O Agente Secreto: os bastidores da campanha de sucesso do filme brasileiro em Cannes
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Neste sábado (24/5), O Agente Secreto, novo longa do pernambucano Kleber Mendonça Filho, concorre à Palma de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, na França.
Mesmo que não leve o troféu da competição oficial, o filme já alcançou grandes marcas no festival. Na sessão de estreia, em 18 de maio, foi ovacionado com mais de dez minutos de aplausos.
O longa também saiu do evento com dois acordos de distribuição fechados. A Neon, que lançou Parasita e Anatomia de uma Queda, agora responde pela distribuição norte-americana de O Agente Secreto. Já a Mubi, que distribuiu Anora, será responsável pela exibição no Reino Unido, Índia e América Latina, exceto o Brasil.
Mendonça Filho já é um nome consolidado em Cannes. Seus três últimos longas — Aquarius (2016), Bacurau (2019) e Retratos Fantasmas (2023) — foram exibidos no festival. Bacurau, inclusive, venceu o Prêmio do Júri, terceira categoria mais importante da competição oficial.
Ambientado em Recife em 1977, durante a ditadura militar brasileira, O Agente Secreto acompanha Marcelo, interpretado por Wagner Moura, um especialista em tecnologia que retorna a Recife após anos fora em busca de paz. Mas ele descobre que sua cidade natal esconde perigos e segredos inquietantes.
A recepção da crítica foi elogiosa. A Variety destacou a capacidade do diretor de “nos transportar de volta àquela época, com seu calor opressivo e paranoia”. O crítico da BBC, Nicholas Barber, classificou o filme como um “thriller político estiloso e vibrante” e um possível candidato ao Oscar.
A expectativa para o título em Cannes já se desenhava desde a montagem da obra, segundo Silvia Cruz, fundadora da Vitrine Filmes, que distribui os filmes do diretor no Brasil desde 2016.
“Desde o início, já pensávamos que esse seria o primeiro festival que iríamos tentar, tanto pelo histórico dos outros filmes do Kleber [no evento] quanto pelo cronograma de finalização, perfeito para estar pronto a tempo”, diz.
O festival exige que o filme seja inédito, ou seja, nunca tenha sido exibido em outros festivais internacionais ou na internet, para participar da competição pela Palma de Ouro.
“Cannes é uma vitrine poderosa. Entrar nesse festival certamente traz visibilidade. Estar em Cannes já impulsiona toda a carreira do filme.”
Crédito, Vitrine Filmes
Frevo na Croisette
Um dos momentos mais comentados do festival foi a passagem da Orquestra Popular do Recife e do grupo Guerreiros do Passo pelo tapete vermelho.
O vídeo do cortejo dos passistas com a comitiva brasileira, incluindo o ator Wagner Moura — protagonista do filme — arriscando passos de frevo, viralizou nas redes sociais.
A proposta de levar o frevo para a famosa avenida Croisette partiu da própria equipe de distribuição da Vitrine Filmes durante a montagem de O Agente Secreto.
“Um dia me veio essa ideia: ‘E se a gente fizesse um carnaval em Cannes?'”, conta Bernardo Lessa, gerente de lançamento da distribuidora.
“Já sabíamos que o Brasil seria o país homenageado do ano. Tínhamos algumas indicações favoráveis. Tentamos várias marcas, vários parceiros — recebemos muitos ‘nãos’. Mas não queríamos desistir, porque sabíamos que podia dar certo.”
O plano ganhou forma com o patrocínio da Embratur, da Secretaria de Cultura de Pernambuco e da marca Sol de Janeiro.
“Ninguém da banda tinha passaporte. A confirmação do investimento veio pouco tempo antes, então tivemos que correr com tudo. Não era só trazer a banda, mas trazer a cultura: o bolo de rolo, a música, as sombrinhas de frevo. Foi toda uma produção. E o resultado foi muito maior do que a gente esperava”, diz Lessa.
“Cannes foi muito bom para o filme — a recepção foi excelente. Ele já foi comprado pela Neon e pela Mubi. Isso é ótimo porque já dá para os produtores uma garantia de retorno financeiro e também de distribuição. Principalmente nos Estados Unidos, onde, quando falamos das maiores premiações, é muito importante ter um distribuidor americano”, explica.
Intervenção no tapete vermelho não é novidade, inclusive para promover mensagens políticas. O próprio Kleber Mendonça Filho, no lançamento de Aquarius, utilizou o espaço privilegiado de Cannes para protestar contra o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
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O marketing digital é uma ferramenta usada para ampliar a distribuição do filme, diz a jornalista Ana Paula Sousa, pesquisadora e colunista especializada em cultura.
