Faixa de Gaza: Histórias de pessoas mortas no conflito
Crédito, Arquivo de família
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- Author, Ethar Shalaby
- Role, BBC News Árabe
Um jovem que procurava comida e um homem adulto que passou meses com desnutrição estão entre os mortos na Faixa de Gaza na semana passada.
Na quinta-feira (24/07), o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas registrou mais duas mortes por desnutrição em 24 horas.
As agências humanitárias alertam que o cerco israelense à Faixa de Gaza vem causando “fome generalizada” que se espalha por todo o território.
Um porta-voz do governo israelense negou a situação, culpando o Hamas por criar a falta de alimentos e se apropriar da ajuda humanitária.
A ONU alerta que as condições humanitárias em Gaza estão se deteriorando em velocidade cada vez maior. Já a Organização Mundial da Saúde afirma que pelo menos 10% dos moradores de Gaza sofrem de desnutrição aguda.
A BBC conversou com pessoas do território que perderam entes queridos na semana passada.
Abdullah Jendeia, 19 anos
Abdullah Omar Jendeia, de 19 anos, foi morto no domingo (20/07), ao sair para procurar comida, segundo sua irmã Nadreen. Eles moravam na avariada casa da mãe em al-Sabra, no centro da Faixa de Gaza.
“Ele estava impaciente para sair e ir buscar um pouco de comida naquele dia”, conta Nadreen. “Eu disse a ele ‘coma apenas as lentilhas que sobraram’, mas ele se recusou.”
Ela conta que, às 16 horas locais (10 hs de Brasília), Jendeia saiu de casa e andou por mais de 5 km em direção ao norte, até um caminhão de ajuda que passa semanalmente pelo local.
Ele queria pegar alguns quilos de farinha para alimentar sua família e foi até lá com dois irmãos e alguns cunhados.
Perto das 11 horas da noite (5 da tarde, em Brasília), um dos irmãos, Mahmoud, telefonou para Nadreen. Ele contou que eles aguardavam o caminhão de ajuda, quando soldados israelenses subitamente abriram fogo contra eles.
Mahmoud contou a Nadreen que Jendeia foi morto e que ele e o outro irmão ficaram feridos.
“Era uma alegria estar com ele”, ela conta. “Ele era bondoso e engraçado ao mesmo tempo.”
Nadreen relembra os passeios que ela e Jendeia costumavam fazer à tarde, na praia de Gaza, quando eles eram mais jovens. “Ele adorava futebol e outros esportes.”
Ela conta que Jendeia costumava trabalhar com os lojistas locais, ajudando a carregar frutas e legumes. “Ele sonhava em abrir um novo negócio depois da guerra”, segundo Nadreen.
As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) afirmaram, sobre o caso de Jendeia, que trabalham para desmantelar as instalações militares do Hamas e tomaram as precauções possíveis para reduzir os danos aos civis.
As IDF declararam que poderiam “responder melhor à consulta se fosse possível fornecer as coordenadas” de localização do incidente.
A agência de defesa civil de Gaza, administrada pelo Hamas, afirmou que disparos israelenses mataram um total de 93 pessoas e feriram dezenas de outras em toda a Faixa de Gaza naquele dia, principalmente perto dos pontos de ajuda humanitária.
Falando sobre um incidente específico no norte de Gaza, o exército israelense declarou que soldados dispararam tiros de advertência contra uma multidão “para retirar uma ameaça imediata”, mas contesta o número de mortos.
Ahmed Alhasant, 41 anos
Crédito, Arquivo de família
Ahmed Alhasant, de 41 anos, morreu na terça-feira (22/07). Seu irmão, Yehia, afirma que “ele morreu de desnutrição — dia após dia, ele ficava cada vez mais fraco”.
Yehia conta que seu irmão começou a ficar doente depois que Israel impôs um bloqueio de ajuda a Gaza, no mês de março. Desde maio, Israel permite a entrada de alguma ajuda no território, mas os grupos humanitários afirmam que está longe de ser suficiente.
Alhasant também era diabético e, por três meses, não conseguiu comida nem bebida suficiente. Ele comia apenas pedaços de pão e, ocasionalmente, comida enlatada, segundo Yehia.
Por isso, seu peso desabou de 80 kg para 35 kg e sua saúde se deteriorou rapidamente, segundo seu irmão.
“Sua fala ficou desarticulada e, às vezes, mal conseguíamos entendê-lo”, relembra Yehia.
O primo de Alhasant, Refaat, conta que a família o levou para o hospital, mas “eles diziam ‘ele precisa de comida, não de remédios’. Por isso, nós o levamos de volta para casa.”
Yehia conta que Alhasant “morreu pacificamente” em casa, na cidade de Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza. Ele costumava instalar antenas de televisão por satélite e era fã de futebol.
“Ele tinha personalidade forte e era uma das pessoas mais gentis que já conheci”, segundo seu irmão.
Mohamed Kullab, 29 anos
Crédito, Arquivo de família
Mohamed Kullab, de 29 anos, foi morto em um ataque aéreo no dia 22 de julho, segundo seu cunhado, Amar Ragaida.
Ele conta que Kullab estava descansando na sua tenda, em um campo para palestinos deslocados na região de al-Qadesiya, no oeste da cidade de Khan Younis, no sul de Gaza.
Foi quando um ataque aéreo atingiu a região, entre 17 e 18 horas locais (entre 11 horas da manhã e meio-dia, hora de Brasília).
“Ele estava sozinho”, conta Ragaida. “Soubemos que ele foi morto algumas horas depois do bombardeio, quando algumas pessoas telefonaram para sua irmã, informando que ele havia morrido.”
Ele conta que falou com Kullab no dia anterior à sua morte. Eles se encontraram por acaso enquanto procuravam por ajuda.
“Ele me disse ‘não vá sozinho, vou tentar conseguir um pouco de farinha para você’. No dia seguinte, ele estava morto.”
Kullab deixou uma irmã e um irmão mais jovem, totalmente dependentes dele, segundo Ragaida.
“Kullab era um jovem de respeito, cheio de vida”, relembra ele. “Ele não faria nada de desnecessário e todos à sua volta o adoravam.”
As IDF emitiram uma declaração similar à fornecida para Abdullah Jendeia, afirmando terem tomado “precauções possíveis para reduzir os danos aos civis” e que precisariam das coordenadas do local da sua morte para examinar o caso.