Lei do licenciamento ambiental: entenda mudanças em 4 pontos e o que acontece agora
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Aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada de quinta-feira (17/7), o projeto de lei que cria novas normas para o licenciamento ambiental no Brasil poderá sofrer vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ser contestado no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo membros do governo e organizações não-governamentais.
De um lado, ambientalistas classificam o texto com o “PL (projeto de lei) da devastação” sob o argumento de que ele fragiliza mecanismos de proteção ambiental e coloca em risco a sustentabilidade de ecossistemas e a saúde da população.
Por outro lado, parlamentares da bancada ruralista defendem a lei aprovada argumentando que ela destravaria investimentos e facilitaria a execução de projetos de infraestrutura supostamente paralisados por pendências junto a órgãos ambientais.
Como foi aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados, a lei agora vai à sanção presidencial. Só então ela começa a entrar em vigor ou não. Caso haja vetos, ainda caberá ao Congresso mantê-los ou derrubá-los.
A aprovação do projeto aconteceu apesar de críticas de membros do governo contrários ao texto.
Entre eles, o da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Nas suas redes sociais, Marina reprovou a aprovação da lei.
“(A lei) flexibiliza ao extremo os procedimentos de licenciamento ambiental e fragiliza todo o arcabouço legal que sustenta a proteção socioambiental, sem trazer ganho de eficiência ou agilidade […] A proposta aprovada na Câmara impõe retrocessos estruturais e cria vulnerabilidades socioambientais e insegurança jurídica, podendo inclusive ser questionada na justiça por setores da sociedade”, afirmou a ministra em uma postagem.
Em entrevista ao jornal O Globo, Marina não descartou a hipótese de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetar trechos da nova lei aprovada e de, eventualmente, a lei ser questionada judicialmente no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Os processos de judicialização virão de todos os lados, da sociedade civil, da comunidade científica, do Ministério Público, de agentes públicos. Isso não vai alcançar o objetivo de agilizar, porque uma coisa é agilizar sem prejudicar a qualidade do licenciamento. Outra coisa é passar por cima da qualidade em nome da agilidade”, disse a ministra ao jornal.
Já o deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-PR), comemorou a aprovação.
“Finalmente, aperfeiçoamos uma legislação para destravar investimentos, desburocratizar o sistema e gerar oportunidade e renda ao país”, disse o parlamentar.
O licenciamento ambiental é uma etapa em que órgãos de controle avaliam a viabilidade ambiental de um determinado empreendimento. Nesta fase, as autoridades verificam o potencial poluidor de uma determinada atividade, se ela pode ser desempenhada em um determinado local e que medidas de mitigação dos seus impactos devem ser adotadas.
Mas o que o projeto muda na prática? Confira abaixo quatro pontos sobre as principais mudanças aprovadas pelo Congresso Nacional sobre o licenciamento ambiental.
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1. Licenciamento Ambiental Especial
Este tipo de licenciamento foi sugerido por uma emenda feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil – AP), durante a tramitação do texto no Senado Federal.
Esta modalidade prevê um processo de licenciamento ambiental mais rápido e simplificado para empreendimentos classificados pelo governo federal como estratégicos.
Atualmente, o licenciamento ambiental convencional é requerido independentemente de um determinado projeto ser considerado prioritário ou não para o governo.
A definição sobre quais projetos serão considerados estratégicos deverá ser feita pelo Conselho de Governo, que é um órgão de assessoramento da Presidência da República, a cada dois anos.
Um dos pontos criticados por ambientalistas é que este tipo de licenciamento fragiliza a atuação dos órgãos ambientais e poderá ser aplicado mesmo se o empreendimento puder causar grande degradação do meio ambiente.
Outra crítica é que a definição de projetos prioritários poderá passar por pressões políticas, como é o caso de projetos como a exploração de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, na Costa do Amapá, Estado por onde Alcolumbre é senador.
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2. Licenciamento por adesão
Outra alteração nas normas ambientais é a ampliação do uso do licenciamento ambiental por adesão e compromisso, o chamado LAC.
Este tipo de licenciamento é mais simples pois não há necessidade de o responsável pelo empreendimento apresentar ou realizar estudos de impacto ambiental. Estes estudos trazem informações sobre as consequências ambientais de um determinado projeto ou atividade econômica na localidade onde se planeja instalá-lo.
Atualmente, por determinação do STF, apenas empreendimentos de pequeno porte e de pequeno potencial poluidor poderiam utilizar este tipo de licenciamento.
A lei aprovada, no entanto, amplia esse tipo de licenciamento para empreendimentos de médio porte e de médio potencial poluidor.
Esse tipo de licença poderá ser utilizada para serviços e obras de duplicação de rodovias, pavimentação de estradas que já existem, instalação e ampliação de linhas de transmissão que estejam nas faixas de domínio das rodovias.
