Menachem Mendel Schneerson: o rabino que influenciou presidentes americanos e é admirado até por Milei
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- Author, Edison Veiga
- Role, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
“Sou católico e também pratico um pouco de judaísmo”, declarou certa vez o presidente da Argentina, Javier Milei — no país, cerca de 62% se declaram católicos.
Não é acaso portanto que o político de direita e libertário esteja em Israel em sua segunda visita de Estado ao país em um ano e meio de governo — a primeira, em 2024, foi também sua primeira viagem oficial como presidente.
Desta vez, Milei será homenageado com o prêmio Gênesis, conhecido como “prêmio Nobel judeu”. Seu flerte com temas judaicos, principalmente os ligados à pauta ortodoxa e conservadora, data de antes da sua posse como presidente da Argentina.
Na terça-feira (10/6), durante encontro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahupresente oficial para o líder israelense um desenho feito a partir de uma foto icônica: o primeiro encontro do então jovem Netanyahu, recém-nomeado representante de Israel nas Nações Unidas, com o rabino Menahem Mendel Schneerson (1902-1994).
A admiração pública de Milei por esse famoso rabino, considerado milagroso por seus seguidores, é antiga.
Em 2023, ele visitou duas vezes o túmulo de Schneerson (1902-1994), no cemitério de Montefiore, em Nova York. Antes das eleições que o fizeram presidente da Argentina, foi para pedir a bênção do rabino. Recém-eleito, em novembro, retornou ao local para agradecer pelo resultado do pleito.
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Schneerson é visto um dos rabinos mais influentes do século 20. Aconselhou diretamente diversos presidentes americanos e, por um grupo de seguidores, passou a ser aclamado como o verdadeiro messias.
No aspecto religioso, ele teve a proeza de transformar um pequeno grupo da corrente chassídica, vertente judaica que nasceu no século 18 na Europa Oriental, em um dos movimentos mais fortes da espiritualidade judaica contemporânea: o Chabad-Lubavitch.
“Chabad-Lubavitch é uma filosofia, um movimento e uma organização. Chabad também é um acrônimo de três palavras hebraicas, sabedoria, intuição e conhecimento, que representam faculdades intelectuais”, explica à BBC News Brasil o rabino Yaacov Behrman, relações públicas da sede do Chabad-Lubavitch em Nova York.
Behrman salienta que Chabad-Lubavitch é “uma filosofia que promove a autorreflexão e ajuda a refinar as ações e emoções por meio da compreensão e do discernimento”.
Diretor das escolas de ensino judaico Lubavitch Gani no Brasil, o rabino Moti Begun lembra à BBC News Brasil que a filosofia Chabad “valoriza a prática dos ensinamentos da Torá com profundidade intelectual” e busca transformar “conhecimento em ações”.
Ele diz ainda que os líderes do movimento “sempre se preocuparam com o bem-estar espiritual e material da comunidade judaica” e seus fundamentos partem do “amor incondicional ao próximo”.
“Chabad é uma corrente chassídica surgida em 1775 no então Império Russo, que teve como primeira liderança o rabino Shneur Zalman de Liadi”, contextualiza à BBC News Brasil o historiador, hebraísta e rabino Theo Hotz, apresentador do podcast Torá com Fritas.
“Entre 1813 e 1915 as lideranças seguintes se fixaram na cidade de Lubavitch, de onde vem o segundo nome pelo qual essa dinastia chassídica é conhecida, Chabad-Lubavitch.”
Lubavitch é o nome da cidade russa na região de Smolensk onde o movimento surgiu e foi sediado por mais de um século.
Hotz acrescenta que “nenhuma das ramificações ortodoxas judaicas se define como ‘corrente'”. “Mas podemos dizer que, de certa forma, o chassidismo, em geral, é uma corrente religiosa, composta por diferentes dinastias”, diz.
Messianismo
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Messias é uma palavra que vem do hebraico e significa “o ungido”.
Na história das religiões judaico-cristãs, o termo é empregado para se referir a um salvador, a um libertador que viria para cumprir uma profecia.
Para os cristãos, Jesus é considerado o messias que vinha sendo aguardado. Para os judeus, o messias seria um futuro rei descendente do mítico rei Davi, que governaria a nação judaica.
