Como a pandemia de covid-19 envelheceu nosso cérebro, segundo estudo inédito
Crédito, Busà Photography/Getty Images
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- Author, Giulia Granchi
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
Um novo estudo, liderado por especialistas da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, descobriu que a pandemia de covid-19 pode ter acelerado o envelhecimento do cérebro das pessoas — mesmo daquelas que nunca foram infectadas pelo vírus.
Isso porque o impacto não estaria apenas na ação direta do vírus sobre o organismo, mas também nas consequências indiretas do período: o isolamento social, o estresse psicológico, as dificuldades econômicas e as preocupações com a saúde, que podem ter afetado a saúde cerebral de forma mais ampla.
Segundo a pesquisa, os danos causados pelo período equivalem a aproximadamente 5,5 meses de envelhecimento adicional em relação ao esperado para o período analisado.
Os pesquisadores explicam que evitaram converter esse número diretamente em “anos de envelhecimento natural” porque o cérebro não envelhece de forma linear ou uniforme entre todas as pessoas. Além disso, cada indivíduo pode responder de maneira diferente aos estressores ambientais e sociais, o que dificulta generalizações.
As áreas mais afetadas não foram identificadas de forma específica porque o modelo utilizado pelos pesquisadores estima a idade do cérebro a partir de um panorama geral.
A pesquisa analisou padrões amplos de mudanças tanto na substância cinzenta (responsável pelas funções cognitivas, como memória, linguagem e tomada de decisões) quanto na substância branca (que conecta diferentes regiões do cérebro e facilita a comunicação entre elas).
“Embora tenhamos observado uma aceleração global no envelhecimento cerebral, identificar regiões específicas estava fora do escopo da nossa análise atual”, explicou Ali-Reza Mohammadi-Nejad, líder do estudo, à BBC News Brasil.
Ele também reforçou que o método utilizado capta padrões que refletem alterações sutis e distribuídas no cérebro, e não lesões localizadas ou danos estruturais visíveis.
Como foi feita a pesquisa
- Foram analisadas imagens cerebrais de quase 1.000 adultos saudáveis (do UK Biobank).
- Parte dos participantes teve exames antes e depois da pandemia, e outros só antes.
- Usando técnicas avançadas de imagem e inteligência artificial, os cientistas estimaram a “idade cerebral” de cada pessoa — ou seja, o quão velho o cérebro parece ser comparado à idade real.
- O modelo de “idade cerebral” foi baseado em mais de 15.000 exames de pessoas saudáveis.
A pesquisa foi publicada na revista científica Nature Communications após passar por revisão por pares — processo em que outros especialistas independentes avaliam a qualidade e a validade do estudo antes de sua publicação.
O estudo contou com apoio do National Institute for Health and Care Research (NIHR) — instituto nacional do Reino Unido voltado para financiamento e promoção de pesquisas em saúde e cuidado — e do programa DEMISTIFI do Medical Research Council (MRC), a principal agência governamental britânica de fomento à pesquisa biomédica e científica.
Mais pobres foram mais afetados
Os pesquisadores ainda não podem afirmar com certeza se esse envelhecimento aumenta o risco de doenças neurodegenerativas no futuro.
“Nosso estudo não consegue responder diretamente a essa questão. Sabemos por pesquisas anteriores que um gap maior de idade cerebral [diferença entre a idade que o cérebro aparenta ter e a idade real da pessoa] pode estar associado a maior risco de condições neurodegenerativas, mas nossos dados, que abrangem apenas dois momentos no tempo, não permitem fazer previsões clínicas de longo prazo”, esclareceu o pesquisador.
Quanto ao papel da infecção pela covid-19, o impacto observado se refere principalmente a quem teve infecções leves, já que o número de participantes hospitalizados foi pequeno. Por isso, não foi possível avaliar de forma significativa o efeito da gravidade da doença sobre o envelhecimento do cérebro.
“Os nossos resultados refletem principalmente os efeitos de infecções leves de covid-19 na população geral”, completou o pesquisador.
Em relação aos fatores que contribuíram para o envelhecimento, os autores admitem que não conseguiram separar o impacto do isolamento social e do estresse psicológico vivido durante a pandemia.
“Isolamento, dificuldades econômicas, preocupações com a saúde e o estresse psicológico foram todos parte da experiência pandêmica, e o estudo não foi desenhado para separar esses fatores”, disse Mohammadi-Nejad. Ele reconheceu que futuros estudos poderiam explorar mais detalhadamente o papel de cada uma dessas variáveis.
Apesar de o estudo não ter testado intervenções, o pesquisador indica que estilos de vida saudáveis podem ser investigados em futuras pesquisas.
“Atividade física, sono adequado, estímulo cognitivo e conexão social podem ajudar a proteger a saúde cerebral diante do estresse causado pela pandemia.”
No entanto, ele alertou que ainda não há evidências diretas de que essas práticas consigam reverter o envelhecimento observado no estudo.
A equipe tem interesse em continuar acompanhando os mesmos participantes para avaliar se há recuperação ao longo do tempo, mas ainda não há planos confirmados para novas rodadas de exames no UK Biobank.
“Seriam necessários novos dados de imagem para determinar se as mudanças que observamos são persistentes ou reversíveis.”
Em relação à saúde mental, o estudo excluiu pessoas com doenças crônicas graves, incluindo depressão diagnosticada, para evitar que condições pré-existentes influenciassem os resultados. Entretanto, sintomas leves ou não diagnosticados não foram analisados.
O pesquisador reconheceu que o impacto de alterações sutis de saúde mental sobre o envelhecimento cerebral ainda é uma questão em aberto.
O estudo também mostrou que pessoas de contextos socioeconômicos mais desfavorecidos foram mais afetadas.
“Provavelmente essas pessoas enfrentaram níveis mais altos de estresse, menor acesso a cuidados de saúde ou redes de apoio, e maior exposição às dificuldades impostas pela pandemia”, afirmou o pesquisador.
Ele acrescentou que essa vulnerabilidade pode ter amplificado os efeitos negativos no cérebro, refletindo as desigualdades sociais também em termos de saúde neurológica.
Limitações do estudo
O próprio pesquisador destaca algumas limitações importantes do estudo. Uma delas é que os dados analisados abrangem apenas dois momentos no tempo — antes e depois da pandemia — o que impede qualquer conclusão sobre efeitos de longo prazo ou sobre uma eventual recuperação espontânea do cérebro.
Além disso, o método utilizado estima a idade cerebral de forma global e não permite identificar quais áreas específicas do cérebro podem ter sido mais afetadas.
Outra limitação é que a maioria dos participantes que teve covid-19 apresentou apenas quadros leves da doença, o que dificulta avaliar o impacto de infecções mais graves.
O estudo também não foi desenhado para diferenciar o peso de fatores como isolamento social, estresse psicológico ou dificuldades econômicas na aceleração do envelhecimento.
Por fim, o impacto de sintomas leves ou não diagnosticados de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, não foi analisado, o que deixa em aberto o papel desses fatores no envelhecimento cerebral observado.