Guerra em Gaza: por que plano de Netanyahu para o território ameaça dividir Israel, matar palestinos e enfurecer o mundo
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- Author, Jeremy Bowen
- Role, Editor de internacional da BBC News
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse à população israelense que “estamos às vésperas de uma incursão intensa em Gaza”. Segundo ele, Israel tomaria e manteria o território: “Elas [as tropas] não vão entrar e sair”.
A nova ofensiva foi planejada, de acordo com o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), Effie Defrin, para trazer de volta os reféns restantes.
Depois disso, “vem o colapso do regime do Hamas, sua derrota, sua submissão”, disse ele a uma rádio israelense.
Segundo Israel, a ofensiva não vai começar antes da viagem do presidente americano, Donald Trump, à Arábia Saudita, aos Emirados Árabes Unidos e ao Catar na próxima semana.
Supondo que Trump não dissuada Israel de seguir em frente, o país vai precisar de um milagre militar e político para obter os resultados descritos por Defrin.
Prolongar a guerra divide os israelenses, mata ainda mais civis palestinos e horroriza milhões de pessoas ao redor do mundo, inclusive muitas que se descrevem como amigas de Israel.
Enquanto as IDF atacam o Hamas em Gaza, o plano do governo é que seus soldados forcem alguns ou todos os mais de dois milhões de civis palestinos de Gaza a se refugiar em uma pequena área nas ruínas do sul.
A ajuda humanitária seria distribuída, talvez por prestadores de serviços, incluindo empresas americanas de segurança privada.
As agências humanitárias da Organização das Nações Unidas (ONU) disseram que não vão cooperar, condenando o plano como uma violação dos princípios da ajuda humanitária.
Elas também alertaram sobre a fome em Gaza causada pela decisão de Israel, há mais de dois meses, de bloquear a entrada de ajuda humanitária.
O bloqueio israelense, que continua, foi amplamente condenado, não apenas pela ONU e pelos países árabes.
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‘Pressão’ ou crime de guerra?
Agora, o Reino Unido e a União Europeia dizem que são contra uma nova ofensiva israelense.
Há duas semanas, os ministros das Relações Exteriores do Reino Unido, da França e da Alemanha, todos aliados de Israel que consideram o Hamas um grupo terrorista, alertaram que o bloqueio “intolerável” coloca civis palestinos, incluindo um milhão de crianças, em “risco acentuado de fome, doenças epidêmicas e morte”.
Os ministros também advertiram, implicitamente, que seu aliado estava violando o direito internacional.
“A ajuda humanitária nunca deve ser usada como uma ferramenta política, e o território palestino não deve ser reduzido nem submetido a nenhuma mudança demográfica”, afirmaram.
“Israel é obrigado, de acordo com o direito internacional, a permitir a livre passagem de ajuda humanitária.”
Israel nega que viole o direito humanitário internacional e as leis de guerra em Gaza. Mas, ao mesmo tempo, as palavras de seus próprios ministros sugerem o contrário.
O ministro da Defesa, Israel Katz, descreveu o bloqueio como a “principal alavanca de pressão” contra o Hamas. Isso soa como uma admissão de que o bloqueio é uma arma, embora mate civis de fome, o que equivale a um crime de guerra.
Os países e as organizações que acreditam que Israel viola sistematicamente suas obrigações legais, cometendo uma série de crimes de guerra, vão monitorar qualquer nova ofensiva em busca de mais evidências.
A linguagem extrema usada pelos ministros deve ter sido observada pelos advogados sul-africanos que defendem o processo em tramitação na Corte Internacional de Justiça (CIJ), alegando genocídio israelense em Gaza.
Grande parte desta linguagem vem de ultranacionalistas que apoiam o governo de Netanyahu. Eles veem a nova ofensiva como mais um passo para expulsar os palestinos de Gaza e substituí-los por colonos judeus.
Um dos extremistas mais eloquentes, Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças, disse que em seis meses Gaza seria “totalmente destruída”.
