Como decisão de Trump de taxar Brasil em apoio a Bolsonaro pode beneficiar Lula
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- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Especialistas em política internacional e brasileira lembram que interferências externas em assuntos domésticos costumam fortalecer sentimentos nacionalistas.
Por outro lado, alguns ponderam que a forte polarização política do país pode limitar esse efeito junto a apoiadores mais fiéis ao bolsonarismo.
“Historicamente, ingerências externas não pegam bem no Brasil (ou em qualquer outro país). Mesmo críticos de Lula podem ver a atitude de Trump como um ataque à soberania nacional e à independência do Judiciário”, escreveu na rede social X Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do think-tank Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.
“Politicamente, a medida tende a reforçar o nacionalismo e alimentar sentimentos antiamericanos no Brasil — especialmente se Lula conseguir enquadrar a retaliação como uma ofensa à dignidade do país”, continuou.
Diante da decisão de Trump, Lula convocou uma reunião de emergência com sua equipe de ministros.
Nas redes sociais, o presidente reagiu à tentativa do presidente americano de interferir no processo criminal que Bolsonaro enfrenta no STF, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
“O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”.
No texto, Lula também disse que “qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”, lei em vigor desde abril que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.
Para Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, a justificativa de apoio a Bolsonaro para elevar as tarifas comerciais mostra uma tentativa dos EUA de influenciar no processo eleitoral brasileiro, “como já aconteceu em outros países”.
Na sua leitura, Lula tende a se beneficiar, se conseguir equilibrar a questão comercial e política. Ele ressalta que uma escalada na guerra tarifária entre os dois países teria efeitos econômicos negativos no país.
“Certamente, essa dimensão política é algo positivo para a administração Lula”, afirma, citando outros países em que a atuação do presidente americano beneficiou seus antagonistas.
“Quem é adversário do Trump no plano local ganha quando o Trump e os demais líderes conservadores se manifestam acerca de temas domésticos. Isso aconteceu, em alguma medida, no México, nas eleições do Canadá, nas eleições na Austrália”, afirma.
Como o ‘efeito Trump’ tem impactado eleições no mundo
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O impacto reativo ao líder americano em eleições nacionais já está sendo chamado de “efeito Trump” na análise política.
No Canadá, o Partido Liberal levou a eleição de forma surpreendente em abril, revertendo o favoritismo do Partido Conservador.
A virada ocorreu após Trump voltar ao comando dos EUA com fortes ataques ao país vizinho, incluindo provocações sobre fazer do Canadá o 51º estado americano. O contraponto ao novo governo dos EUA se tornou mote central da campanha.
No mês anterior, a oposição de centro-direita da Groenlândia também surpreendeu e venceu as eleições gerais — uma votação dominada pela pauta da independência e pela promessa trumpista de assumir o controle do território semiautônomo que hoje pertence à Dinamarca.
O partido Demokraatit (Democratas), que defende uma abordagem gradual para a independência, foi o mais votado para o Parlamento e liderou o governo de coalizão.
Já em maio, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, conquistou a reeleição com ampla vantagem. O resultado foi uma reviravolta em relação ao início do ano, quando as pesquisas apontaram a popularidade de Albanese em níveis historicamente baixos.
Sua vitória foi, em parte, atribuída ao efeito Trump, já que seu opositor, Peter Dutton, foi criticado durante a campanha por ter ideologia semelhante à do presidente dos Estados Unidos.
No México, a eleição ocorreu antes da vitória de Trump nos EUA. No entanto, a presidente Claudia Sheinbaum alcançou mais de 80% de aprovação após meses no poder, popularidade impulsionada pelo fortalecimento do sentimento nacionalista contra as ações do novo presidente americano, segundo analistas políticos.
‘Impacto no Brasil pode ser limitado, mas determinante’
Para Rafael Cortez, efeito semelhante pode ocorrer no Brasil, mas com intensidade menor, devido à forte polarização política entre os campos governista e bolsonarista.
Ainda assim, ressalta, o impacto pode ser determinante, numa eleição apertada, em que um grupo de eleitores de centro está em disputa.
