Nazismo: o romance perdido de 1934 que já fazia alerta assustador sobre horrores do regime de Hitler
Crédito, Alamy
- Author, Clare McHugh
- Role, BBC Culture
A demanda por histórias sobre a Europa em tempos de guerra, sempre em alta, aumentou notavelmente desde a publicação do livro Toda luz que não podemos ver, de Anthony Doerr, que recebeu o Prêmio Pulitzer em 2015 e, posteriormente, foi adaptado para uma série da Netflix.
Histórias de amor, de batalhas, de decifração de códigos, de resistência, de campos de concentração — todas entraram nas listas de best-sellers ao redor do mundo.
E, embora muitos romancistas deste subgênero tenham se baseado habilmente em documentos, cartas e relatos de testemunhas oculares de oito décadas atrás, é improvável que o mundo veja novamente, tanto tempo depois, uma nova obra de ficção baseada na experiência pessoal daquela época.
Esse é um dos motivos pelos quais o livro Crooked Cross, republicado recentemente pela editora britânica Persephone Books, é uma leitura tão extraordinária.
A autora, Sylvia “Sally” Carson, uma jovem inglesa, se inspirou em visitas a amigos na Baviera, no início da década de 1930, para escrever um romance sobre o início da tirania nazista em uma pequena cidade alemã.
O célebre romancista americano E.L. Doctorow, autor de Ragtime, Billy Bathgate – o Menino Gângster e outras obras de ficção ambientadas no passado, disse certa vez: “O historiador vai te dizer o que aconteceu. O romancista pode te dizer como foi a sensação”.
E a façanha de Carson é dar vida à fictícia família Kluger, que mora perto das montanhas ao sul de Munique e, ao longo de seis meses — da véspera de Natal de 1932 à noite do solstício de verão de 1933 —, vê suas vidas destruídas.
Carson escreveu Crooked Cross — o título se refere ao símbolo da suástica adotado pelos nazistas — às pressas. O livro foi publicado em 1934, um ano após os eventos que ela relata.
As críticas foram elogiosas, e Carson transformou seu romance em uma peça que estreou no Birmingham Repertory Theatre em 1935, sendo transferida para o West End de Londres dois anos depois.
Carson demonstrou uma notável premonição sobre os horrores que estavam por vir e, mesmo assim, após sua morte prematura por câncer de mama, em 1941, seu romance caiu no esquecimento. A decisão da Persephone Books de relançar a obra agora é sábia — e bem-vinda.
Crédito, Alamy
A narrativa começa quando Hans e Rosa Kluger e seus três filhos adultos — Lexa, Helmy e Erich — se reúnem para o Natal. A vida é dura na Alemanha durante a Grande Depressão. O salário de Kluger nos Correios foi cortado; o filho mais velho, Helmy, está desempregado; e o trabalho sazonal de Erich como instrutor de esqui exige a tarefa humilhante de atender aos caprichos de mulheres ricas.
Mas o Natal é “uma época para unir a felicidade pessoal e completar o círculo mágico da família”, escreve Carson. O belo e bem-sucedido noivo de Lexa, o jovem cirurgião Moritz Weissman, é incluído em todas as comemorações.
Quando Helmy e Lexa se encarregam de decorar a árvore de Natal — os dois irmãos sempre foram muito próximos —, o ambiente festivo é descrito com precisão, com uma referência passageira ao “retrato de Hitler de Helmy” que fica sobre o piano, decorado com galhos de pinheiros, como tudo naquele lar aconchegante.
A cena embala o leitor fazendo-o acreditar, apesar do vislumbre da ameaça, que nada pode dividir este clã leal, decente e amoroso.
Um mês depois, em janeiro de 1933, Hitler é nomeado chanceler — e começa o Machtergreifung, como os alemães chamam a consolidação nazista no poder.
Em poucos dias, Helmy é recompensado por sua lealdade inicial aos nazistas e suas promessas de tornar a nação próspera novamente, com um emprego como secretário local do partido; Moritz, cujo pai é judeu, é demitido da clínica em Munique onde trabalha.
