Como o intestino e o cérebro influenciam nossas emoções
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- Author, André Biernath
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
Nosso intestino abriga mais de 100 milhões de células nervosas e é responsável pela produção de 95% da serotonina, um neurotransmissor relacionado ao bem-estar.
Recentemente, novas evidências científicas reforçaram a importância da microbiota intestinal — um grupo de trilhões e trilhões de bactérias, vírus, fungos e outros agentes microscópicos — para a saúde do corpo e da mente.
Isso mostra como o intestino e o cérebro estão conectados e se influenciam mutuamente.
Você provavelmente já teve “borboletas no estômago” ao se apaixonar por alguém, sentiu náuseas antes de uma reunião importante ou ficou enfezado (ou, literalmente, cheio de fezes) durante um período de constipação.
Mas como essa conexão entre órgãos tão diferentes funciona na prática? E será que é possível fortalecer essa ligação para uma vida mais saudável e feliz?
O eixo intestino-cérebro
Esses dois órgãos estão conectados de três maneiras diferentes, explica a gastroenterologista Saliha Mahmood Ahmed, embaixadora da Bowel Research UK, uma organização britânica que faz pesquisas e campanhas sobre o sistema digestivo.
A primeira delas é o nervo vago, uma estrutura muito importante do sistema nervoso que liga diretamente o cérebro a vários órgãos, como o coração e os intestinos.
Em segundo lugar, o cérebro e o intestino se comunicam com a ajuda de hormônios. Essas substâncias, como a grelina e o GLP-1, são produzidas por glândulas e enviam sinais por todo o corpo.
O terceiro mecanismo envolve o sistema imunológico.
“Muitas pessoas pensam que essas células de defesa vivem apenas no sangue ou nos gânglios linfáticos, mas, na verdade, uma grande proporção delas opera no intestino e serve como mediador entre o cérebro e todo o organismo”, diz Ahmed.
O neurogastroenterologista Pankaj Pasricha, da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, destaca que essa conexão especial ocorre porque o cérebro precisa de muita energia para funcionar — e o intestino é a nossa usina de energia.
Ele ressalta que o cérebro representa apenas 2% do nosso peso corporal, mas consome 20% da energia produzida no corpo.
O papel do intestino é justamente “quebrar” os alimentos em moléculas simples e absorvê-las para fornecer o “combustível” para o funcionamento de todo o organismo.
Mas essa é uma relação mútua. Em outras palavras, o cérebro influencia o intestino — mas o intestino também influencia o cérebro.
E podemos pensar em vários exemplos disso em nossa vida cotidiana.
Quando enfrentamos uma situação perigosa ou ameaçadora, ou mesmo um evento muito importante, como uma reunião no trabalho, uma das primeiras respostas fisiológicas ocorre na barriga.
Nessas situações, podemos experimentar náuseas, cólicas ou até diarreia.
Além disso, quando estamos apaixonados, sentimos as famosas “borboletas no estômago”, ou aquela sensação emocional relacionada à excitação de estar perto de alguém de quem gostamos muito.
Por outro lado, se você estiver constipado e não for ao banheiro por vários dias, isso pode causar irritação e estresse — algo que em português descrevemos como “enfezado”, cujo significado literal é “cheio de fezes”.
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Um mundo inteiro dentro da sua barriga
Nosso intestino abriga entre 10 e 100 trilhões de células de outros organismos, o que inclui bactérias, vírus, fungos, protozoários e outros agentes microscópicos.
Esse número supera a quantidade de células “próprias” que uma pessoa possui.
Especialistas explicam que essa comunidade abundante tem uma relação simbiótica conosco.
Elas obtêm nutrientes dos alimentos que ingerimos, mas também nos ajudam a digerir alguns ingredientes que não somos capazes de processar sozinhos.
Nas últimas duas décadas, o conhecimento sobre a microbiota e a influência dela em nossa saúde cresceu consideravelmente.
Ahmed explica que novas ferramentas e testes desenvolvidos por cientistas ajudaram a mensurar os microrganismos que habitam o intestino e também a entender como eles influenciam o desenvolvimento de certas doenças.
“Alterações no equilíbrio da microbiota, o que chamamos de disbiose, têm sido associadas a quase todas as doenças conhecidas pelos seres humanos”, acrescenta Pasricha.
Em 2011, o neurogastroenterologista liderou um estudo pioneiro com cobaias. No trabalho, ele observou que a irritação gástrica nos primeiros dias de vida “pode induzir um aumento duradouro da depressão e de comportamentos ansiosos”.
