Como IA ajudou com a minha dor nas costas
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- Author, Scott Nover
- Role, BBC Future
Quando eu comecei a sentir dor nas costas, em outubro de 2024, a causa não era clara. Talvez tenha acontecido algo enquanto eu levantava meus sobrinhos. Ou, mais provável, que eu tenha me machucado ao levantar a cama para que a minha esposa colocasse um tapete embaixo.
Independentemente do motivo, o excesso de confiança na minha força me rendeu uma lesão na lombar. Dias depois, a dor atingiu meu nervo ciático, na minha perna esquerda.
Ficar em pé era tranquilo, mas sentar era uma tortura. Para conseguir dormir, eu tinha que colocar um travesseiro debaixo das pernas, tentando conter os choques que eu sentia.
No meio de dezembro, eu decidi procurar um médico em Washington, nos Estados Unidos, onde eu moro. Ele fez alguns testes de movimento comigo, me pediu uns exames de raio-X, e me encaminhou para a fisioterapia com um diagnóstico: radiculopatia lombar.
Do início da dor até eu começar o tratamento, foram cerca de três meses. Alguns podem considerar um processo relativamente rápido. Ainda assim, é muito tempo para algo tão comum e debilitante como uma dor na lombar.
Desde o início de janeiro, vou à clínica uma vez por semana e sou atendido por fisioterapeutas. Falo sobre as dores que eu estou sentindo, recebo uma massagem e faço alguns exercícios e alongamentos. Minha dor ainda não passou, mas finalmente está sob controle.
Eu quis destacar que vou à clínica porque eu também tenho experimentado um outro de tipo de fisioterapia que está sendo muito usada no Reino Unido: a guiada por inteligência artificial.
Um novo tipo de fisioterapia
Minha fisioterapeuta britânica é parcialmente humana.
Na verdade, trata-se de uma aplicativo com uma série de vídeos gravados por uma fisioterapeuta de verdade, mas operados por inteligência artificial, que personaliza as minhas sessões baseadas nas minhas respostas à uma série de perguntas. Tudo feito pelo celular.
O motivo é simples: várias pessoas sofrem com dor na lombar e têm dificuldade para conseguir atendimento. Esse problema afeta cerca de 223 milhões de pessoas no mundo, e é a principal causa de incapacidade.
Só na Inglaterra, aproximadamente 350 mil pessoas estavam na fila de espera para receber tratamento por causa de problemas musculoesqueléticos em setembro de 2024 — a maior fila de espera do sistema de saúde britânico.
Segundo o governo do Reino Unido, apenas em 2022, foram perdidos 23,4 milhões de dias de trabalho por causa desses problemas não tratados, gerando um enorme custo econômico, e também humano.
A promessa da Flok é começar a atender pacientes imediatamente, aliviando a sobrecarga do NHS e tratar a dor nas costas antes que ela piore.
A missão é nobre, mas eu me pergunto: Será que a inteligência artificial é a solução?
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‘Fiquei em choque ao ver como é o acesso à saúde para a população’
Além de ser médico formado, Finn Stevenson também foi atleta profissional de remo no programa de desenvolvimento olímpico da Grã-Bretanha. Quem já remou sabe que o esporte é um excelente exercício físico, mas pode ser brutal para as costas se a postura não estiver perfeita.
Enquanto atleta profissional, Stevenson tinha acesso aos melhores médicos e fisioterapeutas para tratar qualquer lesão. Mas quando ele deixou o remo e sua dor nas costas voltou, ele percebeu como era difícil conseguir tratamento como uma pessoa comum.
“Foi um choque ver como é o acesso à saúde para 99,5% da população”, disse Stevenson, hoje CEO da Flok.
“Em teoria, eu estava bem preparado para lidar com isso. Eu tinha uma formação acadêmica, três anos de fisioterapia profissional. Se eu estava tendo dificuldade, outras pessoas provavelmente também estavam.”