Os palestinos no território estariam “desesperados, entendendo que não há esperança e nada a esperar em Gaza, e buscariam realocação para começar uma vida nova em outros lugares”.
“Realocação”, a palavra usada por Smotrich, vai ser vista tanto por seus apoiadores quanto por seus inimigos políticos como outra referência à “transferência”, uma ideia discutida desde os primórdios do sionismo para forçar os árabes a saírem das terras entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo.
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Os críticos israelenses de Netanyahu dizem que prolongar a guerra com uma nova ofensiva, em vez de encerrá-la com um cessar-fogo, tem a ver com sua própria sobrevivência política — e não com a segurança de Israel ou com o retorno dos reféns.
Nos dias que se seguiram aos ataques de 7 de outubro, havia filas de carros estacionados às pressas do lado de fora das bases militares, enquanto os israelenses corriam para se voluntariar para combater o Hamas como reservistas.
Agora, milhares deles (algumas estimativas da esquerda israelense são mais altas) estão se recusando ao papel de reservistas.
Eles argumentam que o primeiro-ministro está continuando a guerra porque, se não fizer isso, a extrema direita vai derrubar o governo, e vai chegar o dia do acerto de contas pelas falhas e erros de cálculo que Netanyahu cometeu, e que deram ao Hamas a oportunidade de atacar.
Dentro de Israel, as críticas mais contundentes à ofensiva planejada vieram das famílias dos reféns, que temem ter sido abandonadas pelo governo que alega estar resgatando seus entes queridos.
O Hamas ainda mantém 24 reféns vivos na Faixa de Gaza, de acordo com Israel, e os corpos de outros 35 dos 251 sequestrados em 7 de outubro.
O governo de Netanyahu tem afirmado repetidamente que somente a maior pressão militar possível vai ser capaz de levar os sobreviventes para casa e devolver os corpos dos mortos às suas famílias.
Na verdade, as maiores libertações de reféns ocorreram durante cessar-fogo. O último acordo de cessar-fogo, que Trump insistiu que Israel assinasse nos últimos dias do governo de Joe Biden, incluía uma segunda fase planejada que deveria levar à libertação de todos os reféns e à retirada total de Israel de Gaza.
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Os aliados extremistas de Netanyahu disseram que derrubariam seu governo se ele concordasse com uma segunda fase de cessar-fogo.
Primeiro, Israel bloqueou a ajuda humanitária para pressionar o Hamas a concordar com um acordo renegociado que daria a Israel a opção de voltar à guerra mesmo após a libertação dos reféns.
Quando o Hamas se recusou, Israel partiu novamente para a ofensiva com um grande ataque aéreo na noite de 18 de março.
Desde então, Israel tem exercido uma pressão implacável sobre os palestinos em Gaza.
Uma nova ofensiva vai matar muito mais civis palestinos, agravar a miséria dos sobreviventes e dos enlutados em Gaza, e ampliar as divisões tóxicas dentro de Israel. Por si só, sem um acordo de cessar-fogo, é improvável que, como no passado, force o Hamas a libertar os reféns restantes.
A carnificina infligida por Israel dentro de Gaza tem sido um recrutador para o Hamas e outros grupos armados, de acordo com o governo do então presidente Joe Biden.
Vale a pena repetir as palavras usadas pelo secretário de Estado de Biden, Antony Blinken, em um discurso em Washington em 14 de janeiro.
“Avaliamos que o Hamas recrutou quase tantos novos militantes quanto perdeu”, disse Blinken. “Essa é a receita para uma insurgência duradoura e uma guerra perpétua.”
Quando ele falou isso, Israel afirmava que havia matado cerca de 18 mil combatentes palestinos dentro de Gaza. Desde então, mais pessoas foram mortas, e muito mais civis.
O ataque em grande escala de Israel quebrou a espinha dorsal do Hamas como organização militar estruturada há mais de um ano.
Agora, Israel enfrenta uma insurgência, que a história mostra que pode durar enquanto os recrutas estiverem preparados para lutar e morrer para derrotar o inimigo.