Guerra Israel x Irã: líder supremo do Irã ameaça ‘dano irreparável’ se EUA se unirem a Israel no conflito
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O conflito entre Israel e Irã entrou no sexto dia, com lançamento de mísseis entre os dois países e centenas de mortos.
O líder supremo do Irã fez alertas ao presidente americano, Donald Trump, sobre “danos irreparáveis” caso os militares dos Estados Unidos entrem no conflito ao lado de Israel.
Em mensagem transmitida na televisão estatal, o aiatolá Ali Khamenei afirmou que o Irã não se renderá, após declarações de Trump.
O presidente americano disse esperar algo “melhor que um cessar-fogo”, pediu uma “rendição incondicional” do Irã e afirmou saber onde está Khamenei, mas descartou “pelo menos por enquanto” lançar uma operação para matá-lo.
Os Estados Unidos consideram se juntar aos ataques de Israel às instalações nucleares iranianas, de acordo com informações da CBS News, parceira americana da BBC.
Questionado por jornalistas na Casa Branca, Trump não descartou a possibilidade. “Posso fazer isso, posso não fazer. Ninguém sabe o que eu quero fazer. Mas posso dizer o seguinte: o Irã está com muitos problemas e quer negocia”, disse.
Trump então repetiu sua afirmação — feita diversas vezes nos últimos dias — de que o Irã deveria ter se mostrado mais disposto a negociar antes do ataque israelense.
Especialistas avaliam que o conflito chegou a um momento crítico — e a decisão de Trump deve determinar o que acontecerá no Oriente Médio no futuro imediato.
Nas últimas horas, Israel atingiu duas instalações de produção de centrífugas iranianas, segundo o órgão de vigilância nuclear da ONU.
Já o Irã afirma ter atacado Israel com um míssil hipersônico.
Na madrugada de quarta-feira (18/6) no horário local, Israel atacou a Universidade Imam Hossein, na periferia leste de Teerã, e a unidade de produção de mísseis de Khojir, perto da capital iraniana, segundo a agência Reuters.
A unidade é considerada importante para a infraestrutura de mísseis balísticos do Irã e já foi alvo de ataques israelenses, em outubro passado.
Sobre a universidade, acredita-se que ela seja afiliada à Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, que foi criada para defender o sistema islâmico do país e é uma força militar, política e econômica significativa.
Enquanto isso, o Irã lançou seus mísseis Fattah-1 em direção a Israel, de acordo com veículos da imprensa iraniana alinhados ao regime, como a Mehr e a Press TV.
O discurso do líder supremo do Irã
A TV estatal iraniana exibiu uma mensagem de Khamenei na íntegra.
Ele afirmou que “os americanos e aqueles familiarizados com a política da região sabem que o envolvimento dos EUA neste assunto” representará “um golpe” para os americanos.
“Um golpe que será muito mais prejudicial do que qualquer dano que possa ocorrer ao Irã”, discursou ele.
Khamenei também considera a exigência de Donald Trump para que o Irã se renda como “irracional”.
O líder iraniano disse que “ameaças não têm impacto nos pensamentos ou no comportamento da nação iraniana”.
Esta não é a primeira vez que Khamenei fala sobre os EUA. Trump e o líder iraniano vêm trocando farpas na internet há algum tempo.
Na terça-feira (17/6), Trump afirmou ter “controle total e completo dos céus do Irã”.
Em outra publicação em sua plataforma Truth Social, ele alertou Khamenei: “Sabemos exatamente onde o chamado ‘Líder Supremo’ está escondido. Ele é um alvo fácil, mas está seguro lá. Não vamos matá-lo, pelo menos não por enquanto… [mas] nossa paciência está se esgotando”.
Uma última publicação pedia uma “rendição incondicional”.
Em uma enxurrada de publicações no X (o antigo Twitter) nesta quarta-feira, Khamenei escreveu que não é “sensato” dizer ao Irã para se render, acrescentando que eles “jamais se renderão em resposta aos ataques de qualquer pessoa”.
Outra publicação dele no X dizia: “Com retórica absurda, [Trump] exige que o povo iraniano se renda a ele… A nação iraniana não se assusta com tais ameaças.”
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As ações de Trump
A possível participação dos EUA no conflito, para auxiliar na destruição de instalações nucleares iranianas, já havia sido discutida na segunda (16/06), em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
Um alvo potencial seria uma unidade de enriquecimento de urânio em Fordow — só os americanos têm uma bomba capaz de destruí-la, explica o jornalista da BBC Jake Kwon.
Trump encurtou sua visita à cúpula do G7, no Canadá, para voltar na segunda-feira (16/6) aos EUA e tratar da crise no Oriente Médio.
O presidente americano deu declarações a jornalistas logo após a decolagem do Air Force One do Canadá. Ele afirmou que não estava retornando a Washington apenas para mediar um cessar-fogo entre Irã e Israel — ele queria mais do que isso.
