Gaza: os cinco estágios que levam à fome, segundo a ONU
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- Author, Rebecca Thorn e Angela Henshall
- Role, Repórteres de saúde, Serviço Mundial da BBC
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Nesta quarta-feira (30/7), o ministério de Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, informou que mais sete pessoas morreram de desnutrição nas últimas 24 horas na região. Isso eleva o total de mortes por falta de alimentos desde outubro de 2023 para 154, entre elas 89 crianças.
O presidente americano, Donald Trump, declarou que existe “fome real” em Gaza. Já o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, insiste que não é verdade.
Mas o chefe de ajuda humanitária da ONU, Tom Fletcher, afirma que são necessárias “imensas quantidades” de comida para combater a fome no território.
Na Cidade de Gaza, uma a cada cinco crianças sofre de desnutrição. E o número de casos aumenta todos os dias, segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (Unrwa, na sigla em inglês).
A ONU informou que os hospitais vêm admitindo pessoas em estado de severa exaustão, causado pela falta de alimentos, e que outras estão desmaiando nas ruas.
As Nações Unidas ainda não declararam fome no território, mas a Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (CIF) alerta que a Faixa de Gaza enfrenta risco crítico de enfrentar uma catástrofe humanitária causada pela fome.
O que é a fome e quando ela é declarada?
A Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (CIF) é o padrão global empregado para descrever o grau de dificuldade enfrentado pela população para obter alimentos nutritivos e acessíveis.
A fase mais grave — a Fase 5, Fome — indica uma situação que atende aos seguintes critérios:
- 20% das famílias enfrentam extrema falta de alimentos
- Pelo menos 30% das crianças sofrem de desnutrição grave
- Pelo menos dois adultos ou quatro crianças a cada 10 mil pessoas morrem todos os dias, devido diretamente à fome ou à interação entre a desnutrição e doenças
A previsão é que cerca de 469,5 mil pessoas provavelmente sofrerão insegurança alimentar catastrófica (Fase 5) entre maio e setembro de 2025.
Quando ocorrem estas circunstâncias, a ONU costuma declarar fome no território, às vezes em conjunto com o governo do país e, frequentemente, ao lado de organizações de ajuda internacional ou agências humanitárias.
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A fome é causada pela ausência prolongada de comida. Ela faz com que o corpo não receba calorias suficientes para atender suas funções básicas.
Normalmente, o corpo transforma o alimento em glicose. Mas, quando não há comida, ele começa a decompor glicogênio no fígado e nos músculos para liberar glicose para a corrente sanguínea.
Quando estes recursos são esgotados, o corpo se volta para a gordura armazenada e, eventualmente, a massa muscular, para a produção de energia.
A fome pode causar a contração dos pulmões, do estômago e dos órgãos reprodutores, gerando alucinações, depressão e ansiedade.
Algumas pessoas morrem de fome, mas as pessoas que sofrem de desnutrição aguda, muitas vezes, morrem de complicações como infecções no sistema digestivo ou respiratório, devido aos danos causados ao sistema imunológico.
A fome afeta cada pessoa de forma diferente.
“Você não fica gravemente desnutrido de repente”, explica a professora Charlotte Wright, pesquisadora sênior honorária de Nutrição Humana da Universidade de Glasgow, no Reino Unido. “Essas crianças podem ter contraído anteriormente sarampo, pneumonia, diarreia ou doenças similares.”
“Crianças que, antes, eram saudáveis, mas começaram a passar fome, ainda terão energia para comer e digerir alimentos, quando houver. Outras serão consumidas.”
Como a desnutrição afeta crianças e bebês?
A falta de alimentos na infância pode trazer consequências para toda a vida, como falhas de desenvolvimento cognitivo e atrasos do crescimento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o nanismo como o comprometimento do crescimento e do desenvolvimento das crianças, causado por desnutrição, infecções recorrentes e estímulos psicossociais inadequados.
Muitas vezes, essas crianças são mais baixas que o esperado para sua idade.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que a má alimentação durante a gravidez pode causar anemia, pré-eclâmpsia, hemorragia e morte das mães, além de natimortos, baixo peso ao nascer, desgaste muscular e atrasos no desenvolvimento das crianças.
As mães desnutridas também podem ter dificuldade para produzir leite nutritivo e em quantidade suficiente para alimentar seus bebês.
O médico Nuradeen Alibaba, da ONG Médicos Sem Fronteiras, afirma que as consequências podem durar para toda a vida. Ele é especializado no tratamento de crianças com desnutrição
“O nanismo é irreversível, ou seja, elas terão baixa estatura mesmo depois do período de desnutrição”, explica ele. “Isso as coloca em grande desvantagem.”
“Muitas vezes, existem também dificuldades permanentes de aprendizado, que podem ficar óbvias apenas quando elas entrarem na escola.” E a desnutrição “também suprime o sistema imunológico, o que os deixa muito susceptíveis a infecções”, segundo o médico.
“Um ponto importante que muitas pessoas não entendem totalmente é que, para as meninas, existe de fato um nível de desnutrição que pode causar infertilidade. E, se essas mulheres conceberem, a probabilidade de dar à luz bebês com baixo peso ao nascer é muito mais alta.
Outra possível complicação é a osteoporose.
“Ter ossos frágeis em idade avançada pode torná-los mais vulneráveis, pois eles não conseguem carregar adequadamente o peso do corpo. Por isso, até eventos pequenos podem causar fraturas”, explica Alibaba.
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Como tratar a desnutrição?
“Para combater esta crise, é preciso basicamente tomar duas medidas: levar mais comida para Gaza e também fornecer alimentos terapêuticos de custo mais alto”, explica Wright. “Os alimentos precisam ser urgentemente redirecionados para as crianças e suas mães.”
“A amamentação é a opção mais segura e higiênica para os bebês, mas é preciso alimentar a mãe para que ela possa alimentar a criança. E aqui está o verdadeiro desafio: garantir que os alimentos realmente cheguem até elas, não para os homens.”
“A mensagem fundamental é que as crianças e as mães precisam ser priorizadas e elas não necessitam de muito”, orienta o professor.
A repórter de saúde Smitha Mundasad, da BBC News Árabe, também recebeu formação em Medicina. Ela explica que a desnutrição pode causar inúmeros efeitos, principalmente entre as crianças. E que o tratamento nem sempre é fácil.
Em casos graves, quando a pessoa não consegue mais engolir, ela pode precisar de nutrição especialmente formulada em hospitais ou clínicas, além de “tratamentos para infecções e outras possíveis complicações”, afirma Mundasad.
“Em alguns casos, alimentar alguém com muita rapidez ou com alimentos errados pode ser perigoso. A resposta, portanto, não é apenas conseguir comida, mas a comida certa, e ter um sistema de assistência médica em funcionamento como apoio.”