“A partir do momento em que o filme leva o frevo para o tapete vermelho, aumenta a chance de sair matéria num veículo de outro país falando sobre isso. Eventualmente, o distribuidor de outro país vai ter interesse no filme”, afirma.
“Vivemos a era das redes sociais. E acho que o Kleber, embora seja um cineasta ligado ao que se costuma chamar de ‘cinema de autor’, já mostrou há muito tempo que sabe lidar muito bem com as redes.”
A estratégia, segundo Sousa, ainda aguça a curiosidade do público que, mesmo antes do lançamento do primeiro trailer, já começa a falar sobre a produção.
“Um filme é feito para ser visto por diferentes públicos — mas sempre para ser visto. Ele tem que mobilizar a atenção do público”, diz.
“É natural que o filme do Kleber tente também se aproveitar desse bom momento do cinema brasileiro”, afirma a pesquisadora.
“Não é que essa estratégia cria coisas que não existem, mas se aproveita de elementos reais para aumentar a visibilidade em torno do filme e despertar interesse.”
Por que Cannes importa?
Ana Paula Sousa afirma que a seleção para a Palma de Ouro é uma “conquista comparável a uma final olímpica”.
A visibilidade conquistada em Cannes costuma se traduzir em novas oportunidades para filmes produzidos fora dos cinco maiores estúdios de cinema — Universal, Paramount, Warner Bros., Disney e Sony.
“Não existe nenhum festival do mundo com tanta imprensa. Nenhum tem um volume de matérias publicadas tão grande quanto o de Cannes”, diz.
Além do glamour, Cannes é mercado. O Marché du Film, evento de mercado do festival, é o maior polo de compra e venda de direitos cinematográficos do mundo.
“Cannes ainda é a principal vitrine de cinema para filmes não hollywoodianos. E isso vai além do cinema de arte”, explica.
“As franquias já têm uma distribuição garantida. Mas no mercado onde uma empresa produz e outra distribui, Cannes continua sendo uma Meca.”
Ela aponta que o prestígio internacional repercute também no mercado interno. “Pode parecer colonial precisar dessa validação externa, mas também é natural. As pessoas pensam: ‘Se está chamando a atenção de tanta gente, deve ser interessante’.”
Burburinho como estratégia
A distribuição é uma das etapas mais determinantes da cadeia produtiva do audiovisual, afirma a pesquisadora Hadija Chalupe da Silva, professora de Cinema e Audiovisual da ESPM Rio e autora do livro O Filme nas Telas — A Distribuição do Cinema Nacional.
Em sua pesquisa, Silva propôs quatro modalidades principais de comercialização de filmes no Brasil: grande lançamento, lançamento médio, lançamento de nicho e filme para exportação. Apesar de se sobreporem, essas estratégias ajudam a entender como os filmes são posicionados no mercado.
“No modelo do blockbuster, o filme é lançado em muitas salas simultaneamente para atrair o público logo no início, evitar a pirataria e recuperar o investimento com rapidez”, afirma.
“Mas isso exige muito investimento. No Brasil, disputar de igual para igual com Hollywood é sempre um desafio.”
Já o lançamento de nicho segue lógica oposta: aposta na “cauda longa”, com menos cópias e maior permanência em cartaz. O sucesso depende do boca a boca e da recepção inicial.
“A primeira semana é crucial. As salas comparam a ocupação com a média do ano anterior. Se o filme atinge ou ultrapassa essa média, continua em exibição”, detalha a pesquisadora.
Por isso, os festivais de cinema são cruciais: eles são prestígio e ampliam as possibilidades de circulação dos filmes brasileiros.
“Os festivais são espaços de descoberta. Revelam novos realizadores e obras com potencial de impacto na cinematografia”, diz. “Dependendo de onde o filme é exibido, ele ganha chancela, ganha legitimidade.”
Crédito, Victor Jucá
Para filmes como O Agente Secreto, o barulho em Cannes é mais uma estratégia. “Tem milhares de memes. E tudo isso são mídias espontâneas. Isso vai ajudando muito”, diz Silva. “É o boca a boca digital, o burburinho que precede a estreia e amplia o alcance.”
Com as redes sociais, a aposta é também no engajamento. “Hoje, essa conversa pode começar bem antes. Vai se criando esse universo de curiosidade e de relação com o público antes mesmo do lançamento”, afirma a professora.
A estreia nacional de O Agente Secreto está prevista para o segundo semestre de 2025. Depois de Cannes, a Vitrine Filmes quer fazer do longa seu maior lançamento desde a criação da empresa, em 2010.
“Queremos continuar fazendo coisas diferentes. Porque o modelo de distribuição, especialmente para salas de cinema, mudou muito”, avalia Bernardo Lessa.
“O público tem todos os conteúdos do mundo na palma da mão. A gente tem que mudar as formas de convencê-lo a sair de casa.”