Impeachment na Coreia do Sul: o ‘temperamento difícil’ de Yoon Suk Yeol
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Depois de meses de crise política na Coreia do Sul, o Tribunal Constitucional da Coreia do Sul decidiu nesta sexta-feira (4/4) que o presidente Yoon Suk Yeol cometeu abuso de poder ao declarar lei marcial em dezembro e o removeu permanentemente do cargo.
Yoon Suk Yeol provocou uma reviravolta política na Coreia do Sul — que até pouco tempo era considerada uma democracia pacífica e orgulhosa, admirada no mundo todo por suas séries de drama, sua música K-Pop e sua inovação tecnológica.
Agora, o tribunal constitucional da Coreia do Sul votou por unanimidade para manter o impeachment do presidente Yoon Suk Yeol.
Houve lágrimas de alegria e tristeza entre os apoiadores pró-Yoon e anti-Yoon, que foram às ruas antes do veredito. A polícia ficou de prontidão em caso de protestos violentos.
Em seus primeiros comentários após o veredito, Yoon diz que está “verdadeiramente arrependido” por não corresponder às expectativas do povo.
Sua breve declaração de lei marcial em dezembro passado mergulhou o país em turbulência política. Seus poderes foram suspensos pela primeira vez quando o parlamento votou pelo impeachment em 14 de dezembro.
Agora que Yoon foi afastado, uma eleição antecipada deve ser realizada em 60 dias.
Yoon também enfrenta uma acusação separada de insurreição que irá a julgamento em uma data posterior.
Mas a crise que Yoon desencadeou ainda não acabou. Embora seu uso da lei marcial tenha durado apenas seis horas, as consequências políticas só se intensificaram desde então.
Muitos ainda estão com medo devido ao que aconteceu naquela noite e com medo de que a ameaça da lei marcial possa ser usada novamente por futuros políticos zelosos.
A BBC conversou com algumas das pessoas mais próximas do presidente — seus amigos, confidentes e assessores políticos — para entender o que levou esse promotor, antes bem-sucedido e íntegro, famoso por sua crença em valores morais, a desencadear uma tomada de poder autoritária: uma decisão que derrubaria seu país, mancharia sua reputação internacional e destruiria sua carreira.
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Desde jovem, Yoon era “obcecado por vencer”, conta seu amigo mais antigo, Chulwoo Lee, nas semanas após a lei marcial.
“Quando ele decide algo, ele leva isso adiante de uma forma muito extrema.”
Lee era colega de primário de Yoon. Mais tarde, os dois estudaram direito juntos, antes de Yoon se tornar promotor.
Na escola, ele era o maior garoto da classe, disse Lee, o que significava que ele sempre se sentava no fundo para não bloquear a visão dos outros alunos.
Ele era popular e inteligente, lembra Lee, o que contradiz o mito de que Yoon teve dificuldades acadêmicas porque precisou de nove tentativas para passar no exame de advocacia.
Yoon frequentou a faculdade no início da década de 1980, quando o ditador militar da Coreia do Sul, Chun Doo-hwan, governava o país usando lei marcial.
Quando os militares massacraram manifestantes na cidade de Gwangju, a nação ficou horrorizada. Estudantes furiosos foram às ruas, mas, de acordo com Lee, Yoon “não participou muito” dos eventos da época.
“Ele não estava particularmente interessado no movimento estudantil ou na política”, disse Lee, mas tinha “uma forte crença na justiça”.
Lee se lembra de andar pelo campus um dia, quando eles viram uma garota sendo interrogada por dois policiais à paisana.
Yoon imediatamente começou a gritar com eles.
“Porque ele era tão grande e bravo, os policiais ficaram assustados. Eles praticamente fugiram”, ele disse. “Seu temperamento era incontrolável.”
Carreira política
Décadas mais tarde, Lee se veria como alvo do temperamento do amigo.
Como promotor público, Yoon consolidou sua reputação como um personagem explosivo que era quase obsessivamente guiado por um senso do que é certo e errado.
Mas ao longo dos anos, Lee se preocupou que suas investigações estivessem se tornando desnecessariamente agressivas. Quando ele ligou para Yoon para lhe dizer isso, “ele jogou o telefone do outro lado da sala” com raiva.
Naquela época, Yoon já era famoso, tendo investigado o serviço de inteligência em 2013 por corrupção, contra as ordens de seu chefe. Ele foi suspenso de seu trabalho, mas, de acordo com Lee, que o defendeu, o público o viu como corajoso por desafiar a pressão política.
Ao testemunhar, Yoon declarou: “Não devo lealdade a ninguém”.
