Filipe Martins, Silvinei Vasques e mais 4: STF torna réus acusados de integrar ‘núcleo operacional’ de tentativa de golpe
Crédito, STF
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
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Agora, eles serão processados criminalmente por cinco crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
A decisão da Primeira Turma — formada pelos ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux — foi unânime, em julgamento realizado nesta terça-feira (22/4).
Os novos réus são acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de integrar o núcleo 2 de uma organização criminosa que teria buscado interferir ilegalmente na eleição de 2022 e, depois, tentado impedir a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo a acusação, esse núcleo faria o “gerenciamento das ações” ordenadas pelo núcleo crucial, de onde teriam partido as principais decisões para a tentativa de golpe.
Para a PGR, os integrantes do núcleo 2 teriam direcionado a atuação de órgãos policiais, coordenado o monitoramento de autoridades, mantido contato com manifestantes acampados em frente ao Quartel General do Exército ou elaborado minutas golpistas. Ainda segundo a denúncia, sua ações teriam colaborado para o 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos Três Poderes.
Os seis novos réus negam qualquer ilegalidade. Eles responderão às seguintes acusações:
- Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor especial de Assuntos Internacionais de Bolsonaro, teria atuado na elaboração de uma minuta golpista para decretação de Estado de Sítio no país.
- Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, general da reserva e homem de confiança de Bolsonaro, teria participado do plano Punhal Verde e Amarelo, uma tentativa de matar Lula, seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
- Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro, também teria participado do plano Punhal Verde e Amarelo.
- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), é acusado de ordenar a operação que dificultou o fluxo de eleitores em locais de base eleitoral lulista, principalmente no Nordeste, no segundo turno da eleição de 2022.
- Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro e subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública no Distrito Federal em janeiro de 2023, é acusada de participar da elaboração da operação da PRF que atrapalhou o fluxo de eleitores e de ter sido omissa na mobilização de forças de segurança para conter os ataques de 8 de janeiro.
- Fernando de Sousa Oliveira, ex-diretor de Operações do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro e ex-secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF, também é acusado de participar da elaboração da operação da PRF que atrapalhou o fluxo de eleitores e de ter sido omisso na mobilização de forças de segurança para conter os ataques de 8 de janeiro.
Moraes crítica anistia durante julgamento
As defesas dos seis acusados negaram as acusações e reclamaram da condução do caso pela PGR e o STF.
Durante o julgamento, os advogados questionaram, por exemplo, a falta de acesso integral ao material coletado pela Polícia Federal durante o inquérito e o julgamento da denúncia pelo STF. Na visão das defesas, como nenhum dos acusados tem foro privilegiado, o caso deveria ser julgado na primeira instância judicial.
A Primeira Turma, no entanto, reiterou o entendimento do STF de que crimes contra o Estado Democrático de Direito devem ser julgados na Corte, independentemente dos acusados terem foro especial.
Os ministros também afirmaram que os réus terão amplo acesso ao material da investigação durante o processo para se defender.
O julgamento do núcleo 2 ocorreu no momento em que ganha força no Congresso a tentativa de parlamentares bolsonaristas de aprovar uma anistia para condenados e acusados de crimes relacionados ao 8 de janeiro de 2023.
Um pedido de urgência para acelerar a tramitação da proposta na Câmara já recebeu a assinatura da maioria dos deputados, o que aumenta a pressão sobre o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), para colocar a anistia em votação.
Moares aproveitou seu voto para criticar a tentativa de perdoar os envolvidos no 8 de janeiro. Centenas de pessoas já foram condenadas no STF, com penas que variam de um ano a 17 anos de prisão.
O ministro mostrou imagens da invasão dos Três Poderes e depois pediu uma reflexão das pessoas de “boa-fé”.
“Essas imagens são muito importantes para que as pessoas não esqueçam da gravidade do que ocorreu no 8 de janeiro, da gravidade que é tentar acabar com a democracia no Brasil”, criticou.
“As pessoas de boa-fé só deveriam refletir e se perguntar: se o que aconteceu pro Brasil acontecesse na sua casa? Se um grupo armado organizado ingressasse na sua casa, destruísse tudo, mas com a finalidade de fazer o seu vizinho mandar na sua casa, ou seja, afastar você e sua família do comando da sua casa, com violência, destruição, bombas, você pediria anistia para essas pessoas?”, disse o ministro.
“Então, as pessoas de boa-fé devem refletir sobre isso: se na minha casa eu não admitiria que destruíssem, usassem violência, grave ameaça para me tirar do comando da minha casa, por que eu vou admitir isso pro país, pra República que elegeu democraticamente os seus membros?”, continuou.
Crédito, Agência Brasil
Entenda julgamento
A PGR denunciou em fevereiro 34 pessoas por organizar e implementar uma suposta tentativa de golpe de Estado, apontando Bolsonaro como o líder da organização criminosa.
“A organização tinha por líderes o próprio presidente da República [Jair Bolsonaro] e o seu candidato a vice-presidente, o General Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”, escreveu o procurador-geral, Paulo Gonet.
A acusação optou por dividir os 34 denunciados em cinco núcleos. A estratégia gerou críticas da defesa dos acusados, mas o Supremo validou a opção da PGR, sob o argumento de que “cada núcleo tinha peculiaridades diversas”, conforme disse Moraes.
Segundo a denúncia, a organização criminosa teria atuado em várias frentes desde 2021 para levar à ruptura institucional em caso de derrota nas urnas — desde discursos atacando o sistema eleitoral brasileiro até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista, a chamada “minuta do golpe”.
Gonet citou ainda os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno da eleição em 2022, em especial em regiões onde Lula era favorito.
É destacada ainda a atuação dos denunciados no suposto plano “Punhal Verde Amarelo”, que teria como objetivo matar o vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente Lula, além de matar ou restringir a liberdade do ministro Alexandre de Moraes.
A PGR diz que Bolsonaro não só sabia do plano como “acompanhou a evolução do esquema e a possível data de sua execução integral”.
Bolsonaro também é acusado pelo procurador-geral de “omissão” nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Após virar réu em março, o ex-presidente se manifestou em nota contra as acusações.
Ele disse que é alvo “da maior perseguição político-judicial da história do Brasil, motivada por inconfessáveis desejos, por vaidades e por claros interesses políticos de impedir que eu participe e ganhe a eleição presidencial de 2026”.
“Me acusam de um crime que jamais cometi – uma suposta tentativa de golpe de Estado. Conversei com auxiliares alternativas políticas para a Nação, mas nunca desejei ou levantei a possibilidade da ruptura democrática. As mudanças nos comandos das Forças Armadas foram feitas sem problemas. Sempre agi nas quatros linhas da Constituição. Sempre!”, acrescentou.
O próximo julgamento na Primeira Turma do STF, marcado para 6 e 7 de maio, vai analisar a denúncia contra o núcleo 4, chamado também de “núcleo da desinformação”.
Com sete integrantes, o grupo seria responsável por propagar notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizar ataques virtuais a instituições e autoridades.
Já o julgamento do núcleo 3 está previsto para os dias 20 e 21 de maio.
Chamado também de núcleo operacional, esse grupo conta com 12 pessoas acusadas de monitorar autoridades e fazer pressão para o Exército apoiar um golpe. Esse grupo é composto principalmente por militares e policiais federais.