Como 8 pessoas sobreviveram por 2 anos fechadas em ‘mini-Terra’ — e o que a experiência revelou sobre nosso planeta
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- Author, Katarina Zimmer
- Role, BBC Future
Em meio ao deserto do Arizona, encontra-se uma estrutura que parece ter saído de um filme de ficção científica.
Dentro de um enorme complexo de pirâmides, cúpulas e torres de vidro, espalhadas por 1,2 hectare, há uma floresta tropical com uma cachoeira de 7,6 metros, uma savana e um deserto de névoa. Eles ficam ao lado de um pântano repleto de manguezais e um oceano maior do que uma piscina olímpica, que inclui seu próprio recife de coral vivo.
Parece uma pequena cápsula da Terra, e é por isso que esta estrutura é chamada de Biosfera 2, em homenagem ao nosso planeta, a Biosfera 1.
A paisagem desolada forma o cenário perfeito para o experimento futurista que ocorreu aqui. No início da década de 1990, oito pessoas se trancaram dentro desta estrutura, isoladas do mundo exterior por dois anos, para explorar os desafios de viver em um sistema autossuficiente — um pré-requisito para a construção de colônias no espaço sideral.
Eles se alimentavam das plantações que cultivavam, reciclavam sua própria água residual e cuidavam das plantas que produziam seu oxigênio.
Em termos de manutenção da vida humana, o experimento não foi bem-sucedido. Como disse um analista no documentário Spaceship Earth, de 2020, “tudo o que poderia dar errado deu errado”.
Os níveis de oxigênio despencaram, deixando os habitantes doentes, enquanto os níveis de dióxido de carbono (CO₂) aumentaram. Inúmeros animais morreram, incluindo os polinizadores de que as plantas precisavam para se reproduzir.
E, embora os “biosféricos” tenham sobrevivido com os alimentos cultivados localmente, eles perderam peso a ponto de se tornarem um estudo de caso para restrição calórica. Quando foi necessário fornecer oxigênio suplementar, os analistas criticaram o projeto, chamando-o de “fracasso” e “bobagem da nova era disfarçada de ciência”.
Nos últimos anos, no entanto, muitos especialistas passaram a ver o experimento Biosfera 2 sob uma nova perspectiva, com lições valiosas sobre ecologia, ciência atmosférica e, principalmente, sobre a insubstituibilidade de nosso próprio planeta.
Lisa Rand, historiadora da ciência do Instituto de Tecnologia da Califórnia, argumenta que vale a pena revisitar essas lições, especialmente nos dias de hoje, à medida que bilionários promovem programas espaciais privados e cogitam a ideia de colônias espaciais, enquanto nosso próprio planeta sofre cada vez mais com as mudanças climáticas e outros problemas causados pelo ser humano.
E para os cientistas ambientais, o experimento Biosfera 2 também demonstra o valor de experimentos ousados para entender melhor como o mundo natural funciona.
Atualmente, a instalação está repleta de cientistas testando os efeitos das mudanças climáticas em seus ecossistemas vivos. Longe de ajudar os humanos a escapar da Terra, a Biosfera 2 parece ter se tornado uma das nossas melhores ferramentas para entender a Biosfera 1.
“Não foi um fracasso”, diz Rand.
“Acho que, na verdade, estava à frente do seu tempo.”
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Embora o experimento Biosfera 2 seja frequentemente descrito como um teste para uma futura colônia espacial na Lua ou em Marte, o projeto, na verdade, tinha raízes ambientais profundas, diz Mark Nelson, um dos oito “biosféricos”, que é diretor fundador do Institute of Ecotechnics, uma organização sem fins lucrativos.
A ideia da Biosfera 2 surgiu de um grupo de pessoas — incluindo Nelson —, que viviam em uma ecovila em um rancho do Novo México, e que dedicavam seu tempo à agricultura orgânica, à arte performática e à carpintaria. O fundador do grupo, John Allen, sonhava em construir um sistema autossustentável para entender melhor as complexidades da Terra, e encontrar maneiras de usar a tecnologia para conviver em paz com o mundo natural, explica Nelson.
O projeto foi financiado pelo bilionário Ed Bass, que investiu cerca de US$ 150 milhões na Biosfera 2 (equivalente hoje a US$ 440 milhões, ou R$ 2,4 bilhões). Sob a liderança de Allen, a construção começou em 1984. Foi — e continua sendo — a maior construção do tipo a ser quase totalmente isolada da atmosfera, segundo Nelson.
Embora nenhum de seus ecossistemas fosse um modelo perfeito da sua contraparte no mundo real, cada um deles foi projetado com tipos semelhantes de vegetação, junto a uma seleção de insetos, peixes e pássaros, conta John Adams, atual vice-diretor da Biosfera 2.
Um pedaço de terra agrícola foi incluído para o cultivo. Um sistema subterrâneo de tubulações e bombas controlava tudo, desde a temperatura até a umidade. Outros sistemas reciclavam a água residual para irrigação das plantações, e coletavam água potável a partir da condensação nas unidades de ar-condicionado.
