O que é o Dia da Vitória, que vai ser celebrado em Moscou com presença de Lula
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A data marca a rendição da Alemanha nazista na 2ª Guerra Mundial e é um dos eventos mais simbólicos do calendário nacional russo.
Mas o que exatamente é o Dia da Vitória? E por que o evento é tão importante para Putin e sua estratégia de governo?
‘Mais do que um feito militar’
Todos os anos, o governo russo organiza uma série de eventos e celebrações para marcar a vitória sobre a Alemanha nazista em 1945.
A rendição incondicional dos alemães entrou em vigor na noite de 8 de maio de 1945, mais precisamente às 23h01 na Europa Ocidental, quando já passava da meia-noite em Moscou.
Por isso, enquanto países como França, Reino Unido e os Estados Unidos celebram o fim da guerra em 8 de maio, a União Soviética passou a comemorar no dia seguinte, 9 de maio.
A data foi celebrada durante o período da URSS, ocasionalmente com a realização de desfiles militares. Em 1995, o então presidente Boris Yeltsin também organizou eventos para a comemoração de 50 anos da vitória militar.
Mas foi só sob o governo de Vladimir Putin, a partir de 2008, que o governo passou a realizar o desfile militar na Praça Vermelha em Moscou de forma anual.
A data passou então a representar mais do que uma simples comemoração histórica, e se tornou um pilar de legitimação política para o Kremlin, além de uma demonstração de força das tropas e equipamentos militares.
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A transformação liderada por Putin também ampliou o papel da data no imaginário coletivo russo, como foco nos sacrifícios da 2ª Guerra Mundial e na afirmação nacional.
Vinte e sete milhões de cidadãos soviéticos morreram, de longe a maior perda de qualquer país, no que os russos chamam de Grande Guerra Patriótica.
E a ideia reforçada pelo governo até hoje é que a vitória sobre o nazismo não foi apenas um feito militar, mas uma prova da coragem e resiliência do povo.
“O governo russo tem usado o Dia da Vitória como um evento performático, para reforçar a ideia de que a Rússia é uma nação poderosa e que seus sacrifícios históricos a tornam merecedora de respeito no cenário internacional”, afirma Sergey Radchenko, historiador e professor da Johns Hopkins University.
As lembranças em torno da vitória da então União Soviética (URSS) sobre a Alemanha nazista ainda servem como uma forma de legitimar as políticas contemporâneas do Estado russo, diz o historiador.
“O aparato de propaganda do Kremlin promove a ideia de que a Rússia está hoje, novamente, lutando contra o nazismo — desta vez na Ucrânia — e que, como na 2ª Guerra, esse é um conflito patriótico que exige sacrifícios do povo”, explica Radchenko.
Um dos principais argumentos usados por Vladimir Putin para justificar a invasão da Ucrânia é o objetivo de “desnazificar” o país.
A alegação, no entanto, é amplamente contestada por analistas e líderes ocidentais, que apontam, entre outros fatos, que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky é judeu e tem familiares que morreram no Holocausto.
“O Kremlin construiu, nos últimos anos, quase um culto em torno da 2ª Guerra Mundial. A popularização dessa memória tornou-se ainda mais intensa à medida que a geração que viveu o conflito começa a desaparecer”, diz o historiador.
A participação de chefes de Estado estrangeiros, como o presidente Lula neste ano, serve também como uma plataforma para Moscou projetar essa narrativa além das fronteiras russas — e mostrar ao público doméstico que ainda possui aliados no cenário internacional.
“É um exercício de construção de patriotismo e nacionalismo, ainda mais relevante agora, em tempos de guerra”, diz Gulnaz Sharafutdinova, professora na King’s College London.
Em Moscou, mas também em todo o país
O destaque das celebrações do Dia da Vitória fica por conta do desfile na Praça Vermelha, que inclui tanques, mísseis e soldados em formação, diante de milhares de espectadores e câmeras de televisão.
Na celebração de 2024, 9 mil marcharam no evento em Moscou. Mas em anos anteriores — antes da invasão da Ucrânia pela Rússia — os números eram ainda maiores.
No passado, a exibição de equipamentos militares também já foi maior. O único tanque que participou do desfile no ano passado foi um T-34. E a expectativa é que em 2025 a tendência continue, já que muitos dos armamentos estão sendo utilizados no campo de batalha.
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Mas as comemorações também acontecem fora de Moscou, como explica o historiador Sergey Radchenko.
“Cada cidadezinha tem seu mini desfile, com soldados acendendo o que eles chamam de ‘chama eterna'”, diz. “E quanto maior a cidade, maior a celebração.”
Nos últimos anos, a data também tem sido incorporada ao sistema educacional russo, com eventos promovidos em escolas, universidades e instituições culturais.
Livros escolares e livros de história no país focam na Rússia como libertadora da Europa durante a guerra.
“Não é apenas um evento de Moscou, mas usado pelo Estado também nos níveis mais locais para formar o ‘cidadão russo ideal’, patriótico e alinhado com a política externa do Kremlin”, explica Gulnaz Sharafutdinova, diretora do Instituto Rússia da King’s College London.
Também segundo a especialista, para muitos russos, assistir à parada militar no dia 9 de maio continua sendo um ritual anual.
Ainda que o alcance da televisão estatal esteja diminuindo entre os mais jovens, os mais velhos continuam fiéis ao evento.
E é justamente esse público — que vê a vitória de 1945 como um marco de orgulho nacional — que o Kremlin busca atingir com ainda mais intensidade em tempos de incerteza, diz.
Por outro lado, a pesquisadora também vê motivos para que o Kremlin adote um tom mais contido diante da guerra na Ucrânia.
“Mostrar força demais nas ruas, enquanto os resultados no front não correspondem, pode gerar descrença”, alerta a pesquisadora. “As pessoas querem ver progresso real na guerra, não só encenações.”