Isso ficou evidente novamente quando ele processou e prendeu a presidente conservadora da Coreia do Sul, Park Geun-hye, que sofreu impeachment em 2018, tornando-o o queridinho da esquerda.
Isso lhe rendeu o cargo de promotor-chefe do governo de esquerda na época. Mas, em vez de bajular aqueles no poder, ele iniciou uma investigação sobre um de seus ministros. Foi então que Lee telefonou para avisar seu amigo que “ele estava cruzando uma fronteira sem volta”, o que enfureceu Yoon. Os dois não se falaram por mais de um ano.
Mas essa abordagem obstinada e apartidária lhe rendeu apoio. “Eu estava torcendo por ele porque ele sempre fazia a coisa certa, em vez do que seu chefe mandava. Eu sentia que deveria haver mais pessoas como ele”, disse um amigo, Shin*, que pediu para permanecer anônimo.
Shin, que se refere a Yoon como seu irmão mais velho — um termo afetuoso na Coreia do Sul — afirma que ele era diferente de muitos promotores da época, que venderam sua influência casando-se com membros de famílias ricas e poderosas.
Mas ao investigar o governo, Yoon escolheu uma briga que não podia vencer, e foi afastado de seu cargo de promotor-chefe. Essa troca de lado o colocou como herói e vilão para ambos os lados da divisão política, dando a ele um apelo único.
Presidência da Coreia do Sul
Ainda assim, a decisão de concorrer à presidência não foi fácil, disse Shin.
A dupla se reunia regularmente para elaborar um plano de voo para sua carreira política. Eles se preocupavam com a falta de conexões políticas de Yoon.
“Se você foi um político a vida inteira, você tem pessoas te apoiando. Sem esses aliados, Yoon sabia que seria um presidente muito solitário”, disse Shin.
“Lamento muito tê-lo escolhido como nosso candidato”, admitiu o estrategista de campanha de Yoon, Kim Keun-sik, após a lei marcial.
Kim inicialmente se apaixonou pelos princípios de Yoon, mas disse que rapidamente ficou preocupado. “Ele não ouvia nenhum dos nossos conselhos. Ele só fazia o que queria — ele era teimoso demais.”
Ele tomava decisões espontaneamente, em particular, preferindo ouvir conselhos dos amigos com quem ia beber, disse Kim. “Nós tínhamos que continuar limpando a bagunça que ele fazia.”
No entanto, apesar desses sinais de alerta, ele foi escolhido como candidato presidencial pelo conservador Partido do Poder Popular da Coreia do Sul.
“Sabíamos que ele era um risco, mas achamos que ele nos daria a melhor chance de vencer nosso oponente”, disse Kim.
Depois de ser apoiado pelo partido, Yoon rapidamente deu uma guinada para a direita.
Segundo seus amigos, ele foi bombardeado por políticos e jornalistas de direita radical que “plantaram ideias em sua mente”.
Ele desenvolveu uma hostilidade extrema em relação ao partido de oposição, acreditando que a sigla tinha ligações com a Coreia do Norte.
“Fiquei muito triste, porque ele estava mudando”, disse Shin. “Ele queria vencer, e o conselho errado subiu à cabeça dele. Ele começou a pensar que estava envolvido em uma guerra.”
A essa altura, o amigo de escola de Yoon, Lee, estava alarmado.
“Ele entrou na política com um espectro tão amplo de apoio. Eu esperava que ele unisse o país. Mas ele se moveu tão rápido para a direita e estava perdendo apoio quase todos os dias.”
O problema, disse Lee, era que aqueles da direita radical eram fanaticamente favoráveis. Quanto mais apoio Yoon perdia, mais ele acreditava que tinha que confiar nesses leais, e mais para a direita ele deslizava.
Foi um ciclo autodestrutivo. Yoon venceu a eleição pela margem mais estreita da história da Coreia do Sul — 0,7%.
Presidente conflituoso
Após sua vitória, Lee enviou uma mensagem ao seu amigo de escola para cortar relações, preocupado com a direção que ele tomaria no país. “Eu o parabenizei e disse que o veria depois que ele cumprisse seu mandato.”
Quando assumiu o cargo, Yoon não só havia afastado seu amigo mais antigo, mas também muitos eleitores moderados, e se preparado para um confronto com a poderosa oposição que controlava o parlamento.
Ele trouxe seus instintos de promotor para a política. No entanto, os mesmos traços que o tornaram um promotor formidável o atrapalhariam como presidente.
“Normalmente, políticos sem experiência ouvem muito seus assessores, mas Yoon queria assumir o comando”, disse um de seus conselheiros políticos, que falou sob condição de anonimato.
O assessor, que trabalhava no gabinete do presidente, disse que Yoon argumentava seus pontos “em voz alta e com força”, tornando “desconfortável” expressar uma opinião alternativa.
