Fome em Gaza: ‘Pais estão famintos demais para cuidar das crianças’
Crédito, Reuters
O chefe da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (Unrwa, na sigla em inglês), Philippe Lazzarini, disse que uma a cada cinco crianças na cidade de Gaza está atualmente desnutrida.
Em um post na rede social X, ele declarou que a maioria das crianças atendidas pelas equipes da Unrwa está “esquelética, fraca e em alto risco de morrer se não receber tratamento urgentemente”.
“Os pais estão famintos demais para cuidar das crianças”, afirmou, acrescentando que “essa crise cada vez mais profunda está afetando a todos”.
Segundo Lazzarini, os profissionais de saúde da Unrwa, que atuam na linha de frente, estão “sobrevivendo com apenas uma refeição por dia, geralmente lentilhas”, citando relatos de funcionários desmaiando de fome durante o trabalho.
Ele também afirmou que a Unrwa tem caminhões cheios de comida e medicamentos aguardando na Jordânia e no Egito, e fez um apelo para que Israel permita que “parceiros humanitários levem assistência humanitária irrestrita e ininterrupta para Gaza”.
Crédito, Getty Images
‘Civis alvejados’
O Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) divulgou uma nova atualização na noite de quarta-feira (23/07) alertando que o nível de ajuda que está entrando em Gaza é “apenas um fio” se comparado à imensa necessidade da população.
“Com muita frequência, civis que se aproximam dos caminhões da ONU são alvejados a tiros.”
Israel acusou a agência humanitária de parcialidade. Nesta semana, o embaixador israelense na ONU, Danny Danon, afirmou que há “evidências claras de vínculos com o Hamas dentro da equipe da OCHA”.
Ontem, Israel anunciou que tomará medidas para restringir a atuação da OCHA e de seus funcionários em Jerusalém e Gaza, o que inclui a triagem de centenas de colaboradoras da agência e o veto à renovação do visto do chefe do escritório da organização.
A OCHA afirma que o secretário-geral da ONU, António Guterres, mantém plena confiança em sua atuação profissional e imparcial.
“Qualquer medida punitiva apenas aumentará obstáculos que já impedem a ajuda humanitária de chegar até as pessoas que estão com fome, dificuldades de deslocamento e privação.”
Crédito, Reuters
O Ministério da Saúde de Gaza divulgou um comunicado informando o número de pessoas que teriam morrido em consequência da desnutrição. Foram registradas duas novas mortes por fome e desnutrição nas últimas 24 horas — elevando para 113 o total de mortes atribuídas a essas causas.
No início da semana, o secretário-geral da ONU afirmou que os 2,1 milhões habitantes de Gaza enfrentam uma grave escassez de suprimentos básicos, que a desnutrição está “disparando” e que a “fome está batendo à porta de todos” no território.
A ONU também declarou que pelo menos 1.054 palestinos foram mortos por militares israelenses enquanto buscavam alimentos desde o dia 27 de maio, quando teve início um novo método de ajuda, a Fundação Humanitária da Gaza (GHF, na sigla em inglês), apoiado pelos EUA e Israel.
De acordo com a ONU, até 21 de julho, 766 pessoas foram mortas “nas proximidades” dos pontos da GHF e outras 288 “perto de comboios de ajuda da ONU e de outras organizações humanitárias”.
A Fundação Humanitária da Gaza utiliza empresas privadas de segurança para distribuir ajuda a partir de locais situados em zonas militares controladas por Israel.
Tanto Israel quanto os EUA dizem que o sistema de distribuição é necessário para impedir o Hamas de roubar a ajuda que chega.
Contudo, a ONU se recusa a cooperar com o esquema, classificando como antiético e afirmando que não há nenhuma evidência de que o Hamas esteja desviando ajuda humanitária de forma sistemática.
‘Não estamos à beira da fome, estamos passando por ela’
Aseel Horabi, uma médica em Gaza que trabalha com uma instituição britânica, disse que as pessoas estão vivendo uma “fome extrema”.
“Não importa quanto tempo eu passe tentando explicar, não vou conseguir descrever o sofrimento dessas pessoas. Elas estão exaustas. Estão cansadas dessa situação”, disse à BBC.
“Chegamos a uma situação desastrosa. Não estamos à beira da fome, estamos passando por ela.”
“Meu marido foi uma vez [até o ponto de distribuição de ajuda], depois foi uma segunda vez, e então levou um tiro”, conta.
“Se for para morrermos de fome, que assim seja. O caminho até a ajuda é o caminho para a morte. É uma estrada traiçoeira. Em alguns casos, é um bilhete só de ida”, afirma Horabi, que acrescenta:
“Eu vejo um número enorme de pessoas feridas chegando ao hospital. Às vezes recebemos até 50 feridos por dia. Durante o dia, não temos tempo nem de fechar os olhos, descansar um pouco ou mesmo beber uma xícara de chá, se ainda houver açúcar.”
Crédito, Reuters
Israel diz que ajuda está esperando para ser coletada em Gaza
O Cogat — um órgão das Forças de Defesa de Israel responsável por coordenar a logística entre Israel e a Faixa de Gaza — divulgou um novo comunicado na manhã desta quinta-feira (24/07).
Segundo a nota, na quarta-feira, 70 caminhões com alimentos foram descarregados nos pontos de entrada de ajuda, e mais de 150 foram recolhidos pela ONU e outras organizações humanitárias pelo lado palestino.
O órgão afirma que mais de 800 caminhões permanecem aguardando coleta.
Vale lembrar que a ONU e outras entidades já haviam indicado que seriam necessários pelo menos 500 a 600 caminhões por dia para alimentar uma população de dois milhões de pessoas em Gaza.
A ONU também tem dito repetidamente que enfrenta dificuldades para conseguir autorização de Israel para recolher os suprimentos que chegam e transportá-los por zonas militares. As hostilidades em curso, estradas severamente danificadas, saques, e a escassez de combustível agravam ainda mais os problemas.
Segundo a ONU, um dos principais problemas encontrado nas últimas semanas é a dificuldade de obter garantias por parte das forças militares de Israel que os palestinos não serão mortos enquanto tentam coletar ajuda dos comboios humanitários.