Funeral do papa Francisco: como pontífice mudou ritual para que não pareça enterro de ‘imperador romano’
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Principalmente porque ele mesmo aprovou as novas regras sobre como os pontífices católicos deveriam ser enterrados.
Desde sua nomeação em março de 2013, Francisco tem procurado impor a ideia de uma Igreja “pobre e para os pobres”, com gestos de simplicidade, como não morar no apartamento privado dos papas no Vaticano, mas em um quarto na residência Santa Marta.
E isso também se reflete na maneira como seu enterro está organizado atualmente.
Em abril de 2024, Francisco aprovou a nova edição do livro litúrgico para os funerais papais, o “Ordo Exsequiarum Romani Pontificis” (Rito do Funeral do Romano Pontífice), no qual deu novas diretrizes sobre como os funerais dos chefes da Igreja Católica deveriam ser realizados.
A ideia principal, segundo o documento publicado em novembro de 2024, é simplificar e adaptar alguns ritos para “mostrar que o funeral do pontífice é o de um pastor e discípulo de Cristo, e não o de um poderoso deste mundo”.
Aliás, para muitos especialistas, esse é o principal objetivo das mudanças aprovadas por Francisco.
“Agora, trata-se mais do enterro de um bispo diocesano do que de um imperador romano, e essa era a mensagem que Francisco queria transmitir”, disse Massimo Faggioli, especialista em teologia da Universidade Villanova, nos EUA, à BBC News Mundo (serviços de notícias em espanhol da BBC).
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Um caixão em vez de três
De todas as mudanças implementadas por Francisco, talvez a mais notável tenha sido a eliminação do uso de três caixões, substituindo todos por apenas um.
Tradicionalmente, os pontífices eram enterrados em três caixões: um de cipreste, um de chumbo e um de carvalho, que se encaixavam um no outro.
A justificativa para o uso de três caixões foi criar uma cobertura hermética ao redor do corpo do Sumo Pontífice, além do simbolismo de cada material.
Francisco, por outro lado, será enterrado em um único caixão. No seu caso, será um simples caixão de madeira revestido com zinco.
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As três estações
Além do caixão, outras mudanças estão relacionadas ao processo que começa imediatamente após a morte papal, conhecido como as Três Estações.
Na primeira estação, com as modificações ordenadas pelo próprio Francisco, a confirmação da morte do papa é feita em uma capela particular e não em sua residência, como acontecia até então.
Isso porque o papa, diferentemente de seus antecessores, não morava no apartamento particular do Vaticano, mas na casa de hóspedes Santa Marta.
A confirmação da morte de Francisco inclui o ritual de três golpes com um pequeno martelo na cabeça do falecido, que deve ser realizado pelo cardeal Kevin Joseph Farrell, que oficia como camerlengo, a mais alta autoridade do Vaticano quando o papa morre.
Farrell deve chamar Francisco pelo primeiro nome três vezes. Se este não responder, ele deve dizer as palavras oficiais: “Vere papa mortuus est” (“Verdadeiramente, o Papa está morto”) e o anel papal é destruído.
O corpo deve ser colocado imediatamente no caixão.
A segunda estação vê o translado do corpo para a Basílica de São Pedro, presidido pelo camerlengo.
Nesse ponto, o catafalco — uma plataforma elevada coberta de veludo na qual o corpo do falecido papa era colocado durante a exposição aos fiéis na Basílica de São Pedro, no Vaticano — foi removido.
Agora, o corpo do papa ficará em seu caixão, sem seu bastão — outra mudança — à vista de todos os fiéis que desejam se despedir dele. Esse processo geralmente leva três dias.
Antes da missa de funeral, de preferência na noite anterior, as autoridades do Vaticano selarão o caixão.
A missa de funeral é o primeiro dia dos Novemdiales (ou Nove Dias Santos), que são as missas celebradas durante nove dias consecutivos pelo descanso eterno do pontífice falecido.
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Local de sepultamento
Na terceira estação, o falecido papa é enterrado.
A nova edição do “Ordo Exsequiarum Romani Pontificis” contempla, além do uso de um único caixão, “a introdução das indicações necessárias para um possível sepultamento em local diferente da Basílica Vaticana”.
Desde o início do século 20, todos os papas foram enterrados nas grutas sob a Basílica de São Pedro.
Francisco, no entanto, decidiu que seu local de descanso final seria a Basílica de Santa Maria Maggiore, localizada em Roma, fora do Vaticano.
Este lugar tinha um significado especial para o falecido pontífice: antes e depois de muitas de suas 47 viagens apostólicas, Francisco rezou diante da imagem da Virgem conhecida como “Salus Populi Romani” (“Protetora do Povo Romano”).
Em uma entrevista, ele deixou claro seu desejo: “Como sempre prometi à Virgem, e o local já está preparado, quero ser sepultado em Santa Maria Maggiore, porque é minha grande devoção. Antes, quando vinha a Roma, sempre ia para lá nas manhãs de domingo.”
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Em seu testamento, escrito em 2022 e divulgado pelo Vaticano em 21 de abril, Francisco deixou algumas instruções específicas sobre seu sepultamento nesta basílica.
“Sempre confiei minha vida e meu ministério sacerdotal e episcopal à Mãe de Nosso Senhor, Maria Santíssima. Por isso, peço que meus restos mortais descansem aguardando o dia da ressurreição na Basílica Papal de Santa Maria Maggiore”, escreveu.
“Peço que meu túmulo seja preparado no nicho do corredor lateral entre a Capela Paulina (Capela da Salus Populi Romani) e a Capela Sforzesca da mencionada Basílica Papal.
“O túmulo deve ser enterrado; simples, sem nenhuma decoração específica e com a única inscrição: Franciscus”, acrescentou.