Stevenson e Ric da Silva, co-fundador da Flok e hoje chefe de tecnologia, se conheceram quando trabalhavam na CMR Surgical, uma startup britânica onde eles construíam juntos robôs para cirurgias de tecidos moles.
Mas com a Flok, o objetivo é oferecer tratamento para pessoas que não precisam de cirurgia, focando em casos mais simples e fáceis de tratar.
“Existem muitas condições em que isso é possível, que você não precisa fazer um raio-X, de trabalho humano ou medicação”, diz da Silva. “O que você precisa são 10 minuto de alongamento alguns dias na semana, e isso resolverá seu problema”, destacou.
A ideia é que isso aliviará a carga de trabalho de profissionais de saúde para que eles possam se dedicar a pacientes com problemas mais complexos, que realmente precisam de atendimento especializado.
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“Nós desenvolvemos uma linguagem específica para descrever o raciocínio clínico”, explica Stevenson.
Como não se trata de um robô tipo o ChatGPT, que prevê a próxima palavra de uma sequência, não há o risco da chamada “alucinação”, quando os algoritmos inventam informações, algo que gera muita preocupação no uso de IA na medicina.
Em vez disso, a IA da Flok funciona mais como um livro de “escolha sua própria aventura”, em que há mais de um bilhão de combinações possíveis de intervenções, segundo Stevenson.
O poder da inteligência artificial permite que tudo isso seja entregue de forma integrada.
“O software é um modelo de entrega extremamente eficaz quando você sabe exatamente o que quer oferecer — e só precisa fazer isso de maneira mais escalável.”
Atualmente, a Flok está expandindo suas operações. Seu serviço foi lançado primeiro na Escócia, no fim do ano passado, e recentemente assinou contratos em alguns lugares da Inglaterra.
Nos próximos 12 meses, Stevenson diz que espera cobrir pelo menos metade do Reino Unido. A empresa também está expandindo as áreas de dor para serem tratadas, como osteoartrite de quadril e joelhos, e saúde pélvica da mulher.
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Mas a Flok não está sozinha na tentativa de usar a inteligência artificial para tratar dores musculoesqueléticas. Outro aplicativo que tem ajudado pacientes a controlar dores na lombar e no pescoço é o selfBACK, já testado em clínicas nos Estados Unidos como um complemento nos cuidados tradicionais.
Com uma abordagem não muito diferente da Flok, o selfBACK analisa quais tratamentos funcionaram bem em pacientes anteriores com condições similares, para então recomendar planos de exercícios personalizados.
Estudos indicam que o aplicativo pode ajudar a reduzir a dor em quem o utiliza. Mas um teste recente mostrou uma taxa de adesão baixa: quase um terço dos participantes do experimento nunca usou o aplicativo, e outro terça o utilizou apenas algumas vezes.
Tanto pacientes quanto profissionais concluíram que aplicativo deve ser usado como um complemento ao cuidado tradicional, e não como substituto.
Avaliações rigorosas e regulamentação
Ainda assim, pesquisas mostram que aplicativos de saúde com essa proposta são potencialmente promissores para ajudar pacientes a aliviar dores nas costas.
Mas não faltam questionamentos sobre a integração da inteligência artificial na área de saúde de uma forma mais ampla.
Elizabeth A. Stuart, professora do departamento de bioestatística da Universidade de Johns Hopkins, afirma que ferramentas de inteligência artificial voltadas para cuidados com a saúde deveriam passar pelas mesmas avaliações rigorosas que intervenções médicas tradicionais, como regulamentação e revisão por pares.
“De certa forma, essas ferramentas de IA não são tão diferentes de outras intervenções em saúde que buscamos entender os efeitos”, destaca Stuart. “Precisamos saber quão bem funcionam, se funcionam, e para quem funcionam, com o mesmo rigor que usamos para outras intervenções médicas.”
