EUA sancionam Alexandre de Moraes através da Lei Magnitsky
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Os Estados Unidos impuseram nesta quarta-feira (30/7) novas sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, se utilizando para isso da da Lei Global Magnitsky, uma das mais severas disponíveis para Washington punir estrangeiros que considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
Esta é a primeira vez que uma autoridade brasileira é submetida a tal punição.
A possibilidade de aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes havia sido citada pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, em maio, em resposta ao deputado republicano Cory Mills, da Flórida.
Mills tem articulado com o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro e que está morando nos EUA.
A Lei Magnitsky só foi usada antes para punir juízes em governos considerados autoritários, onde o Judiciário não tem independência, e em casos em que magistrados foram cúmplices de violações dos direitos humanos.
A afirmação é de Adam Keith, diretor sênior de responsabilização de uma organização sediada nos Estados Unidos de proteção de direitos humanos, a Humans Rights First, criada em 1978.
“As sanções globais [da lei] Magnitsky têm o objetivo de responsabilizar autores de corrupção e de graves violações de direitos humanos, normalmente violentas.”
“Fora desse tipo de contexto, sancionar um juiz por suas decisões judiciais provavelmente seria um uso grave e sem precedentes dessas sanções”, disse ele à BBC News Brasil, antes da confirmação das sanções a Moraes nesta quarta.
Esta é a quarta rodada de sanções impostas pelos EUA ao Brasil, desde que o presidente americano Donald Trump subiu o tom contra o país, criticando o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro no processo em que ele é acusado de tramar um golpe de Estado.
Em 9 de julho, Trump anunciou tarifas de 50% contra produtos brasileiros; em 15 de julho, o governo Trump anunciou investigação sobre o que chamou de práticas comerciais “desleais” do Brasil; e, no dia 18, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, anunciou a revogação do visto americano do ministro Alexandre de Moraes e de seus familiares e “aliados”.
O que é a Lei Global Magnitsky
Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.
Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.
Desde então, a lei passou a ter aplicação global.
Em 2017, pela primeira vez a lei foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.
Na ocasião, três latino-americanos foram alvo de sanções por corrupção e violações de direitos humanos: Roberto José Rivas Reyes, então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Juárez Ramírez, deputado da Guatemala; e Ángel Rondón Rijo, empresário da República Dominicana.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano. Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato administrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.
Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.
Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.
A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.
Ofensiva contra Moraes e o STF
A movimentação em torno da Lei Magnitsky representa um esforço para internacionalizar o embate político entre bolsonaristas e o judiciário brasileiro.
Sanções americanas a Moraes são uma das pautas mais defendidas por Eduardo Bolsonaro e outros militantes de direita radicados nos Estados Unidos.
Eles afirmam que Moraes e outros integrantes do STF estariam conduzindo uma perseguição judicial contra Bolsonaro e contra outros políticos e militantes de direita.
No pano de fundo, está também a tensão entre o Judiciário brasileiro e as plataformas digitais.
Moraes foi alvo de críticas do ex-senador Rubio após ordenar o bloqueio da rede social X no Brasil, em agosto de 2024. À época, Rubio classificou a medida como uma “manobra para minar liberdades básicas”.
No início de maio, o governo americano enviou um representante do Departamento de Estado ao Brasil pela primeira vez — o chefe interino da coordenação de sanções internacionais, David Gamble.
Desde que a vinda da comitiva norte-americana foi confirmada, surgiram rumores de que um dos assuntos seriam sanções a membros do STF como Moraes — relator de diversos processos que tramitam contra Bolsonaro e seus apoiadores na Corte, como os relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Na postagem em que anunciou a ida da equipe do Departamento de Estado ao Brasil, Eduardo Bolsonaro fez uma menção ao ministro.
“Quando eu disse que a batata do Alexandre de Moraes estava esquentando aqui nos Estados Unidos, pode ter certeza de que está esquentando de verdade. Se Deus quiser, os violadores sistemáticos de direitos humanos […] vão ser punidos”, disse o parlamentar licenciado.
Em fevereiro, Moraes foi processado pessoalmente pela empresa de mídia de Trump, a Trump Media & Technology Group (TMTG), em conjunto com a rede Rumble, que havia sido bloqueada no Brasil por ordem de Moraes.
A ação, movida na Flórida, questionou o poder do ministro para tomar decisões sobre conteúdos postados na Rumble e sobre a monetização destes conteúdos.
O processo foi iniciado horas depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar Jair Bolsonaro como suposto líder de uma organização criminosa que teria planejado a ruptura democrática do Brasil após as eleições de 2022.
Em outra frente, parlamentares republicanos lideram, na Câmara dos Representantes dos EUA (equivalente à Câmara dos Deputados, no Brasil) um projeto batizado de “No Censors on our Shores Act” (“Lei Sem Censores dentro de nossas Fronteiras”, em tradução livre).
O projeto prevê a deportação ou a proibição de entrada em território americano de autoridades estrangeiras que tenham infringido a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que trata da liberdade de expressão.