Julgamento de Bolsonaro: a prova de fidelidade de Tarcísio como testemunha de defesa do ex-presidente
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- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Ex-ministro de Bolsonaro, ele visitou o então presidente duas vezes no Palácio do Alvorada, no final de 2022, período em que planos golpistas teriam sido discutidos com autoridades do governo e comandantes das Forças Armadas, segundo a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A expectativa é que o governador negue no depoimento qualquer conhecimento sobre tentativas de manter Bolsonaro no poder após sua derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Ele já deu declarações públicas repudiando as acusações contra Bolsonaro.
Para cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, Tarcísio ser testemunha de defesa de Bolsonaro representa uma prova de lealdade a seu padrinho político, em meio à indefinição sobre quem será o candidato presidencial do campo bolsonarista em 2026.
“Tarcísio me parece não ter segurança se vai ou não para a campanha presidencial, mas parece identificar o papel de Bolsonaro como chave para o sucesso desse projeto [caso o governador concorra]”, nota Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria.
“Bolsonaro ainda é um nome relevante, a despeito de não ter direitos políticos. É pouco provável que uma campanha de direita competitiva exista sem, em alguma medida, um acordo com ele.”
Para o cientista político Antonio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o depoimento de Tarcísio ao STF vai fortalecê-lo junto a apoiadores de Bolsonaro.
“Naturalmente, vai aumentar o cacife do atual governo Tarcísio junto ao eleitorado bolsonarista. Haverá muita visibilidade de um momento que dá uma ligação especial de solidariedade do governador ao ex-presidente”, destaca.
“Do ponto de vista eleitoral, é extremamente proveitoso para o governador. Ao mesmo tempo, ele se torna, de alguma forma, credor, aumenta os créditos dele junto ao coração do Bolsonaro e de sua família”, ressalta.
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Tarcísio visitou Bolsonaro no dia em que minuta do golpe foi debatida, segundo PF
Com o depoimento do governador de São Paulo, a defesa de Bolsonaro tenta produzir provas contra as acusações de que teria liderado uma tentativa de golpe de Estado.
A expectativa é que o governador de São Paulo negue em seu depoimento ter tido qualquer conhecimento sobre conversas de teor golpista envolvendo Bolsonaro, ministros do seu governo e o comando das Forças Armadas.
“Há uma narrativa disseminada contra o presidente Jair Bolsonaro e que carece de provas. É preciso ser muito responsável sobre acusações graves como essa”, disse na ocasião.
“O presidente respeitou o resultado da eleição e a posse aconteceu em plena normalidade e respeito à democracia. Que a investigação em andamento seja realizada de modo a trazer à tona a verdade dos fatos.”
No final de 2022, Tarcísio já não integrava a administração Bolsonaro, porque renunciou ao cargo de ministro da Infraestrutura em março daquele ano para disputar o governo paulista com o apoio do ex-presidente.
Apesar disso, ele esteve duas vezes com Bolsonaro no Palácio Alvorada após as eleições de 2022, período em que a ideia de golpe de Estado teria sido discutida entre Bolsonaro e outras autoridades, segundo a PGR.
Os registros de entrada e saída do Alvoradas, levantados na investigação da PF, mostram que um dos encontros ocorreu em 19 de novembro, mesmo dia em que o Bolsonaro teria se reunido com Filipe Martins, seu então assessor de Assuntos Internacionais, para conversar sobre o golpe.
“A contextualização das informações prestadas pelo colaborador Mauro Cid com os dados obtidos pela investigação comprovou que o dia 19 de novembro de 2022 foi uma das datas em que ocorreu os encontros entre Filipe Martins e o então presidente Jair Bolsonaro para tratarem da minuto do golpe de Estado”, diz trecho do relatório da PF, com as conclusões do inquérito.
A outra visita de Tarcísio a Bolsonaro ocorreu em 11 de dezembro.
Expectativa de depoimento ‘dos mais sóbrios’
Os cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o governador adotará uma postura discreta no depoimento ao STF, reafirmando seu desconhecimento sobre qualquer plano golpista.