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Stuart diz que, embora não seja preciso “reinventar a roda” quando falamos de inteligência artificial, é preciso reconhecer que esses sistemas continuam evoluindo mesmo depois de serem implementados.
“Algumas ferramentas de IA são, de certa forma, auto-adaptáveis”, explica.
Ela compara essas ferramentas com as vacinas contra a gripe, que passam por um processo de avaliação todos anos para garantir que estejam alinhadas com as cepas virais mais recentes. No entanto, segundo ela, ferramentas de IA às vezes funcionam como uma “caixa-preta”, tomando decisões que nem sempre são claras.
Atendimento ‘mais acessível e eficiente’
Pranav Rajpurkar, professor assistente de Informática Biomédica na Harvard Medical School, afirma ver potencial nos aplicativos de IA que ajudam a fazer triagem de pacientes.
“O que é contraintuitivo é que a colaboração forçada entre inteligência artificial e clínicos muitas vezes tem desempenho inferior ao de uma divisão clara de tarefas”, diz.
“Quando médicos e a IA analisam os mesmos casos lado a lado, a precisão dessa combinação às vezes mal supera a dos médicos sozinhos. Separar bem as responsabilidades evita esse tipo de problema.”
No caso da Flok, a empresa conta com fisioterapia profissionais que aparecem nos vídeos assistidos pelos pacientes, mas que também ficam disponíveis para responder dúvidas depois das sessões guiadas por IA.
Rajpurkar acredita que, eventualmente, “nós vamos passar de ferramentas de inteligência artificial especializadas para sistemas médicos generalistas de IA, capazes de lidar com múltiplas tarefas em diferentes domínios”.
Essa é justamente a abordagem que ele está desenvolvendo em sua própria companhia, a2z Radiology AI, que cria ferramentas analíticas baseadas em inteligência artificial para radiologistas.
“Os sistemas que terão sucesso não serão aqueles que afirmam ‘substituir médicos’, mas aqueles que redistribuem o trabalho clínico de forma inteligente para fazer o atendimento mais acessível, eficiente e humano”, afirma Rajpurkar.
Quando eu abro o aplicativo da Flok, sou cumprimentado pela Kirsty, minha fisioterapeuta. Ela aparece em um cenário minimalista, com todos os elementos típicos de uma instrutora de yoga: roupa de treino, tapete de exercício, uma cadeira de escritório e uma planta.
Ele faz algumas perguntas sobre mim e minhas dores, e eu respondo clicando em opções de múltipla escolha. Cada resposta leva a uma nova pergunta ou instrução.
Na nossa primeira sessão de 20 minutos, Kirsty me pediu para alongar em diferentes posições — seguindo cuidadosamente o que ela fazia na tela. Ela me passou alguns alongamentos e exercícios para praticar na semana, me aconselhando a não forçar demais nem fazer nada que me causasse desconforto.
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Foi uma experiência bem diferente da que eu tenho com a equipe de fisioterapeutas da clínica que frequento nos Estados Unidos. Com frequência, eles corrigem minha postura e avisam quando estou fazendo algo errado. A grande diferença aqui é que Kirsty não consegue me ver. Os vídeos gravados não acompanham os meus movimentos e alongamentos. Ela depende totalmente de mim, que eu siga as instruções corretamente e avise se algo estiver errado.
No fim da sessão, há a opção de deixar uma mensagem de voz para um fisioterapeuta de verdade, que responde às minhas perguntas.
Não vou negar que minhas costas melhoraram depois das sessões de fisioterapia da Flok, mas não acho que o aplicativo é para mim. Sou desajeitado e não tenho muita coordenação, e sinto falta de ter alguém observando meus movimentos o tempo todo, caso contrário, posso me machucar.
A capacidade de observar os pacientes e dar feedbacks sobre as posturas pode ser algo que a AI venha a oferecer no futuro, mas, até lá, continuarei com os humanos.