Fraude no INSS: governo Lula anuncia ações de ressarcimento, sob pressão bolsonarista nas redes
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- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Até 9 milhões de possíveis prejudicados pela fraude serão notificados a partir de terça-feira (14/5) pelo aplicativo Meu INSS para que possam responder se autorizaram ou não descontos realizados por entidades associativas — instituições que, em tese, oferecem serviços a seus associados, em troca de mensalidades.
A partir das respostas dos beneficiários, o INSS tentará reaver, junto às entidades, valores descontados indevidamente, inclusive judicialmente. A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou nesta quinta-feira um pedido de bloqueio de R$ 2,56 bilhões em bens de doze entidades associativas investigadas, com objetivo de garantir recursos para o ressarcimento.
A gestão petista ainda não detalhou, no entanto, quando o ressarcimento será feito aos prejudicados caso as entidades não paguem o valor cobrado pelo INSS, já que batalhas judiciais costumam ser longas e não garantem a recuperação de tudo que foi roubado.
Também não foi explicado se haverá algum tipo de correção do valor descontado sem autorização. Segundo apurou a BBC News Brasil, há discussões internas sobre atualização monetária e por juros.
O governo não sabe ainda qual foi o valor total desviado, que pode chegar a bilhões de reais. A expectativa é identificar o montante após esse processo de notificação dos possíveis prejudicados.
O anúncio sobre o ressarcimento ocorreu em meio à forte ofensiva do campo bolsonarista, que usa o escândalo para acusar a administração Lula de corrupção. Um vídeo sobre esse tema compartilhado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) na terça-feira (6/5) viralizou.
A publicação do Instagram somou mais de 129 milhões de visualizações em dois dias.
Segundo investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF), o esquema começou antes da administração Lula, mas os valores desviados dispararam na sua gestão.
“Estamos falando do desvio de valores bilionários, de pessoas doentes e idosas. Dinheiro que deveria estar no bolso de quem trabalhou a vida inteira e hoje depende da aposentadoria para viver”, afirma Nikolas Ferreira, no vídeo.
“E, é claro, vão espalhar a narrativa de que tudo começou no governo anterior. E já percebeu que, no governo passado, tudo era culpa só do presidente, e, neste governo, nada é culpa do presidente?”, continua o deputado.
Governo e oposição trocam acusações sobre a responsabilidade pelo escândalo dos descontos associativos, mas o campo bolsonarista leva vantagem nas redes sociais.
Um vídeo em resposta a Nikolas Ferreira foi gravado pelo líder do PT na Câmara, o deputado Lindbergh Farias (RJ). A gravação tinha apenas 322 mil visualizações após 21 horas do seu compartilhamento no Instagram, enquanto o vídeo do bolsonarista já tinha dezenas de milhões após o mesmo tempo no ar.
O principal argumento do governo contra a oposição é que o esquema já existia no governo de Jair Bolsonaro (PL), mas apenas a gestão Lula combateu a fraude.
“Está muito claro que uma engenharia criminosa foi montada pelo governo anterior. Nós conseguimos desbaratar esta fraude, mas não foi fácil. Todos aqui sabem como nós encontramos o INSS, uma autarquia previdenciária desmontada, sem servidores”, disse, durante o anúncio das medidas de ressarcimento.
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Messias também respondeu a Nikolas Ferreira, sem citá-lo diretamente.
“Eu vi que teve um deputado que fez um vídeo com o objetivo de lacrar e causar terror e pânico na população. (…) Eu espero que ele pergunte ao antigo ministro da Previdência [do governo Bolsonaro] por que é que o Ministério da Previdência não adotou as providências necessárias para fazer investigação quando já havia indícios de denúncia de irregularidades”, reagiu o AGU.
Em seu vídeo, Ferreira diz que Bolsonaro agiu, sim, para combater a fraude, com a publicação da Medida Provisória 871, de 2019, primeiro ano do seu governo.
Essa MP exigia que as entidades comprovassem anualmente a autorização para descontos associativos. O texto da medida provisória, porém, foi alterado pelo Congresso, que ampliou esse prazo de revalidação para três anos. Depois, em 2022, a necessidade de revalidação foi derrubada pelo Parlamento, em outra MP.
As duas medidas provisórias que impediram a nova regra de revalidação foram sancionadas pelo então presidente, Jair Bolsonaro, que não vetou as decisões do Congresso.
Nikolas Ferreira também compartilha em seu vídeo informações imprecisas sobre outro tipo de fraude que está sendo investigada: possíveis empréstimos consignados liberados sem autorização dos aposentados.
Segundo reportagem do canal Globo News, auditoria do Tribunal de Contas da União identificou que, só no ano de 2023, houve 35 mil reclamações de empréstimos liberados indevidamente.
Ainda segundo o canal, o relatório informa que os empréstimos consignados movimentaram R$ 89,5 bilhões em 2023, ressaltando que não se sabe quanto desse valor seriam operações feitas sem consentimento do beneficiário.
A partir disso, Ferreira dá a entender em seu vídeo que a fraude do consignado em investigação alcançaria os R$ 90 bilhões.
“Nós estamos diante do maior escândalo de corrupção da história do nosso país”, disse.
O governo Lula também reagiu às suspeitas sobre as operações de consignado. O novo presidente do INSS, Gilberto Waller, determinou o bloqueio de novos empréstimos. Com isso, novas operações só serão autorizadas com reconhecimento facial do aposentado.
O que se sabe sobre o ressarcimento dos descontos?
Segundo Gilberto Waller, o INSS vai notificar 9 milhões de aposentados e pensionistas na próxima terça-feira (14/5) sobre descontos em seu benefício feitos por entidades associativas — instituições que, em tese, oferecem serviços a seus associados, em troca de mensalidades.
O aviso será feito por meio do aplicativo Meu INSS e o beneficiário deverá responder se autorizou ou não os descontos. Outra opção é ligar no 135, central de atendimento do INSS, para checar.
Caso o aposentado conteste o desconto, o INSS dará 15 dias úteis para as entidades comprovarem com documentos que o desconto foi autorizado.
Se não houver comprovação, haverá novo prazo de 15 dias úteis para a devolução do dinheiro pela entidade. Caso isso não ocorra, o governo vai buscar na Justiça esse pagamento por meio da Advocacia-Geral da União (AGU).
Diante da provável demora desses processos na Justiça, há expectativa de que o governo use dinheiro da União para ressarcir os prejudicados. No entanto, não foi estabelecido ainda um prazo para isso.
“Quando o INSS vai pagar no caso de total ausência de resposta [da entidade que fez o desconto não autorizado] ou no caso de fraude clara, isso a gente vai discutir. O momento vai ser divulgado, mas em breve. A ideia é que seja célere, em prazo que seja compatível com a necessidade do nosso segurado”, disse o presidente do INSS.