Nos primeiros dias de sua presidência, a maior parte de sua equipe o pressionou para se sentar com o líder da oposição, para resolver suas diferenças e encontrar uma maneira de governar efetivamente, mas Yoon recusou, disse o assessor.
“Ele via o líder da oposição, Lee Jae-myung, como um criminoso.”
Em vez disso, Yoon se aliou a uma pequena facção dentro do gabinete presidencial que queria que ele “lutasse de frente com o partido”.
Rapidamente, aqueles que pressionavam pelo diálogo foram embora ou foram expulsos, deixando Yoon cercado por pessoas que concordavam com ele e burocratas de escalão inferior, com medo de falar.
Essa liderança otimista o levou a fazer um erro de cálculo estratégico — ele ignorou a necessidade de ser apreciado pelos eleitores. Ele seguiu adiante com políticas impopulares e se recusou a pedir desculpas por sua esposa, que havia antagonizado o público ao aceitar presentes de luxo.
“Ele não se importava o suficiente com o que as pessoas pensavam dele; se achavam que ele estava fazendo um bom trabalho ou não”, disse seu amigo Shin, que se lembra de ter lutado para convencer Yoon a se vestir elegantemente nos primeiros dias da campanha.
Yoon temia que bajular o público pudesse impedi-lo de atingir seus objetivos e esperava que as pessoas eventualmente reconhecessem que ele estava fazendo um bom trabalho, explicou Shin.
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O oposto acabou se revelando verdade.
Dois anos depois de sua chegada ao poder, seu partido sofreu uma derrota contundente nas eleições parlamentares, dando ao partido de oposição uma maioria ainda maior. Yoon ficou paralisado, incapaz de promulgar sua agenda.
“É arrogante dizer que você não quer ser popular, que não quer índices de aprovação”, disse Shin, rotulando isso como o “maior erro” de Yoon.
“Ele é uma pessoa engraçada e simpática. Poderia ter sido um presidente popular.”
Yoon parecia não se incomodar com a derrota eleitoral de seu partido.
“Ele disse que ainda podia dar ordens executivas e realizar muita coisa. Ele me disse para não me preocupar”, disse Linton, um político conservador e um dos confidentes próximos do presidente na época.
De acordo com vários depoimentos, foi nessa época que o plano de lei marcial de Yoon começou a tomar forma.
Agora, ele parecia estar completamente imerso em teorias de conspiração infundadas, vendidas por YouTubers influentes de direita radical cujo conteúdo ele estava consumindo. Ele acreditava que a oposição estava recebendo ordens da Coreia do Norte, ou pelo menos daqueles que idolatravam o regime, embora ele nunca tenha apresentado nenhuma prova.
Linton disse que Yoon falava repetidamente sobre como o partido de oposição estava sendo comandado por marxistas, comparando-os ao Partido Comunista Chinês. Ele pensou que, se estivessem no poder, eles transformariam a Coreia do Sul em um estado comunista autoritário e levariam o país à falência.
“Ouvi esse discurso pelo menos 15 a 20 vezes.”
Quanto mais forte a oposição ficava, mais teimoso Yoon se tornava, usando seu veto presidencial para bloquear as decisões do parlamento. Em troca, a assembleia cortou seus orçamentos, impeachment de um número sem precedentes de seus indicados políticos e tentou investigar sua esposa por corrupção.
De acordo com Linton, Yoon estava “irado”. “Eles estão tentando me derrubar, derrubar o governo e acabar com nossa democracia — e não podemos tolerar isso”, ele disse a ele.
Em 3 de dezembro, ele finalmente enlouqueceu.
“Ele via a lei marcial como um método para punir a oposição. Ele sentia que alguém tinha que enfrentá-los”, disse Linton.
“Uma vez que ele toma uma decisão, ele não hesita”, acrescentou, sugerindo que era improvável que Yoon tivesse pensado completamente em seu plano. “Foi uma decisão ruim, e ele está pagando as consequências agora, mas acho que ele sinceramente pensou que visava os melhores interesses do país.”
De forma indireta, seu colega de escola Chulwoo Lee concorda: “Ele tinha a ilusão de que poderia salvar a nação das ameaças comunistas, mas não tenho simpatia por ele; ele colocou nossa democracia em risco.”
Por mais equivocado que estivesse, Yoon fez o que achava certo, sem se importar muito com as consequências, ecoou Shin.
“Foi exatamente assim que ele viveu seus 30 anos como promotor. Nesse sentido, a lei marcial era algo que somente Yoon poderia ter feito.”
* Com reportagem de Jean Mackenzie, correspondente da BBC News em Seul