Para obter a licença, o responsável pelo empreendimento deverá apresentar apenas um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE). Este relatório deverá conter informações como a localização, dimensões e atividade que se pretende desenvolver.
No entanto, a análise desses dados pelos órgãos ambientais responsáveis não será obrigatória. Além de essa análise ser feita por amostragem, os deputados aprovaram que ela será facultativa.
Uma outra alteração na lei tem impacto direto sobre projetos como a pavimentação da BR-319, localizada entre os Estados de Rondônia e Amazonas. Ela cruza uma área preservada da região Amazônica e sua pavimentação é defendida por políticos e empresários dos dois Estados.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), no entanto, defende que a obra passe por um processo de licenciamento ambiental criteriosos para evitar que ela se transforme em vetor de desmatamento.
O projeto aprovado, no entanto, dispensa de licenciamento ambiental obras classificadas como serviços de manutenção e melhoramento de infraestrutura em instalações já existentes.
Um dos argumentos dos defensores da pavimentação da rodovia é justamente o fato de que ela já existe, portanto, seu processo de licenciamento deveria ser mais simples do que o de uma estrada construída do zero.
3. Mudanças para o agronegócio
A lei aprovada também prevê mudanças para o processo de licenciamento ambiental voltado ao agronegócio.
A principal delas é a dispensa de licenciamento ambiental para atividades como:
- cultivo de espécies agrícolas temporárias, semiperenes ou perenes
- pecuária semi-intensiva e extensiva
- pecuária intensiva de pequeno porte
- pesquisa agropecuária sem risco biológico
Atualmente, a depender da dimensão do empreendimento agropecuário, o produtor rural precisa ter uma autorização do órgão ambiental responsável e de uma avaliação sobre os possíveis impactos ambientais da atividade.
Pela lei aprovada, para que agricultores e pecuaristas desenvolvam suas atividades, bastará preencher um formulário auto-declaratório informando que a atividade não apresenta riscos ambientais e entregá-lo aos órgãos ambientais locais.
As medidas eram defendidas por ruralistas que argumentam que ela facilitaria investimentos no setor e dariam mais segurança jurídica. Ambientalistas, por outro, criticam a medida.
“O texto aprovado atende aos anseios do setor produtivo, ao evitar retrocessos e estabelecer segurança jurídica e ambiental para o país e para a economia”, disse o coordenador de sustentabilidade da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Nelson Ananias, em nota divulgada pela entidade.
Por outro lado, ambientalistas criticam
“Além das dispensas citadas, a proposta aprovada pela Câmara contempla um grande número de dispensas, expondo a lógica de desconstrução do licenciamento ambiental no país”, diz um trecho do posicionamento divulgado pela organização não-governamental Observatório do Clima, após a aprovação da lei.
4. Atribuição de responsabilidade
O texto também aprovou mudanças sobre o poder dos órgãos ambientais, indígenas e de proteção a comunidades quilombolas e ao patrimônio histórico. De acordo com a nova lei, apenas terras indígenas ou quilombolas que já foram demarcadas ficariam sujeitas à proteção dos órgãos federais responsáveis.
Em termos práticos, a Fundação Nacional do Índio (Funai) ou o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) só seriam ouvidos durante o processo de licenciamento ambiental de um empreendimento que afete uma terra indígena ou quilombola se elas já tiverem sido homologadas pela União.
Caso a terra ainda esteja no processo de homologação, a Funai e o Iphan ficarão de fora deste processo. Atualmente, os órgãos ambientais e indigenistas são consultados mesmo quando as áreas em questão ainda não foram homologadas.
Hoje, há 114 terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas pela União.
Uma nota técnica divulgada pela organização não-governamental Instituto Socioambiental (ISA) avalia que a nova lei poderá afetar negativamente uma área de áreas atualmente protegidas equivalente ao Estado do Paraná.
“Esse retrocesso geraria imediata judicialização perante o STF, pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, uma vez que o tema tem seu fundamento explicitamente tratado na Constituição Federal”, diz a nota.
Além disso, a lei aprovada na Câmara prevê a obrigatoriedade de análise apenas dos impactos ambientais diretos das atividades ou empreendimentos, não incluindo os impactos indiretos, que segundo cientistas, podem ser tão graves ou até mesmo pior que os impactos diretos.
No caso de empreendimentos localizados em unidades de conservação federais, por exemplo, a participação do órgão responsável, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, será obrigatória somente quando o empreendimento afetar diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento, que é a área localizada no seu entorno.
Ainda que haja impactos indiretos sobre a unidade de conservação, o órgão não deverá participar do processo de licenciamento.
Outra mudança é que os pareceres dos órgãos ambientais responsáveis pela unidades de conservação afetadas por novos empreendimentos não serão mais vinculantes.
Isso quer dizer que o ente que conduzirá o licenciamento poderá, se quiser, desconsiderar a posição do órgão responsável pela unidade de conservação contra um determinado empreendimento.