Segundo ele, buscava “algo melhor que um cessar-fogo”.
Quando pressionado a explicar o que isso significava, manteve-se vago: disse querer “um fim real”, que poderia incluir “uma rendição completa” por parte do Irã.
Trump reiterou que o país persa precisaria abandonar totalmente seu programa nuclear.
Apesar disso, reconheceu que isso exigiria novas negociações — algo para o qual, segundo suas próprias palavras, ele “não está muito disposto no momento”.
O republicano voltou a criticar Teerã por não ter aceitado o acordo que ele teria proposto antes dos ataques israelenses começarem.
Uma conjuntura crítica
O jornalista Frank Gardner, correspondente de Segurança da BBC, avalia que a decisão de Trump “poderá moldar o que acontecerá no Oriente Médio”.
“A transmissão televisiva do Líder Supremo do Irã, Aiatolá Ali Khamenei, dissipou quaisquer esperanças equivocadas de que a República Islâmica estivesse prestes a pedir a paz”, diz Gardner.
“Ao contrário, o envelhecido aiatolá lançou seu próprio desafio a Trump, ameaçando retaliações terríveis se os Estados Unidos se juntarem aos ataques de Israel.”
O Irã pode ter sido severamente enfraquecido, não apenas pelos ataques aéreos israelenses sustentados dos últimos dias, mas também pela perda ou desmantelamento de seus representantes regionais no Líbano, Síria e Gaza, ressalta o analista da BBC.
“Mas ainda pode causar muitos danos. No topo de sua lista de alvos, caso os EUA ataquem o Irã, estarão as inúmeras bases americanas espalhadas por todo o Golfo. O quartel general da 5ª Frota da Marinha dos EUA em Mina Salman, no Bahrein, é um alvo óbvio, assim como as bases americanas no Iraque e no Kuwait”, afirma Gardner.
“Mas não para por aí. O ataque em massa com drones à indústria petroquímica da Arábia Saudita em setembro de 2019 foi uma lição salutar sobre a vulnerabilidade dos ativos econômicos do Golfo aos mísseis e drones iranianos”, aponta o analista.
“Se o regime iraniano sentisse que sua própria sobrevivência estava em perigo, ou se decidisse que seus vizinhos árabes do Golfo eram cúmplices no ataque, poderia muito bem ser tentado a atacar usinas de dessalinização, terminais de exportação de petróleo ou até mesmo minerar o estratégico Estreito de Ormuz, sufocando quase 30% do suprimento mundial de petróleo”, conclui Gardner.
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O jornalista Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte, aponta que os EUA poderiam tentar acelerar um desfecho para o conflito, acreditando que Israel está vencendo a guerra contra o Irã.
Por exemplo, fornecendo a Israel bombas de alta potência capazes de destruir bunkers, para atingir instalações nucleares iranianas, ou ordenando ataques com aviões americanos.
No entanto, o presidente americano não deu nenhuma indicação de que essa possibilidade esteja sendo considerada — e uma escalada como essa poderia desestabilizar ainda mais a região.
“Muitos com quem conversei, que conseguiram escapar de Teerã, estão preocupados com amigos e familiares que não conseguiram fazer as malas e partir”, relata Habibiazad.
Na noite de segunda-feira, Trump escreveu na Truth Social: “Todos devem evacuar Teerã imediatamente!”
Dados divulgados por ambos os governos até a manhã dessa terça-feira mostram que o conflito entre Israel e Irã deixou pelo menos 248 pessoas mortas, 224 no Irã e 24 em Israel.
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Já a organização sem fins lucrativos Human Rights Activists in Iran (HRANA) tem monitorado as vítimas desde o início dos bombardeios e contabiliza 452 mortos e 646 feridos no Irã.
Segundo a HRANA, 224 civis foram mortos e 188 ficaram feridos. Além disso, 109 militares foram mortos e 123 ficaram feridos, segundo a entidade. Há ainda 119 pessoas mortas e 335 feridas que ainda não foram identificadas.
As restrições no país dificultam a atuação rotineira de jornalistas, o que torna difícil verificar o número real de vítimas no conflito até o momento.
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Na segunda-feira, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), Effie Defrin, afirmou que Israel “enfrenta ameaças em várias frentes”.
“Enquanto trabalhamos para eliminar ameaças vindas do Irã, ainda estamos combatendo o grupo aliado deles, o Hamas, em Gaza”, disse ele.
Defrin afirmou que o Hamas ainda mantém 53 reféns “em condições brutais”.
“Não vamos descansar até que todos sejam trazidos de volta para casa”, conclui o porta-voz.
Mais cedo, ele havia afirmado que o país “assumiu controle aéreo total sobre Teerã”.