Em março de 1992, o jornal Washington Post publicou uma reportagem sobre os seguidores de Schneerson, chamando-os de “dezenas de milhares” integrantes de uma “seita judaica que espera o messias para breve”. De acordo com a reportagem, “alguns acreditam que ele pode vir do Brooklyn”.
Era uma referência ao próprio rabino. Nascido no império russo, em região onde hoje é a Ucrânia, Schneerson tornou-se o sétimo líder do grupo (rebe), sucedendo o seu sogro, que morreu em 1950.
Rebe, assim como rabino, deriva da palavra hebraica rabi, que significa “mestre”. Acabou sendo apropriada pelo movimento Chabad para se referir ao seu líder.
“Segundo os seguidores do rebe, o messias não é outro senão o próprio Schneerson”, pontuou a reportagem do jornal de Washington.
“Acredito que o messias está chegando e que o rebe é o melhor candidato para ser o messias”, declarou na época o rabino Joseph Aronov, então diretor-executivo do movimento em Israel. Em 1992, Aronov mandou instalar outdoors em Israel com frases como “prepare-se para a vinda do messias”.
O sociólogo e historiador israelense Menachem Friedman (1936-2020), professor na Universidade Bar Ilan, foi um profundo estudioso do movimento Chabad-Lubavitch.
Ele definia Schneerson como um “gênio da propaganda” responsável por revitalizar o “judaísmo ultraortodoxo conseguindo fazê-lo coexistir com o mundo secular moderno”.
No início dos anos 1990, Friedman avaliava que o rebe havia ido longe demais, já que “a maioria dos seus seguidores agora o apresenta abertamente como representante de Deus”.
Hoje em dia, a imensa maioria dos seguidores do movimento não segue a tese messiânica — ao menos é o que diz o porta-voz da sede da vertente nos Estados Unidos.
“A liderança principal do Chabad e o movimento como um todo rejeitam essa ideia”, esclarece o rabino Behrman.
“Embora um pequeno grupo marginal continue acreditando nela”, ressalva o rabino.
Em vida, o rebe jamais declarou explicitamente ser o messias.
“Inúmeros chabadnikim [os seguidores de Chabad] acreditam que o Lubavitcher Rebe [Schneerson] seja o mashíach [o messias], que não morreu, mas sim, se ocultou deste mundo e de novo ressurgirá”, comenta Hotz.
“Outros vários seguidores não acreditam na messianidade do rebe. A maioria absoluta dos judeus do mundo todo não acredita na messianidade do rebe.”
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O rabino Begun diz que o rebe Schneerson “cumpria a grande maioria” dos critérios, “de acordo com a lei judaica, conforme descrita nos livros haláchicos de Maimônides”, para ser reconhecido como messias, “incluindo o fato de ser descendente direto do rei David”.
“Por isso, é amplamente considerado um candidato legítimo, especialmente por causa da profunda transformação positiva que provocou no mundo contemporâneo”, ressalta ele.
“Cabe a nós, seus discípulos e seguidores, ou melhor, líderes, como ele nos ensinou a ser, dar continuidade à missão de refinar e elevar este mundo, preparando-o para a vinda eminente do verdadeiro messias”, diz Begun, completando que pode ser ele o próprio rebe ou “outro enviado” por Deus.
“O rebe, assim como o judaísmo, nunca enfatizou tentar descobrir e identificar o messias, e sim, fazer a nossa parte, por meio das práticas e boas ações para apressar a sua vinda.”
De qualquer forma, é um posto vago. Desde que Schneerson morreu, ninguém o sucedeu como rebe.
“Ao longo da história judaica, houve momentos em que um grande líder faleceu, deixando um vazio que ninguém de estatura equivalente conseguiu preencher”, diz Behrman.
“O sétimo rebe não deixou descendentes, nem indicou uma sucessão, não há necessariamente uma razão específica ou deliberada para isso, mas sim circunstancial”, argumenta Hotz.
“O movimento funciona já há quase 31 anos sem um rebe e não me parece haver qualquer expectativa entre os seguidores de que alguém ocupe o espaço do sétimo rebe de Lubavitch.”
“Um rebe não é apenas um líder político ou institucional, mas alguém dotado de qualidades excepcionais e de uma alma abrangente, muitas vezes, considerada insubstituível”, esclarece Begun.
“No entanto, o rebe não buscava formar seguidores passivos. Ele acreditava profundamente no potencial único de cada indivíduo para liderar à sua maneira, em seu próprio ambiente, e contribuir ativamente para transformar o mundo em um lugar melhor.”
