Crime na Europa ‘importa’ traficantes mexicanos para turbinar lucro
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- Author, Alejandro Millán Valencia
- Role, BBC News Mundo
Em meados de maio deste ano, a Polícia Europeia (Europol) realizou uma operação na cidade de Marselha, no sul da França, para atingir as redes de tráfico de drogas que atuam com cada vez mais força no país.
Em um primeiro comunicado, a Europol informou ter apreendido 216 quilos de metanfetamina, uma das drogas sintéticas que mais tem crescido no mercado do narcotráfico a nível mundial, junto com o fentanil.
Mas, com o avanço das investigações, as autoridades confirmaram um fenômeno que já vinham observando nos últimos anos: a presença direta — e cada vez maior — de cartéis mexicanos na produção de drogas sintéticas dentro do território europeu.
A investigação já levou à prisão de 16 pessoas envolvidas na produção e distribuição das drogas e, segundo um relatório divulgado em junho, expôs os “fortes vínculos” dessas pessoas com o poderoso cartel de Sinaloa.
“Os dois principais organizadores da rede (europeia) dependiam, em grande parte, do apoio logístico, da experiência e da preparação dos cartéis mexicanos. Os cartéis, por sua vez, dependiam de intermediários locais para consolidar suas operações e aumentar sua influência”, afirma o relatório.
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Em pelo menos quatro operações de desmantelamento de laboratórios de droga, realizadas entre 2024 e 2025 na Espanha e na Polônia, houve participação de cidadãos mexicanos.
A diferença da operação em Marselha é que ela terminou com a prisão de cidadãos mexicanos diretamente envolvidos na instalação de laboratórios para a produção de drogas.
Na Bélgica, também foram realizadas operações relacionadas a esse mesmo fenômeno.
“O que as autoridades europeias estão vendo é um aumento do que se chama de ‘método mexicano’, ou seja, muitas organizações criminosas na Europa querem aproveitar toda a experiência logística de grupos poderosos como o cartel de Sinaloa”, explica Laurent Laniel, diretor do Escritório de Crime, Precursores e Consumo de Drogas da União Europeia (EUDA, na sigla em inglês).
De fato, no relatório divulgado no mês passado, a Europol faz referência a um comunicado de 2022 em que a União Europeia, junto com a Agência Antidrogas dos Estados Unidos, a DEA, alertava para uma mudança de tendência: já não se tratava mais do envio de drogas para a Europa, mas da construção de laboratórios de produção de drogas sintéticas em solo europeu.
“Os especialistas de laboratórios mexicanos que chegam à União Europeia utilizam métodos de produção únicos e participam de etapas específicas da produção de metanfetamina”, destacou o documento.
Velhas ameaças, novas tendências
Mas além de controlar o mercado de drogas ilícitas nos Estados Unidos, os cartéis mexicanos — especialmente os mais poderosos, como o de Sinaloa e o Jalisco Nova Geração — há décadas vêm tentando diversificar seus mercados. E, claro, a Europa ocupa o primeiro lugar dessa lista de novos territórios cobiçados.
Contudo, durante anos, eles encontraram obstáculos para entrar de forma definitiva nos países europeus.
Primeiro, tentaram enviar cocaína para portos europeus, mas encontraram outros atores já consolidados ali, como os cartéis colombianos — especialmente os de Cali — e as máfias italianas.
“Precisamos entender que o mercado de drogas na Europa, diferentemente dos EUA, tem mais atores disputando o controle. E isso faz com que seja muito mais difícil entrar nele”, explica Ludmila Quirós, cientista política e especialista em tráfico de drogas na Europa na Universidade de Roma La Sapienza, na Itália.
Ela destaca que isso, contudo, não fez com que os cartéis desistissem de seus objetivos. “É uma velha ameaça, com novas tendências.”
“A pandemia de Covid-19 foi um ponto de inflexão para eles. Aprenderam com os erros do passado, e a pandemia quase os obrigou a buscar novos mercados diante da baixa demanda interna provocada pelo confinamento daqueles anos.”
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Então, o que eles aprenderam?
Basicamente, que tinham algo que as máfias europeias não haviam conseguido desenvolver plenamente: a produção eficaz de drogas sintéticas.
Em seu relatório de 2022, a União Europeia menciona a prisão de vários cidadãos mexicanos durante o desmantelamento de laboratórios de drogas sintéticas na Bélgica e nos Países Baixos (Holanda).
O documento destaca a novidade da descoberta: “Ao utilizar produtos químicos específicos, eles conseguem reciclar e reduzir os resíduos gerados durante o ciclo de produção, obtendo maiores lucros e um rendimento superior de um produto final altamente potente.”
E acrescenta: “Esses ‘cozinheiros’ mexicanos são importantes para os centros de produção de metanfetamina da União Europeia devido ao seu conhecimento único e sua capacidade de produzir cristais de metanfetamina maiores e mais rentáveis.”
“Esse conhecimento tem lhes permitido ganhar terreno dentro da Europa, e é por isso que têm sido encontrados mais laboratórios controlados por cartéis mexicanos ou pessoas vindo do México para otimizar a produção”, explica Laurent Laniel.
A crescente presença de cartéis mexicanos na produção de drogas sintéticas começou a se tornar visível em um centro estratégico de operações: a Europa Central.
“No começo, víamos conexões em pontos de trânsito, como os portos da Bélgica e dos Países Baixos. Chegou-se a falar inclusive sobre a conexão mexicano-holandesa. Mas, nos últimos anos, foram presas pessoas na Polônia, onde hoje está a maioria dos laboratórios de produção desse tipo de droga”, analisa Ludmila Quirós.
Mudança de estratégia
Corroborando com os diversos relatórios da Europol, os especialistas também apontam que os cartéis mexicanos não contribuem apenas com experiência e conhecimento logístico na produção de drogas, mas também em outras áreas importantes da operação do tráfico.
“Uma questão fundamental é o financiamento para montar um laboratório e, depois, o que fazer com o dinheiro arrecadado com a venda das drogas. Esse conhecimento, aperfeiçoado ao longo dos anos pelos cartéis mexicanos, tem sido parte do que eles usam para se estabelecer na Europa”, diz Laniel.
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Na operação realizada em Marselha, os investigadores também identificaram canais de distribuição com intermediários baseados na Espanha e na Bélgica, assim como o uso de criptomoedas para transferências de fundos.
A Europol afirma em seu documento que “os lavadores de dinheiro que prestam serviço aos cartéis mexicanos utilizam diversas técnicas para facilitar as finanças ilícitas, incluindo o uso de criptomoedas, lavagem de dinheiro baseado no comércio e sistemas bancários clandestinos.”
“Tudo isso faz parte do ‘método mexicano’, que basicamente mostra como otimizar todas as ferramentas existentes para obter o máximo benefício”, indica Laniel.
Mas os tempos mudaram. Para Quirós, os cartéis mexicanos, especialmente o de Sinaloa, enfrentam novos desafios em seu terreno mais prolífico: os Estados Unidos.
A isso somam-se as mudanças pelas quais passou o cartel de Sinaloa com a prisão de seus principais líderes.
“Isso reforça sua estratégia de ampliar a presença na Europa, como se tem visto nos últimos meses”, acrescenta a cientista política.
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Contudo, os especialistas concordam que a participação dos cartéis mexicanos no mercado europeu ainda não é tão significativa quando comparada a outros grupos criminosos que atuam no continente.