“Destruímos um terço dos lançadores de mísseis superfície-superfície do regime iraniano.”
“Estamos a caminho de alcançar nossos dois objetivos: eliminar a ameaça nuclear e eliminar a ameaça dos mísseis”, afirmou, em seguida, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, afirmou que a mudança de regime no Irã não é o objetivo da ação militar das Forças de Defesa de Israel (IDF). Pode até ser uma consequência, mas não é o objetivo, segundo ele.
As declarações foram feitas durante uma visita à cidade israelense de Rishon Lezion, no centro do país, que foi atingida por ataques iranianos.
Sa’ar disse aos repórteres que Israel tem três objetivos principais: “Antes de tudo, danificar severamente o programa nuclear [do Irã] — ainda não terminamos com isso.”
Ele afirma que o segundo objetivo de Israel é “danificar severamente o programa de mísseis balísticos do regime iraniano” e, por fim, “danificar severamente o plano de eliminação do Estado de Israel”.
O embaixador iraniano nas Nações Unidas (ONU), Amir Saeid Iravani, afirmou por sua vez que o Irã tem o direito à autodefesa e conduziu “operações defensivas proporcionais” aos ataques israelenses.
Mais cedo, Netanyahu tentou diferenciar os ataques israelenses dos iranianos, afirmando que Israel tinha como alvo ameaças nucleares e armamento com mísseis, enquanto o Irã teria como alvo civis.
Iravani rebateu. “O Irã, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, tomou medidas adicionais visando infraestruturas específicas em Israel como alvos legítimos que materialmente apoiaram sua ofensiva em andamento”, afirmou ele em carta ao Conselho de Segurança da ONU.
O embaixador também acusou Israel de atacar civis e infraestrutura civil.
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Na ocasião, autoridades israelenses argumentaram que o Irã estava avançando com seu plano de transformar urânio enriquecido em arma nuclear, o que seria um “perigo claro e presente para a própria sobrevivência de Israel”.
O repórter Hugo Bachega, correspondente da BBC no Oriente Médio, reportando de Jerusalém, afirma não haver sinais de desescalada ou de esforços diplomáticos no conflito entre Israel e Irã.
A morte de Ali Shadmani, que havia sido promovido a chefe do Estado-Maior no Irã após a morte de seu antecessor na semana passada, é mais um indicativo da inteligência que Israel tem reunido sobre autoridades-chave do Irã, diz Bachega.
“Um grande número de pessoas está fugindo de Teerã em meio ao temor de novos ataques”, afirma.
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Acordo nuclear frustrado
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Esmail Baghai, afirmou que, após o cancelamento das negociações nucleares entre EUA e Irã, os americanos precisam “condenar” os ataques israelenses contra o Irã para que as negociações continuem.
Baghai disse que as negociações são “sem sentido” na situação atual e acusou os EUA de serem “cúmplices” dos ataques israelenses.
O conselho da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) fez uma sessão de emergência nesta segunda-feira para discutir as repercussões dos ataques militares israelenses às instalações nucleares iranianas.
Na reunião, a AIEA afirmou que está acompanhando a situação atentamente e em tempo integral.
“Pela segunda vez em três anos, estamos testemunhando um conflito dramático entre dois Estados-membros da AIEA, no qual instalações nucleares estão sendo atacadas e a segurança nuclear está sendo comprometida”, afirmou Rafael Mariano Grossi, diretor da agência.
A AIEA “não ficará de braços cruzados durante este conflito”, acrescentou Grossi, pedindo por uma saída diplomática.
“Continuarei minha comunicação constante com as partes em conflito para buscar a maneira mais adequada de fazer isso acontecer”, colocou.
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A China fez um apelo a Israel e Irã para que tomem medidas para reduzir a tensão, enquanto os ataques de ambos os lados continuam.
“Instamos todas as partes a tomarem medidas imediatas para acalmar as tensões, evitar que a região mergulhe em uma turbulência ainda maior e criar condições para retornar ao caminho certo de resolução de problemas por meio do diálogo e das negociações”, disse o porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, na segunda-feira.
Os comentários foram feitos após outro porta-voz do governo chinês ter afirmado no domingo que “a China está disposta a desempenhar um papel construtivo no processo” de redução da tensão.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou ter dito ao premiê israelense no domingo que a diplomacia seria, em última análise, a melhor opção para lidar com o Irã, mas não chegou a pedir um cessar-fogo imediato.
Von der Leyen afirmou concordar com Netanyahu, em um telefonema, que “o Irã não deveria ter uma arma nuclear”.
Von der Leyen já havia criticado as ações de Israel em Gaza, mas afirmou que o descumprimento do Irã de tratados nucleares faz com que Israel tenha “o direito de se defender”.
“O Irã é a principal fonte de instabilidade regional”, disse a líder europeia.