Bolsonaro está inelegível após ser condenado no Tribunal Superior Eleitoral, mas a expectativa é que o campo da direita terá um candidato competitivo com o apoio dele, nota Cortez.
“A polarização cria alguma resiliência nas intenções de voto ou na imagem que os líderes políticos têm na sociedade. De tal sorte que vejo um efeito marginal [da interferência de Trump no eleitor]”.
“Ou seja, não é uma revolução, mas é um efeito que pode ser o suficiente para reverter [a baixa popularidade do presidente] e fazer o governo Lula se tornar o favorito na eleição de 2026”, avalia.
Para o cientista político Creomar de Souza, diretor-executivo da consultoria de risco político Dharma Politics, Lula recebeu uma “bola quicando” como a decisão de Trump e a “pauta do nacionalismo está na sua mão”.
“Mas a questão é saber se o governo tem perna pra chutar a bola dentro do gol. Se o governo vai conseguir ter uma resposta organizada, uníssona”, analisa.
“Porque o dilema desse governo é que, tirando na semana passada, quando rebateram juntos o Congresso [após a derrubada da elevação do IOF], esse é um governo sempre muito mais preocupado com questões paroquiais de cada ator específico do que com uma agenda coletiva”, continuou.
Souza nota que, logo após a decisão de Trump, voltou a circular nas redes sociais imagens de presidenciáveis do campo bolsonarista, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), com o boné vermelho símbolo da campanha de Trump, com os dizeres Make America Great Again (Faça a América Grande de Novo).
“Por mais que o núcleo bolsonarista não veja paradoxo entre ser ‘Brasil acima de tudo isso’ e ser ‘Make America Great Again’, o grosso do eleitorado pode enxergar”, afirma.
Deputados e senadores alinhados ao governo e à oposição repercutiram a decisão de Trump. Do lado dos bolsonaristas, o tom geral foi o de culpar a suposta perseguição a Bolsonaro e o governo Lula pela nova taxa de Trump. Já os governistas argumentam que os bolsonaristas agem para prejudicar o Brasil.
Primeiro da família Bolsonaro a se manifestar, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) escreveu no X que Lula “conseguiu ferrar o Brasil”.
Já o senador Humberto Costa (PE-PT) usou a mesma rede social para criticar os adversários: “Isso é o bolsonarismo: jogar e torcer contra o Brasil”.
Decisão de Trump vem após atuação de Eduardo Bolsonaro
O aumento da taxação das exportações brasileiras para os EUA foi anunciado poucos meses após Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, se licenciar do cargo de deputado federal e se mudar para os Estados Unidos.
Na ocasião, em março, Eduardo disse que se dedicaria em tempo integral a convencer o governo Trump a atuar pela anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro no Brasil e para obter sanções ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo sobre golpe de Estado contra o ex-presidente.
Após essa movimentação, o STF abriu um inquérito em maio para investigar Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação, obstrução de investigação e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, por sua atuação nos EUA.
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Em carta enviada ao jornalista Guga Chacra, da GloboNews, assinada junto com o jornalista Paulo Figueiredo, o filho de Bolsonaro disse que “nos últimos meses, temos mantido intenso diálogo com autoridades do governo do presidente Trump — sempre com o objetivo de apresentar, com precisão, a realidade que o Brasil vive hoje”.
“A carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade.”
Os dois dizem que o STF e Alexandre de Moraes colecionaram “violações de direitos humanos contra jornalistas, contra cidadãos e residentes dos Estados Unidos” e também avançaram “sobre líder maior da oposição, o ex-presidente Jair Bolsonaro, negando-lhe garantias mínimas de legalidade, defesa e presunção de inocência na forma da farsa de um julgamento quase sumário em um tribunal de exceção”.
A carta segue dizendo que a dupla agiu “buscando evitar o pior”, com foco em aplicar sanções a Moraes.
“No entanto, recentemente, o presidente Trump, corretamente, entendeu que Alexandre de Moraes só pode agir com o respaldo de um establishment político, empresarial e institucional que compactua com sua escalada autoritária. O presidente americano entendeu que esse establishment também precisa arcar com o custo desta aventura.”