Outras pesquisas mostraram que a disbiose — ou uma microbiota intestinal desequilibrada — está associada à obesidade, às doenças cardiovasculares e até mesmo ao câncer.
No entanto, Pasricha ressalta que não temos evidências suficientes para estabelecer uma relação clara de causa e efeito, ou se problemas encontrados na microbiota intestinal são de fato a origem de diversas doenças.
“Existem algumas evidências, tanto em estudos com animais quanto em pesquisas com humanos, de que é possível ter problemas que começam no intestino e que podem causar ansiedade ou depressão. Mas será que essas doenças acontecem por causa do intestino? Ainda não sabemos”, afirma ele.
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A receita para uma boa microbiota
Dadas as recentes descobertas sobre a microbiota e a conexão intestino-cérebro, será que é possível alcançar um equilíbrio perfeito dos agentes microscópicos que vivem na nossa barriga?
Ahmed explica que não há uma “receita de bolo” aqui, pois cada pessoa tem uma composição diferente de bactérias, vírus e outros agentes.
“O microbioma de cada pessoa é muito diferente. Não é como se estivéssemos no mesmo ponto de partida que qualquer outro ser humano”, diz ela.
Mas os especialistas afirmam que existem algumas intervenções gerais que são consideradas benéficas para a saúde intestinal.
Ter uma dieta variada e equilibrada, por exemplo, é um bom começo.
Probióticos — ou alimentos que contêm certos tipos de bactérias benéficas para o sistema digestivo, como iogurtes naturais, kefir e kombucha — e prebióticos — ou seja, ingredientes ricos em fibras que nutrem a microbiota, como frutas e vegetais — também devem ser protagonistas das refeições.
“Eu diria que a diversidade na dieta é muito importante, especialmente quando pensamos nos alimentos de origem vegetal que devem ser consumidos”, diz Ahmed.
A gastroenterologista recomenda que todos reflitam sobre a quantidade de frutas, verduras, grãos integrais, leguminosas, nozes, sementes e especiarias incluídos em cada refeição.
“Não sou vegana ou vegetariana, mas acredito na necessidade de tornar as nossas dietas mais centradas nos vegetais”, acrescenta.
Ahmed destaca estudos que mostram um microbioma saudável em pessoas que comem, em média, 30 alimentos de origem vegetal por semana.
Mas será que uma mudança na dieta pode impactar as emoções e até mesmo ajudar a combater doenças como a depressão?
Um estudo conduzido na Universidade de Oxford, no Reino Unido, traz algumas pistas sobre isso.
Os especialistas reuniram 71 voluntários com depressão e os dividiram em dois grupos. O primeiro recebeu probióticos por 4 semanas, enquanto a segunda turma tomou placebo (uma substância sem qualquer efeito terapêutico).
O estudo foi randomizado e duplo-cego, o que significa que os cientistas e os participantes não sabiam quem tomou o quê.
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Durante o experimento, os especialistas realizaram diversos testes para medir indicadores como humor, ansiedade, sono e cortisol (um hormônio relacionado ao estresse).
A psicóloga clínica Rita Baião, que liderou o estudo, explica que pessoas com depressão tendem a focar mais em sentimentos e expressões faciais negativas em relação a estímulos considerados neutros ou positivos.
“Queríamos entender se o uso de probióticos poderia interferir no processamento de informações emocionais no cérebro”, conta Baião, que atualmente é professora assistente no Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal.
“No grupo que ingeriu os probióticos, observamos uma menor tendência a detectar estímulos negativos em relação ao processamento de expressões faciais e outras informações emocionais.”
Baião acredita que os probióticos podem ajudar a aliviar alguns sintomas depressivos — mas mais pesquisas são necessárias para confirmar esse achado inicial.
“Ainda precisamos de dados mais robustos, mas há indícios de que os probióticos podem ter um efeito positivo, com um bom nível de tolerância e poucos efeitos colaterais”, conclui ela.
Pasricha entende que alterar a composição da microbiota pode levar décadas para surtir qualquer alteração em termos de saúde.
“E sabemos que para a maioria das pessoas é muito difícil manter certos hábitos por longos períodos”, diz ele.
“Mas, com essas pesquisas, nós reunimos peças essenciais para completar esse quebra-cabeça sobre a relação entre cérebro, intestino e microbiota”, conclui o médico.