Para Rafael Cortez, o governador não precisa fazer uma “defesa enfática” para reforçar sua ligação com Bolsonaro.
“Obviamente, quando ele aceitou o custo de ser testemunha de defesa, já está havendo uma ligação política entre ambos. O benefício eventual da fidelidade já está dado. Ou seja, ele não precisa adicionar uma defesa enfática, sob pena de comprar briga com o Supremo Tribunal Federal”, diz Cortez.
“Então, eu imagino um depoimento dos mais sóbrios”, reforça.
Antonio Lavareda também espera um depoimento tranquilo, “diferente, por exemplo, da linha adotada pelo ministro Aldo Rebelo”.
Rebelo depôs como testemunha de defesa do almirante Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, que também é réu no processo. Ele é acusado pela PGR de ter colocado suas tropas à disposição de uma tentativa de golpe liderada por Bolsonaro.
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Obstáculos na disputa pelo Palácio do Planalto
Os analistas entrevistados consideram que a direita será competitiva na disputa de 2026, se o atual cenário de baixa aprovação do governo Lula se mantiver.
Apesar de o nome de Tarcísio ser fortemente cotado como concorrente ao Palácio do Planalto, eles veem alguns desafios para sua candidatura se concretizar.
O principal deles é a insistência de Bolsonaro em se colocar como candidato, mesmo estando inelegível. Lançar uma pré-candidatura presidencial nesse cenário é assumir o risco de perder o apoio do ex-presidente mais à frente, nota Cortez.
A questão é mais complexa no caso do governador de São Paulo, porque ele teria que renunciar ao governo paulista seis meses antes da eleição para poder concorrer.
Para Cortez, sua decisão teria que ser tomada ainda antes disso, pois, caso opte por disputar à Presidência, vai precisar planejar e articular politicamente quem seria candidato ao Palácio dos Bandeirantes no seu lugar.
Outro ponto é que o cenário atual indica uma reeleição fácil de Tarcísio para um segundo mandato em São Paulo, aumentando o custo de renunciar para enfrentar uma disputa mais incerta pelo comando do governo federal.
Para Antônio Lavareda, Tarcísio só poderá se viabilizar como candidato se sua candidatura ao Planalto for definida até dezembro. “Será que Bolsonaro vai dar esse presente de Natal para ele?”, questiona.
Na sua leitura, isso não deve ocorrer, porque Bolsonaro vai tentar repetir o que Lula fez em 2018, quando estava inelegível e preso.
Naquela eleição, o petista se manteve como candidato até o limite possível para registrar outro em seu lugar. Somente em setembro, a poucas semanas do primeiro turno, Fernando Haddad, atual ministro a Fazenda, assumiu a candidatura presidencial pelo PT, terminando derrotado no segundo turno.
“A maior preocupação dele [Bolsonaro] não é com a estratégia para a direita ter o melhor desempenho no ano que vem. Não, a preocupação dele é como manter ao máximo e durante o máximo de tempo possível a força política eleitoral associada a Jair Bolsonaro”, nota Lavareda.
“O problema do Tarcísio é de calendário. Para se desincompatibilizar em abril, ele precisa antes ter composto com sua base de apoio a sua sucessão ao governo de São Paulo”, reforça.
Se Bolsonaro for condenado por tentativa de golpe de Estado com pena de mais de 8 anos de prisão, ele será detido em regime fechado.
Lavareda, porém, acredita que, nesse cenário, o ex-presidente ficaria em prisão domiciliar, devido a seu estado de saúde, como ocorreu recentemente com o ex-presidente Fernando Collor.
Mesmo que esteja eventualmente preso na próxima campanha presidencial, os analistas acreditam que Bolsonaro continuará tendo papel central na disputa.
A expectativa, ressalta Cortez, é que Lula, ou outro possível candidato apoiado por ele, também vai trazer o bolsonarismo para a campanha, buscando transferir a rejeição de parte do eleitorado ao ex-presidente a outros candidatos do seu campo político.