Lula na França: acordo UE-Mercosul, o ‘calcanhar de Aquiles’ da relação com Macron
Crédito, Getty Images
- Author, Julia Braun
- Role, Enviada especial da BBC News Brasil a Paris (França)
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A relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente francês Emmanuel Macron tem sido marcada por demonstrações de amizade em frente às câmeras, trocas de elogios e alinhamentos em temas como meio ambiente e governança internacional.
Durante a passagem do líder da França pelo Brasil em março de 2024, o clima afetuoso e as imagens descontraídas da dupla de presidentes na Amazônia renderam memes nas redes sociais e manchetes na imprensa mundial que destacaram o bromance — termo que contrai as palavras romance e brothers (irmãos, ou amigos, em inglês) — da relação.
E antes mesmo da chegada de Lula a Paris para sua visita de Estado nesta semana, Macron compartilhou em suas redes sociais uma mensagem direcionada ao chefe de Estado brasileiro que pareceu confirmar a continuidade da “lua de mel” diplomática.
“Vamos escrever a próxima página juntos?”, escreveu Macron na publicação, ao lado de uma foto que mostra as mãos dos presidentes e as bandeiras do Brasil e da França ao fundo.
No entanto, mesmo os relacionamentos mais promissores enfrentam seus pontos frágeis. No caso de Lula e Macron, o calcanhar de Aquiles atende pelo nome de acordo União Europeia-Mercosul, dizem especialistas.
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“A França hoje é considerada o maior obstáculo para que se avance com o processo de ratificação do acordo”, diz Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics (LSE) e especialista em Europa.
O avanço das negociações para colocar o tratado em vigor é tema é prioritário da política externa de Lula, mas encontra uma clara objeção por parte do governo de Emmanuel Macron — que comanda hoje a segunda maior economia da UE.
O acordo foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os legislativos de cada país de ambos os blocos.
O Palácio do Eliseu, residência oficial de Macron, disse ainda que o presidente estava em contato com a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, sobre o tema.
A oposição francesa se deve principalmente à forte objeção de produtores agrícolas. O setor alega que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
O presidente francês também já criticou o acordo por, segundo ele, não conter garantias suficientes contra o desmatamento, especialmente na Amazônia.
“[A discordância entre Brasil e França sobre o acordo] sempre gera um incômodo nesses encontros”, nota Pavese, que é professora do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).
‘Cenário predominantemente favorável’
O tema será abordado por Lula durante suas reuniões com Macron e sua equipe nos próximos dias, segundo o Ministério de Relações Exteriores (MRE).
“O tema do acordo Mercosul União Europeia tem sido suscitado pelo presidente Lula em todos os seus contatos com interlocutores europeus e com certeza será tratado também nos seus encontros com o presidente Emmanuel Macron”, confirmou o diretor do Departamento de Europa do Itamaraty, Flavio Goldman, durante o briefing sobre a viagem à França na última sexta-feira (30/5).
O diplomata disse ainda que o governo brasileiro tem notado um “cenário predominantemente favorável ao acordo” no Conselho Europeu, diante de elevação de tarifas comerciais pelos Estados Unidos.
Segundo Goldman, já há em países que vinham marcadamente se manifestando contrários ao acordo, como a Áustria, movimentações em favor do acordo no sistema político.
A expectativa entre o Itamaraty é que o pacto seja assinado até dezembro.
Também segundo o MRE, Lula deve levar a Macron suas críticas sobre a nova lei antidesmatamento europeia, que deve entrar em vigor no final deste ano.
A legislação determina que um grupo um grupo de sete commodities, entre elas carne bovina e soja, tenham sua entrada no bloco vedada se vierem de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.
Oficialmente, o bloco alega que a restrição é uma medida para que os consumidores europeus não financiem de alguma forma o desmatamento de áreas de floresta a partir do consumo de produtos oriundos dessas regiões.
O governo brasileiro, no entanto, teme que a medida possa afetar as exportações do país ao bloco que, em 2024, foi o segundo maior comprador de produtos brasileiros, totalizando US$ 48,23 bilhões.
‘É improvável que essa visita mude algo’
Analistas internacionais e especialistas que acompanham o desenvolvimento das negociações do acordo UE-Mercosul de perto, porém, ainda se mostram céticos sobre o futuro das negociações.
Para Carolina Pavese, o relacionamento cordial entre Lula e Macron e as trocas públicas de elogios não significam uma mudança de postura francesa em relação ao pacto.
A pesquisadora usa como exemplo o que aconteceu durante a visita do presidente francês ao Brasil há pouco mais de um ano. “Mesmo depois do ‘bromance’ amazônico, Macron ainda deu declarações muito duras em relação ao acordo”, afirma, em referência às assertivas do chefe de Estado sobre o pacto ser “inaceitável”.
“E é muito improvável que essa visita mude isso e creio que Macron vai ter muito cuidado em não deixar com que qualquer fala sua seja interpretada como uma mudança de posição”, opina Pavese.
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Segundo a professora do IMT, o presidente francês vive uma situação política interna frágil que poderia ser afetada por qualquer declaração positiva em relação ao pacto.
Em 2024, o presidente dissolveu o Parlamento e convocou eleições antecipadas após sofrer uma dura derrota na votação do Parlamento Europeu, que teve o partido de direita radical Rassemblement National (Reunião Nacional) como grande vencedor.
Nas legislativas no país, a coligação de Macron acabou ficando em segundo lugar, atrás da união de partidos de esquerda. O chefe de Estado conseguiu formar um governo se unindo com partidos da ala conservadora, mas ainda trabalha com um Parlamento fragmentado e depende do apoio de outras forças políticas para aprovar novas leis e projetos.
A ‘realidade pragmática’
Para Kevin Parthenay, professor de Ciência Política da University of Tours, apesar do bom relacionamento entre os dois chefes de Estado, ambos têm que enfrentar as “realidades pragmáticas” de sua política doméstica.
No caso de Macron, diz o especialista, isso envolve lidar com o setor agrícola de uma maneira que sua posição não seja abalada.
“Na França, é muito importante que um presidente tenha o apoio do setor político da agricultura”, diz.
Além disso, avalia Parthenay, todas as regras fitossanitárias e de proteção ao meio ambiente exigidas na França fazem parte das regulamentações de toda a União Europeia — ou seja, a exigência para seus cumprimentos ultrapassaria, em qualquer contexto, a vontade política de um único presidente.