Mudanças climáticas: as ‘florestas verticais’ que estão transformando cidades
Crédito, Eindhoven, Holanda/Stefano Boeri Architetti
-
- Author, Deborah Nicholls-Lee
- Role, BBC Culture
Em 2007, o arquiteto italiano Stefano Boeri presenciou a frenética construção de uma cidade no deserto de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
O local era dominado por arranha-céus cobertos de vidro, cerâmica e metal, desperdiçando energia.
Estes materiais “refletiam a luz solar, gerando calor no ar e, principalmente, no solo urbano, onde andam os pedestres”, conta ele à BBC.
A 4,8 mil km de distância, Boeri havia recém começado a trabalhar no seu novo projeto de dois edifícios muito altos, em uma área degradada no norte de Milão, na Itália.
“De repente, me ocorreu criar duas torres biológicas… cobertas não com vidro, mas com folhas”, relembra ele.
Seu projeto convidaria a fauna e a flora a ocupar aquele deserto industrial e resfriar o ar interno e externo. Surgia um novo e radical protótipo arquitetônico, que “integra a natureza viva como parte constituinte do projeto”, segundo ele.
O surpreendente resultado foi a primeira “floresta vertical” do mundo.
Crédito, Boeri Studio/ Dimitar Harizanov
O projeto completou 10 anos e ganhou inúmeros prêmios.
Suas plantas mantidas por “jardineiros voadores” dominaram a lateral dos edifícios. Elas resfriam a temperatura em até 3ºC, já que a folhagem libera vapor d’água e filtra a luz solar.
A obra inclui ensaios de especialistas examinando a intersecção entre a natureza e a arquitetura, além das imagens do fotógrafo arquitetônico Iwan Baan.
O livro acompanha a evolução do projeto e os princípios a ele incorporados.
Para a editora Rizzoli, responsável pela publicação, a obra “celebra um trabalho arquitetônico que se tornou símbolo de uma sensibilidade coletiva renovada em relação aos cuidados com o meio ambiente e o mundo vegetal”.
Moradia para pessoas e pássaros
Revertendo a hierarquia arquitetônica habitual, o livro descreve a floresta vertical como “um lar para árvores e aves, que também abriga seres humanos”.
A obra se baseia em textos e filosofias que a influenciaram, como o livro The Secret Life of Trees (“A vida secreta das árvores”, em tradução livre), de 2006.
Escrito pelo biólogo britânico Colin Tudge, o texto explica o papel fundamental desempenhado pelas árvores nas nossas vidas, sequestrando carbono, produzindo glicose e oferecendo sombra.
Bosco Verticale também menciona a etologista britânica Jane Goodall. Ela alerta que, à medida que a população humana aumenta, “é extremamente importante que este crescimento seja acompanhado por novos incentivos para trazer o mundo natural para as cidades já existentes e para o planejamento de novos municípios”.
Crédito, Stefano Boeri Architetti
Desde a inauguração da Floresta Vertical de Milão, uma onda verde de construções ricas em plantas começou a reintroduzir a natureza nas nossas cidades – de Dubai (EAU) até Denver, nos Estados Unidos; e de Antuérpia, na Bélgica, até Arlington, no Estado americano da Virgínia.
E a primeira floresta vertical da África está programada para ser inaugurada no Cairo (Egito), ainda este ano.
Em resposta aos críticos que duvidavam da viabilidade econômica do conceito, foi inaugurada em 2021 a Floresta Vertical Trudo em Eindhoven, na Holanda – um projeto de moradias sociais com aluguel máximo orçado em 600 euros (cerca de R$ 3.830) por mês.
Senso de conexão
Em Montpellier, no sul da França, um terço dos Jardins Secretos será reservado para moradias acessíveis.
Trata-se de uma empreitada comercial reflorestada, com projeto da Vincent Callebaut Architectures, sediada na capital francesa, Paris. A inauguração deve ocorrer ainda este ano.
Integrando práticas como telhados verdes e reciclagem de água, os Jardins Secretos também “combatem a crise climática restaurando a conexão entre o ser humano e a natureza”, conta Vincent Callebaut à BBC.
“Transformando os moradores em jardineiros urbanos e as fachadas em sifões de carbono, esta construção demonstra que a ecologia não é uma restrição, mas uma filosofia de estilo de vida”, explica ele.
Crédito, BES Engineering
O poder que estas extraordinárias estruturas têm de alterar a vida e o sentimento das pessoas é fundamental para o seu projeto.
Um dos planos mais recentes da Vincent Callebaut Architectures é a Árvore do Arco-Íris, em Cebu, nas Filipinas. O projeto é inspirado nas cores psicodélicas da casca do eucalipto-arco-íris, nativo da região.
A “árvore” exige a colaboração dos moradores de cada um dos seus 300 apartamentos, para manter sua flora exuberante. Tudo isso, aliado às estufas compartilhadas e colmeias urbanas, ajuda a “incentivar os laços sociais”, segundo Callebaut, criando um senso de comunidade e conexão.
Esta noção de que os projetos biofílicos (baseados na conexão inata entre os seres humanos e a natureza) podem afetar positivamente o nosso bem-estar é confirmada por recentes pesquisas.
Um estudo realizado pela Universidade de Wageningen, na Holanda, concluiu que as plantas em um ambiente de trabalho não só o tornam mais atraente, mas também aumentam a satisfação dos funcionários.
