Guerreiras do k-Pop: como filme da Netflix virou febre global
Crédito, Netflix
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- Author, Julie Yoonnyung Lee
- Role, BBC Culture
Se você é um fã de K-pop ou não, provavelmente já ouviu falar dessa nova sensação global. O filme de animação Guerreiras do K-pop se tornou rapidamente um sucesso no mundo todo, liderando os rankings globais da Netflix com mais de 33 milhões de visualizações em apenas duas semanas, alcançando o top 10 em 93 países (atualmente ocupa a segunda posição no ranking global).
A produção tem inspirado fãs ao redor do mundo e a audiência já está pedindo por uma continuação. Mas não é apenas o filme que está chamando atenção.
Desde sua estreia, em 20 de junho, duas bandas fictícias que fazem parte da história — as Huntr/X e os Saja Boys — dominaram as paradas musicais, superando até mesmo os gigantes do K-pop como BTS e Blackpink.
Sete faixas da trilha sonora do filme estão hoje na Billboard Hot 100. As músicas alcançaram o topo das paradas do Spotify nos Estados Unidos, ocupando a primeira e a segunda posição.
Mas, o que está por trás desse sucesso extraordinário e por que isso ressoa tão forte com o público ao redor do mundo?
Crédito, Netflix
Guerreiras do K-pop conta a história de Huntr/x, um grupo feminino de K-pop formado por Rumi, Mira e Zoey, que além de serem estrelas globais, atuam secretamente como guardiãs do mundo.
Por trás do glamour dos palcos, elas protegem os fãs de ameaças sobrenaturais, enfrentando seus rivais e antagonistas, os Saja Boys.
O longa animado mistura ação com uma história sobre amizade, confiança e a importância de se manter fiel a sua identidade. Com visuais deslumbrantes, sequências de ação bem coreografadas, humor, um pouco de fantasia, e uma mensagem universal sobre autodescoberta, é fácil entender por que o filme conquistou o público.
Mas é a música do filme que tem sido a chave para o sucesso.
Maggie Kang, co-diretora coreana-canadense da produção, aparentemente se inspirou nos ídolos do K-pop que admirava durante a adolescência. O K-pop é o coração pulsante do longa.
No filme, a música do grupo se torna uma arma sobrenatural contra tantas forças sombrias. Cada trilha original intensifica os momentos de emoção.
“Diferente de outras animações, em que as músicas são geralmente inseridas para preencher espaços ou com uma pegada comercial, aqui elas foram integradas à narrativa de forma a enriquecê-la, e não distrair”, disse Lashai Ben Salmi, líder comunitária com foco em cultura coreana na Europa.
“Isso dá ao filme um nível surpreendente de maturidade.”
Crédito, Netflix
Sabendo da importância que a trilha musical teria, os diretores Maggie Kang e Chris Appelhans contaram com a expertise dos produtores do universo K-pop.
“Como queríamos que a música fosse realmente incrível, falasse diretamente com os fãs de K-pop e se encaixasse de forma legítima nesse universo, sentimos que era importante fazer parceria com uma gravadora coreana”, afirmou Kang durante uma coletiva de impressa da Netflix.
O filme só foi possível graças à ajuda de grandes nomes da produção musical, como Teddy Park, conhecido pelo seu trabalho com o Blackpink, e Lindgren, vencedor do Grammy que já trabalhou com BTS e TWICE. E, claro, isso teve impacto direto na audiência.
Amanda Golka, uma jovem criadora de conteúdo que mora em Los Angeles, disse à BBC que ela não é exatamente fã de K-pop, mas que ficou obcecada pelo filme e pelas músicas.
“Tenho colocado a trilha sonora do Spotify no volume máximo toda vez que estou no carro”, conta. “Eu acho fascinante como, por meio de diferentes culturas, a música se mostra uma linguagem universal.”
Para Kim Youngdae, crítico de música e etnomusicólogo especializado em K-pop, a produção conquista até mesmo quem têm pouco interesse pelo K-pop ou está apenas curioso.
“Nos últimos 20 ou 30 anos, o K-pop enfrentou muitas dificuldades para se integrar de forma natural ao que chamamos de cultura pop mainstream, como nos Estados Unidos ou no Reino Unido, por causa das barreiras culturais”, afirma.