“Por isso, o legado do rebe permanece vivo em cada pessoa que se inspira em seus ensinamentos e os traduz em ação”, acredita o rabino.
Influência e trabalho
Schneerson nunca pisou em Israel. Em 1928, quando se casou, ele se mudou para Berlim, na Alemanha. Com a perseguição dos nazistas aos judeus, ele se mudou primeiro para Paris, na França, em 1933.
Em 1941, com a França também ocupada pelas tropas de Adolf Hitler (1889-1945), fugiu para os Estados Unidos, baseando-se em Nova York.
Logo que chegou ao solo americano, acabou assumindo a gestão de organizações do Chabad, encarregado por seu sogro.
Sua relevância social e política cresceu, atingindo o ápice depois que ele herdou do sogro o título de rebe. Na função, ele passou a receber visitantes para reuniões privadas, os yechidus, que ocorriam nas noites de quinta-feira e de domingo, das 20h até alta madrugada.
Era comum que entre os que o procurassem estivessem políticos e lideranças de relevo mundial.
Entres os nomes que frequentavam essas reuniões estão os presidentes americanos John F. Kennedy (1917-1963), Jimmy Carter (1924-2024) e Ronald Reagan (1911-2004), o procurador-geral dos Estados Unidos Robert Kennedy (1925-1968), o parlamentar americano Franklin D. Roosevelt Jr. (1914-1988), entre outros.
Encabeçou diversas campanhas filantrópicas e era conhecido por uma ética própria de trabalho: diz-se que se dedicava à função 18 horas por dia e que nunca tirou férias desde que se tornou rebe.
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O Chabad-Lubavitch é uma vertente importantíssima para o judaísmo ortodoxo. De acordo com o rabino Behrman, porta-voz da sede americana, cerca de 1 milhão de crianças judias estão de alguma forma conectadas aos projetos mantidos pelo segmento, entre escolas, instituições, acampamentos de verão e programas extracurriculares em todo o planeta.
“Estima-se em torno de 500 mil o número de chassídicos no mundo inteiro, sendo aproximadamente 90 mil os seguidores da dinastia de Chabad-Lubavitch”, conta Hotz.
O historiador explica que dentre as “inúmeras correntes religiosas judaicas”, muitas delas acabaram se subdividindo “em vertentes e subvertentes”.
“A grosso modo, podemos dizer que o judaísmo apresenta as seguintes correntes, cada uma com diversas ramificações e vertentes: ortodoxia judaica, judaísmo tradicional, judaísmo conservador-igualitário, judaísmo reformista, judaísmo reconstrucionista, judaísmo renovador”, conta, lembrando que são as principais, “mas não todas.”
“Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, muitas dessas correntes se fecharam em si mesmas, adotando uma postura de isolamento tanto em relação ao mundo exterior quanto a outras vertentes do judaísmo”, comenta o rabino Begun.
“Chabad-Lubavitch, no entanto, sob a liderança do rebe, seguiu um caminho diferente. Acreditava ser essencial a busca e o resgate de cada judeu, independentemente de sua filiação ou nível de observância, com amor, respeito e orgulho por sua herança judaica, com o mesmo fervor com que Hitler tentou nos destruir.”
“A dinastia de Chabad está entre as mais conhecidas, embora não seja tão numerosa”, conta o historiador Hotz.
“Nesse sentido, é bem importante, sobretudo por ter como prática o envio de shluchím, os emissários, espécie de rabinos missionários para inúmeros lugares no mundo, mesmo onde quase não haja judeus, com o objetivo de difundir a mensagem de Chabad e receber judeus de outras partes do mundo que estejam em visita turística ou profissional nesses locais”, prossegue.
“Isso faz com que, mesmo não sendo tão numerosos, tenham uma presença forte e marcante onde se estabeleçam.”
Begun atribui essa preocupação à “filosofia inclusiva e visionária” do sétimo rebe.
“O Chabad passou a enviar emissários para os quatro cantos do mundo, estabelecendo instituições em mais de cem países e em todos os Estados americanos”, ressalta ele.
“Por meio de centros comunitários, escolas, sinagogas, yeshivot [escolas de formação rabínica] e projetos de assistência social, tem difundido a beleza do judaísmo e fortalecido os laços da identidade judaica em todas as partes do mundo, tornando-se a mais importante e influente corrente judaica.”