Eleições em Portugal: coalizão de centro-direita tem maior votação, e direita radical cresce de novo
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A coalizão de centro-direita Alternativa Democrática (AD), do atual primeiro-ministro Luís Montenegro, foi a mais votada nas eleições gerais de Portugal neste domingo (18/5), com 32% dos votos.
Mas ainda não está claro se a AD, formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo Centro Democrático Social (CDS), terá votos suficientes para formar um governo sem a necessidade de negociar com outras siglas.
O Chega (CH), da direita radical, cresceu em relação à última votação e disputava cabeça a cabeça o segundo lugar com o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda. Com quase 100% das urnas apuradas no fim da noite de domingo, as duas forças políticas alcançavam entre 22% e 23% dos votos.
O partido de André Ventura já tinha conseguido na eleição passada um aumento de 12 para quase 50 deputados, mas não chegou a entrar no Executivo.
Montenegro, da AD, disse à época que não negociaria com o Chega.
Num país acostumado com governos estáveis, Portugal atravessa agora um período conturbado com três eleições legislativas em três anos e uma sucessão de governos que não conseguiram levar seu mandato até ao fim.
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Pano de fundo: segurança e imigração
Apesar de Portugal estar no top 10 de países mais seguros do mundo do Global Peace Index, o atual governo dedicou boa parte da sua plataforma eleitoral à segurança no país, sempre em torno da “necessidade de reforço”.
“Temos uma estratégia de maior policiamento e maior visibilidade. De forma eficiente e eficaz queremos diminuir a criminalidade, sobretudo a violenta”, disse o premiê durante a campanha.
Meses antes, foi polêmica a ação policial desencadeada no bairro de Martim Moniz em Lisboa, um bairro caracterizado pela imigração asiática. As imagens mostravam um enorme aparato policial, dezenas de imigrantes encostados à parede dos edifícios, de mãos para o alto, sendo revistados pelos policiais, no que foi denominado como uma “operação especial de prevenção criminal”.
No fim, foram apreendidos 4 mil euros, uma faca e um celular. “Não gostei de ver, mas tinha de ser assim”, foi a reação do primeiro-ministro no Parlamento, quando foi confrontado pela oposição.
Já durante a campanha, o governo anunciou a expulsão de 18 mil imigrantes, dos quais 449 são brasileiros, por não cumprirem os requisitos para continuarem no país. A decisão anunciada faz parte de um processo de regularização de imigrantes que conta com mais de 110 mil pedidos e dos quais, segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, “a maioria será deferida”.
“Em ciência política isso se chama fenômeno de acomodação dos temas dos partidos mais radicais. Pelo menos em teoria, a estratégia do governo de Montenegro é esvaziar, em termos programáticos, a agenda do Chega, assumir os temas que lhe são mais caros, adotar medidas que estão mais associadas a ele e, com isso, retirar os motivos que os eleitores teriam para votar no Chega, atraindo eles à AD”, explica o cientista político Hugo Ferrinho.
Por que Portugal vive instabilidade política?
Tudo começou em janeiro de 2022, após o socialista António Costa ter visto os seus parceiros de governo rejeitarem seu orçamento de Estado. Novas eleições foram convocadas, e o partido de Costa obteve uma maioria absoluta rara hoje em dia.
E quando todos se preparavam para quatro anos de estabilidade, o socialista acabaria por se demitir dois anos depois, ao se ver envolvido num suposto caso de corrupção e tráfico de influências na concessão de projetos energéticos no país.
Costa, que sempre negou ter cometido qualquer ato ilícito, prestou depoimento espontaneamente no tribunal, respondendo a todas as questões e saindo sem qualquer acusação formal. Na sequência, sem nenhuma implicação na Justiça, o socialista assumiu a presidência do Conselho Europeu.
O caso que envolveu Costa levou o país às segundas eleições antecipadas, em março de 2024, nas quais Luís Montenegro, da Alternativa Democrática (AD), sairia vencedor.
Mas o atual premiê atravessou um escândalo que envolve uma empresa de consultoria de propriedade de sua família e a concessão de quatro cassinos, o que provocou acusações de conflito de interesse.
A oposição exigiu explicações, que foram dadas de forma muito superficial, e o cerco em torno dos bens e negócios do primeiro-ministro se apertou.
Mas as pesquisas já indicavam que a AD se manteria como o grupo político mais votado em Portugal.
“Há muitos estudos que nos dizem que as pessoas reprovam os desvios éticos por parte dos políticos, como é normal, mas depois, isso não tem grande impacto no voto porque os eleitores avaliam os casos de acordo com a afinidade que têm com o partido: os eleitores desse partido tendem a adotar uma posição de defesa da formação”, explicou o cientista político Ferrinho.
Segundo o cientista político António Costa Pinto, “para muitos segmentos do eleitorado, o caso ético de conflito de interesses não parece ser determinante nas atitudes eleitorais. Não existe uma grande punição”.
Escândalos no Chega
Apesar do lema “chega de corrupção” e uma plataforma moralizadora, uma série de escândalos envolveu o Chega no último ano.
O mais grave deles, o do vereador da cidade de Lisboa, Nuno Pardal, acusado de prostituição infantil por manter relações sexuais com um rapaz de 15 anos a quem pagou 20 euros, ao mesmo tempo que, publicamente, dizia que “a proteção dos menores contra a exploração sexual e o abuso sexual é um ponto fundamental da Justiça para o Chega”, e defendia a castração química para quem tivesse relações sexuais com menores.
Outro dos casos mais badalados foi o de Manuel Arruda, que todas as semanas viajava em avião entre Lisboa e a ilha de São Miguel, nos Açores, viagens que aproveitava para roubar malas cujo conteúdo vendia na plataforma de venda de objetos de segunda mão Vinted. A polícia encontrou 17 malas no seu domicílio.
Finalmente, José Paulo Sousa, deputado regional do Chega, foi detido pela polícia por conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 2,25 gr/litro. Segundo a legislação portuguesa, conduzir com mais de 1,2 gr/litro é crime passível de prisão.
Num partido cujo lema é “limpar Portugal”, os três casos caíram como uma bomba. Nuno Pardal se demitiu, Manuel Arruda abandonou o partido e continuou como deputado independente depois de André Ventura ter pedido a sua demissão, e Sousa continua no partido regional, com André Ventura defendendo que “o deputado assumiu a sua culpa”.