Os profissionais também observaram que as plantas melhoram a qualidade do ar e que eles relatam menos problemas de saúde.
O estudo associou o maior índice de verde na vizinhança a 40% menos ansiedade e depressão do que entre as pessoas que moravam nas áreas com menos vegetação.
As pessoas das áreas mais pobres apresentaram maiores benefícios e o acesso a espaços verdes e água reduziu o risco de ansiedade e depressão em 10%, contra 6% nas áreas mais ricas.
Crédito, BES Engineering
Por isso, não é surpresa que novos hospitais estejam adotando os conceitos biofílicos.
O Hospiwood 21 em La Louvière, na Bélgica, é outro projeto de Callebaut.
A construção, segundo o arquiteto, “incorpora florestas verticais terapêuticas, usando plantas para reduzir o estresse do paciente e promover a recuperação”. Ela inclui um interior biofílico relaxante, repleto de plantas em cascata.
Na Itália, o novo Hospital Policlínico de Milão, projetado por Stefano Boeri, incluirá um telhado verde com mais de 7 mil metros quadrados.
Para Boeri, a biofilia faz parte do remodelamento das instalações de saúde.
Ela “abre uma nova perspectiva sobre a reabilitação, indo além do conceito tradicional de construção destinada ao simples cuidado dos pacientes a longo prazo, passando a ser um verdadeiro espaço de interação e bem-estar, em contato próximo com a natureza”.
De fato, os ramos verdes do projeto biofílico estão se espalhando por uma imensa variedade de construções.
O Aeroporto Jewel Changi, em Cingapura, é um complexo de lazer e varejo com 10 andares.
Aberto para passageiros e visitantes desde 2019, ele abriga verdejantes florestas internas que incluem 1,4 mil árvores, além da cascata interna mais alta do mundo, com 40 metros.
Na capital holandesa, Amsterdã, o interior de bambu sustentável do Hotel Jakarta, fundado em 2018, inclui um jardim tropical no seu átrio central.
Regado pela água da chuva que vem do telhado, ele avança rapidamente em direção ao seu teto de 30 metros de altura.
A uma hora de distância, em Roterdã, também na Holanda, um telhado verde, quase 40 metros acima do nível do solo, coroa o The Depot, um armazém acessível ao público que abriga a vasta coleção de arte do Museu Boijmans van Beuningen, na forma de um caldeirão gigante espelhado.
Além de levantar o nosso ânimo, as florestas em arranha-céus podem desempenhar papel importante no combate às mudanças climáticas.
O edifício Tao Zhu Yin Yuan, em Taipei (Taiwan), é outro projeto de Vincent Callebaut – uma torre de 21 andares em formato de hélice dupla de DNA, inaugurada em 2024.
Suas 23 mil plantas absorvem cerca de 130 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano. E seu efeito de resfriamento da fachada reduz a necessidade de ar-condicionado em 30%.
O edifício possui sacadas giratórias para maximizar a exposição à luz solar e suas chaminés de ventilação centrais refletem o interesse de Callebaut pelo biomimetismo, a emulação dos sistemas da natureza para fornecer soluções para os problemas humanos.
As chaminés funcionam como pulmões. Elas retiram o ar na sua base e o purificam, para expelir no topo.
Crédito, Boeri Studio/ Giovanni Nardi
Muito mais altas do que largas, as florestas verticais também minimizam a vedação do solo, liberando espaço para a natureza e reduzindo o risco de enchentes.
“Meus projetos incorporam a visão de que as cidades não são mais problemas para o clima, mas sim soluções vivas”, afirma Callebaut.
Longe de ser “um obstáculo ou complemento ornamental”, a natureza é o princípio orientador do projeto.
Os edifícios, agora, servem de “árvores habitadas”, segundo ele, “que absorvem dióxido de carbono, produzem energia e abrigam biodiversidade”.
Os edifícios biofílicos ajudam a combater duas graves crises dos nossos tempos – o aquecimento global e o declínio da saúde mental – e já são considerados parte de cidades totalmente reflorestadas.
Em Liuzhou, na província chinesa de Guangxi (uma das regiões mais atingidas pelo smog — nevoeiro contaminado por fumaça — do mundo), a Cidade da Floresta é um projeto futurista de Stefano Boeri.
Ela irá abrigar cerca de 30 mil moradores e gerar toda a sua energia. O projeto foi aprovado e aguarda construção.
Já a Cidade da Floresta Inteligente de Cancún, no México, pretende proibir veículos movidos a combustão. Ela é outro projeto do mesmo arquiteto, que aguarda licença para iniciar a construção.
De volta a Milão, o edifício que começou tudo, com seus painéis solares no telhado, sem dúvida é como uma árvore, que recebe a energia solar e retira a água do solo.
“A natureza não é algo que existe em um passado imemorial”, segundo o escritor e filósofo Emanuele Coccia, no livro. “Ela é e sempre será o nosso futuro tecnológico.”
Para Boeri, as florestas verticais gêmeas criadas por ele em Milão não são apenas edifícios, mas “um manifesto político” com “uma mensagem simples e popular: a natureza viva precisa voltar a habitar os espaços concebidos para os seres humanos. Nem mais, nem menos.”