Coreia do Norte: o que naufrágio de navio de guerra revela sobre regime de Kim Jong-un
Crédito, KCNA via Reuters
- Author, Jean Mackenzie
- Role, Correspondente da BBC News em Seul (Coreia do Sul)
A Coreia do Norte chegou às manchetes internacionais quando, no mês passado, um novo navio de guerra virou no mar durante seu lançamento.
A imprensa acompanhou os desdobramentos, desde sua retirada bem sucedida das águas até seu relançamento, na última sexta-feira (13/6).
Mas por que tanto interesse, já que não houve mortes e os danos ao casco, aparentemente, foram pequenos?
O interesse pelo caso não tem tanto a ver com o fracasso em si, mas com a reação do líder norte-coreano Kim Jong-un ao incidente.
Kim denunciou imediatamente o fracasso como um “ato criminoso” que “não poderá ser tolerado”. Para ele, o caso prejudicou a “dignidade” do país.
Ele ordenou a restauração imediata do navio e a punição dos responsáveis. E quatro autoridades do partido foram presas em seguida.
A explosão de fúria de Kim, seguida pelos rápidos reparos do navio, nos ensina muito sobre o regime da Coreia do Norte, cujos desenvolvimentos, muitas vezes, são difíceis de se decifrar.
Primeiramente, ele revela que o país leva a sério sua intenção de construir uma marinha que disponha de armas nucleares.
Apesar de ter um arsenal nuclear com tamanho e sofisticação cada vez maiores e um enorme exército à disposição, a marinha norte-coreana é considerada muito inferior à dos seus inimigos. A Coreia do Sul, o Japão e os Estados Unidos estão entre as mais poderosas frotas marítimas do mundo.
“Kim Jong-un acredita que as armas nucleares são a única forma de proteger seu país”, afirma o capitão aposentado da marinha sul-coreana Choi Il. “Ainda assim, ele tem no mar um velho submarino e alguns pequenos navios de apoio.”
Por isso, praticamente desde sua posse, Kim priorizou a construção de uma marinha moderna e poderosa, equipada com armas nucleares. E o navio de guerra recém-inaugurado é uma primeira etapa fundamental rumo a este objetivo.
Trata-se de um dos dois destroieres construídos pela Coreia do Norte no ano passado. O primeiro deles foi lançado com sucesso em abril deste ano.
Pesando 5 mil toneladas cada um, eles são, de longe, os maiores navios de guerra do país. Teoricamente, eles são capazes de disparar mísseis nucleares de curto alcance.
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Choi, que é o chefe do Instituto de Pesquisa de Submarinos da Coreia do Sul, afirma que é extremamente raro que um destroier desta classe vire durante sua construção e lançamento, considerando a tecnologia avançada que é necessária para sua construção.
Este, portanto, teria sido um “incidente muito embaraçoso” para Kim Jong-un, segundo ele, pois “coloca em evidência as limitações da indústria de construção naval da Coreia do Norte”.
E, ainda pior, este projeto simbólico fracassou na frente dos olhos do próprio governante.
Kim presenciou a cerimônia de lançamento do navio, ao lado de sua filha e de uma multidão de espectadores.
“A Coreia do Norte tem obsessão em aparecer”, explica Choi. “Imagino que eles estivessem planejando toda uma série de apresentações e, é claro, Kim não podia deixar de ficar furioso.”
Mas especialistas em propaganda norte-coreana acreditam que existe muito mais por trás da explosão de Kim Jong-un do que apenas raiva e humilhação.
Para eles, a decisão de divulgar o incidente daquela forma foi uma estratégia política deliberada e mostra que Kim está deixando de lado a tendência do regime de ocultar verdades desagradáveis.
Rachel Minyoung Lee, do Centro Stimson, com sede em Washington, nos Estados Unidos, analisa há décadas a propaganda norte-coreana. Ela explica por que este caso passou a ser um dos pilares da estratégia de propaganda de Kim.
Antes de chegar ao poder e até nos seus primeiros anos de governo, o regime encobria tudo o que houvesse de negativo, para manter o controle da narrativa.
Mas, quando as informações começaram a se difundir mais livremente na Coreia do Norte, ficou mais difícil ocultar grandes incidentes como este.
Por isso, “a liderança decidiu que era quase ingênuo tentar esconder o que as pessoas já sabiam e seria muito mais eficaz mostrar que eles estavam enfrentando os problemas”, explica Lee.
“Agora, quando surge um problema, você o divulga, você chama os responsáveis e mostra para as pessoas que, se elas não fizerem seu trabalho, serão responsabilizadas por isso.”
“Desta forma, você informa a todos que o governo e a liderança estão fazendo bem o seu trabalho”, segundo ela.
No caso do navio de guerra, esta estratégia parece ter funcionado de forma notavelmente eficaz. Os reparos foram concluídos antes do programado, em pouco mais de três semanas, desafiando as expectativas dos especialistas navais.
“O rápido relançamento mostra como até um fracasso pode ser transformado em um sucesso político”, afirma o professor Kim Dong-yup, da Universidade de Estudos Norte-Coreanos de Seul, na Coreia do Sul.
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Mas ele e outros especialistas afirmam que Kim usou este incidente não só para divulgar seu sucesso, mas para fortalecer a lealdade das pessoas ao regime e à sua ideologia, o que é outra característica constante do seu governo.
O navio virou quando foi lançado de lado do cais em direção ao mar – uma manobra marítima complicada.
Parte da proa ficou presa na rampa de lançamento. Mas, em vez de apresentar o ocorrido como uma falha técnica, Kim Jong-un afirmou que o incidente foi causado por “absoluta falta de cuidado e irresponsabilidade”.
Por outro lado, ele elogiou um trabalhador que morreu durante a construção do navio, por “depositar seu sangue e suor” no projeto.
“Eles transformaram sua morte em um símbolo de devoção, para fortalecer a lealdade das pessoas”, segundo Kim Dong-yup.
Eles não apresentaram Kim Jong-un como um deus infalível, como era feito com seu pai, Kim Jong-il (1941-2011), e seu avô, Kim Il-sung (1912-1994). Em vez disso, eles promoveram o trabalhador leal, explica o professor.
Para ele, “esta é uma grande mudança da técnica de governo da Coreia do Norte e demonstra a assombrosa capacidade de Kim Jong-un de se adaptar e controlar a narrativa”.
Para Lee, especialista em propaganda, a maior lição é que “os norte-coreanos conseguem qualquer coisa que eles se propõem a fazer”.
“Eles definiram este objetivo de ter uma marinha com armas nucleares e, agora, estão demonstrando que estão a caminho de conseguir”, explica ela.
Ninguém imaginava que a Coreia do Norte pudesse construir os destroieres em pouco mais de um ano ou consertar os danos em menos de um mês. Mas Lee destaca que eles conseguiram, da mesma forma que fizeram com seu programa nuclear e de mísseis, mesmo com o ceticismo internacional inicial.
Choi concorda. O capitão aposentado afirma que “as pessoas podem observar este episódio e rir, pensando ‘oh, a Coreia do Norte é tão atrasada’. Mas eles estão fazendo progressos significativos.”
O mais preocupante, segundo ele e outros especialistas, é que Kim Jong-un está disposto a desenvolver sua marinha, hoje limitada a patrulhar seus próprios mares, para que possa navegar pelos oceanos do planeta e lançar ataques nucleares preventivos.
“Precisamos ficar vigilantes e fazer a preparação adequada”, conclui ele.
Com colaboração de Hosu Lee e Leehyun Choi.