“Mas a animação é uma forma muito eficaz de apresentar culturas desconhecidas em plataformas populares.”
Tradição encontra tendência
Outro fator-chave para a popularidade do filme é o crescente interesse pela cultura coreana no mundo todo. K-pop, filmes e dramas coreanos já se tornaram populares em mercados ocidentais como os Estados Unidos, e esse filme reflete essa mudança cultural com autenticidade.
A produção insere com cuidado elementos do cotidiano coreano, especialmente relacionados à comida e aos costumes, que são aspectos centrais da cultura coreana. Também retrata cenários marcantes, como as muralhas antigas que cercam Seul, Hanuiwon (clínicas tradicionais de medicina coreana), casas de banho públicas e a icônica torre de Namsan.
Essas escolhas refletem um esforço consciente de retratar a cultura coreana para além dos clichês e das imagens superficiais. Assim, o filme oferece aos espectadores coreanos um raro sentimento de representatividade que é precisa e respeitosa.
Para alcançar esse nível de autenticidade, a equipe de produção viajou para a Coreia do Sul e realizou uma pesquisas extensa sobre aspectos modernos e tradicionais da cultura coreana, desde vestimentas típicas até marcos icônicos de Seul.
“Nós fomos a vilarejos folk, observamos como são os tijolos e como as ruas são desenhadas em Myeongdong. Tiramos fotos porque capturar a sensação do lugar era muito importante”, disse Kang.
“Nós tentamos fazer com que o filme parecesse o mais coreano possível. E uma das formas de fazer isso foi adicionar elementos coreanos em cada cena e em cada aspecto do design.”
Crédito, Netflix
Um dos exemplos dessa sensibilidade cultural está na própria animação. Embora os personagens falem inglês na versão final, os animadores desenharam os movimentos da boca para combinar com os sons da pronúncia coreana.
As reações dos personagens são autenticamente coreanas, e eles também falam ou cantam palavras em coreano.
“Nós animamos o filme com a ideia de garantir que tudo isso soasse coreano, e que as reações dos personagens parecessem coreanas também”, contou Kang.
Além disso, o filme retrata com riqueza a cultura única do K-pop, mergulhando os espectadores no mundo dos fans. Estão presentes elementos autênticos como eventos de autógrafos, bastões de luz coloridos e placas com dizeres em coreano.
Tanto o grupo Huntr/x quanto os Saja Boys apresentam danças perfeitamente sincronizadas, conhecidas como Kalgunmu na Coreia. Com um entendimento profundo sobre a cultura K-pop, o filme convida o público a se conectar com os personagens como se eles fossem ídolos de verdde.
“Como o conceito era o K-pop, foi possível incluir várias bandas de K-pop. Não se trata de um grupo específico ou de uma era em particular, é sobre toda a cultura do K-pop”, explicou Kim.
Segundo ele, “os fãs de K-pop geralmente se concentram em grupos individuais, mas o filme celebra a cultura do K-pop como um todo, de forma mais ampla.”
O longa também cria uma mistura única entre a cultura tradicional coreana e o K-pop contemporâneo. O uso de espadas e leques pelo grupo feminino Huntr/x, por exemplo, lembra os fãs das Mudang, xamãs coreanas, enquanto os Saja Boys representam espíritos do mal vestidos como o “Ceifador coreano”.
O xamanismo coreano aparece em elementos simbólicos, como as árvores Dangsan (árvores deificadas) e os Dokkaebi (duendes coreanos). Mesmo as armas têm design inspirado na tradição coreana, enquanto o palco exibe pinturas tradicionais do país.
Dois mascotes — Derpy, um tigre, e Sussy, uma pega (ave) — têm um significado especial nas lendas populares do final da dinastia Joseon, simbolizando proteção e boa sorte.
Sob uma superfície vibrante, o filme traz uma mensagem universal sobre personagens que têm dificuldade para se aceitar, mas que acabam recuperando suas verdadeiras identidades. É uma jornada de amadurecimento que ressoa em diferentes culturas. Mesmo aqueles que não conhecem K-pop ou as tradições coreanas conseguem se conectar com esses assuntos.
“É sobre autoaceitação”, diz Golka. “Seus amigos podem não entender de cara, mas eles te amam e vão acabar entendendo. Eu acho que isso realmente tocou as pessoas.”