Paralelos modernos e pessoais
Carson demonstra compaixão por todos os seus personagens, além de uma percepção aguçada de suas fraquezas humanas.
Helmy, embora um homem sensível e consciencioso, não deixa de se alinhar à ideologia maligna. Ele tenta convencer a irmã de que, na nova realidade, ela precisa romper o noivado e nunca mais ver Moritz. Lexa resiste, agarrando-se à esperança de que, na distante Berlim, Hitler vai ser expulso do governo.
Em vez disso, à medida que os campos das montanhas ficam verdes na primavera, o mundo da família fica ainda mais sombrio.
Erich deixa o emprego servil para se juntar aos camisas pardas, como eram conhecidos os membros da organização paramilitar nazista Sturmabteilung (SA), e se gaba pela cidade com seu uniforme e botas de cano alto — os pais da família Kluger sentem um orgulho imenso, embora Kluger, um veterano da Primeira Guerra Mundial, continue cauteloso em relação a outro conflito sangrento.
O idealista Helmy participa de um comício nazista e fica hipnotizado. Carson escreve: “Ele não havia sido alertado sobre a destruição que seria causada pela libertação daquele poder pelo qual ele agora clamava com a voz tão rouca quanto os outros… Hitler era para eles como um esplêndido libertador; um deus… Seus braços se estendiam no mesmo sinal — uma floresta de braços pardos estendidos com os dedos apontando para o pequeno deus com um bigode de escova de dentes. Heil Hitler!”
Crédito, Alamy
Moritz, sem trabalho e sem renda, não podendo nem sequer pegar livros emprestados na biblioteca pública, cai em um estado de desalento. Em busca de uma noite para relaxar, Lexa o convence a levá-la a um baile. Na pista lotada, enquanto dançam foxtrote, os dois esbarram acidentalmente em outro casal. Moritz se vira para se desculpar. “Maldito seja!… seu judeu imundo… sai da frente”, grita o outro homem.
Carson contou ao jornal Bradford Observer que ouviu exatamente estas palavras serem ditas ao homem judeu que dançava com ela em um salão quando ela estava de férias na Baviera.
Na noite do solstício de verão, quando a violência latente nesse recanto idílico da Alemanha explode abertamente, Lexa escolhe seu amor por Moritz acima de qualquer outra lealdade, e os resultados são devastadores. (Dizer mais seria estragar a história).
O romance, que se preocupa apenas com a esfera doméstica, ainda mostra com força assustadora como uma nação civilizada pode ser capturada pelo autoritarismo.
Em entrevista ao programa Today, da BBC Radio 4, a historiadora Francesca Beauman — que é diretora editorial da Persephone Books — citou uma crítica publicada no Acton Gazette na época do lançamento do livro. “Crooked Cross é mais verdadeiro do que relatos telegráficos; é mais justo do que propaganda, e é mais interessante do que ambos.”
Nem todos os contemporâneos de Carson desejavam ouvir a advertência contida em Crooked Cross. Quando sua peça foi levada aos palcos de Londres em 1937, algumas pessoas na Grã-Bretanha a acusaram de ser antialemã, e o gabinete do Lord Chamberlain insistiu que todo Heil Hitler fosse removido. Naquela época, grande parte do establishment britânico esperava coexistir pacificamente com o regime bélico de Berlim.
Alguns leitores não vão hesitar em traçar paralelos modernos, especialmente com a ascensão do populismo de direita ao redor do mundo, e a propensão dos jovens a serem seduzidos por movimentos extremistas, quando se sentem — como milhões na Alemanha dos anos 1930 — sem propósito, insatisfeitos ou perdidos.
Mas a verdadeira questão levantada por Crooked Cross é pessoal. O que você faria se as pessoas que você ama começassem a defender ideias que você odeia?
Agora que o retrato indelével de Carson da trágica família Kluger ressurgiu, ele merece um lugar permanente no crescente cânone da literatura sobre a Segunda Guerra Mundial.