Não há nenhum tipo de advertência ao Opus Dei”, lamenta Cuatrecasas.
Em relação aos comentários de Juan Cuatrecasas, um porta-voz do Opus Dei da Espanha declarou à BBC News Mundo que a organização “sempre colaborou plenamente com as petições recebidas da Santa Sé sobre este caso. Existe no Vaticano muita documentação fornecida pelo Opus Dei.”
“Absolutamente não houve obstrução sobre nenhuma investigação, civil ou eclesiástica, nem foi produzido nenhum tipo de ocultação. Estas acusações carecem de fundamento”, segundo a instituição.
De sua parte, Juan Cuatrecasas acredita que, em todos estes anos de denúncia, ele vivenciou pessoalmente a revitimização.
“Acredito que não mereço isso”, afirma ele. “Creio que também fica clara a postura da Igreja em relação à reparação para as vítimas.”
“Fica claro que é puro palavreado, pura propaganda, pois o máximo que eles sabem fazer é expulsar alguém de uma congregação.”
“Por mais que haja pessoas dentro da Igreja que sejam abertas ou tolerantes, acredito que existe uma única orientação, que é, como se viu por esta sentença, de varrer para debaixo do tapete”, reflete ele.
“Se isso acontece comigo, depois de esgotar todas as etapas do processo, fazendo o impossível, que é me sentar em frente ao papa, contando o que me aconteceu (o que acredito que muito pouca gente faria), pergunto: como ficam as outras vítimas?”, conclui Juan Cuatrecasas.
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