A Biosfera 2 foi planejada para operar por um século, mas quando os “biosféricos” entraram na instalação em setembro de 1991, “era um experimento tão vasto que nenhum de nós oito tinha certeza de que conseguiríamos sobreviver de uma forma ou de outra por dois anos lá dentro”, lembra Nelson.
Nelson e Adams veem os acontecimentos que se desenrolaram lá dentro não como fracassos, mas como os resultados de um experimento, como ocorreria em qualquer outro estudo científico.
“Na ciência, não existe experimento fracassado”, observa Adams.
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A questão mais urgente para os “biosféricos” foi o declínio dos níveis de oxigênio, que caíram dos níveis normais —- cerca de 21% na atmosfera — para cerca de 14% após 16 meses.
Isso é equivalente aos níveis de oxigênio a cerca de 3.350 metros acima do nível do mar. Até que o oxigênio suplementar fosse introduzido, os “biosféricos” se sentiram cansados e fracos devido ao mal da altitude, tornando a agricultura e outros trabalhos árduos, lembra Nelson.
Os cientistas levaram algum tempo para descobrir esses e outros problemas, segundo David Tilman, da Universidade de Minnesota Twin Cities, que fez parte de um comitê de ecologistas que analisou o experimento após sua conclusão. “Ficou muito claro para nós que o problema era muito mais complexo do que se poderia imaginar a princípio”, diz ele.
Os especialistas descobriram que a causa era o solo extremamente rico e jovem que havia sido introduzido para fomentar o rápido crescimento das plantações e de outras vegetações. Isso criou uma grande quantidade de alimentos para bactérias e fungos que, assim como nós, consomem oxigênio e emitem CO₂.
As árvores e os arbustos dos novos ecossistemas — que absorvem CO₂ e liberam oxigênio — eram muito jovens, e em número muito menor do que o de micróbios para contrabalançar esse efeito.
“Acho que essa foi uma lição muito importante a ser aprendida: que o microbioma [do solo], mesmo que não possamos vê-lo, é extremamente influente”, diz Adams.
Felizmente, o aumento do CO₂ — um gás de efeito estufa que aquece a atmosfera — foi atenuado pelo fato de que grande parte dele foi absorvido pelas superfícies de concreto da instalação. Os “biosféricos” também fizeram o possível para conter o aumento, e aumentar os níveis de oxigênio.
Eles cortaram gramíneas mortas na savana, e podaram espécies de crescimento rápido da floresta tropical para estimular seu crescimento — armazenando a vegetação cortada em condições secas para desacelerar sua decomposição, um processo que libera CO₂, explica Nelson. Eles também plantaram espécies de crescimento rápido, como cana-de-açúcar, e criaram um canteiro de algas no porão — mas, ainda assim, os níveis de oxigênio diminuíram.
Embora algumas “extinções” dentro dos ecossistemas fossem esperadas à medida que eles se estabilizavam, o desaparecimento de insetos polinizadores foi um problema inesperado para a vida vegetal.
Nelson atribui esse fato a uma explosão na população de formigas loucas (Paratrechina longicornis) que atacam os polinizadores, enquanto o ecologista Brian McGill, da Universidade do Maine, sugere que os insetos podem ter morrido porque o vidro que envolve a Biosfera 2 bloqueou a luz ultravioleta, necessária para que encontrem as flores.
“As abelhas, em particular, enxergam no espectro UV”, diz ele.
A questão não era urgente, já que a maioria das plantas com flores dos ecossistemas eram longevas, mas alguns “biosféricos” polinizaram algumas espécies manualmente, colocando o pólen nas flores para que as sementes pudessem se formar, diz Nelson. O plano de longo prazo era controlar as populações de formigas, e introduzir novos polinizadores do mundo exterior.
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Os cientistas fizeram outras observações interessantes. Eles perceberam que algumas árvores ficaram fracas e mais propensas a quebrar, provavelmente devido à falta de vento, que faz com que as árvores produzam “madeira de reação” que as fortalece, diz McGill.
A bióloga marinha e geocientista Diane Thompson, que agora dirige a pesquisa marinha na instalação, afirma que os cientistas também aprenderam muito sobre os tipos de luz que os corais precisam para prosperar em cativeiro.
Mas a lição mais importante da experiência dos “biosféricos”, concordam os especialistas, é a percepção de como seria difícil viver em outro lugar que não a Terra. Os seres humanos não podem existir isoladamente; eles vêm em “pacotes biosféricos”, como diz Nelson, e recriar esses sistemas complexos não é uma tarefa fácil.
Embora Tilman acredite que alguns dos problemas possam ter sido solucionados, ficou claro durante sua visita à instalação que ela estava muito longe de ser capaz de sustentar a vida humana.
“Fiquei realmente impactado quando vi aquilo, porque… meu palpite inicial era que provavelmente daria certo”, diz ele. Agora, “acredito firmemente que este é realmente o nosso único planeta”.
Por tabela, o experimento ressaltou, portanto, a necessidade de proteger nosso planeta em estado intacto. Considere os imensos custos tecnológicos — sem mencionar o árduo trabalho físico dos “biosféricos” — para manter a atmosfera e os sistemas de suporte à vida intactos.
Tilman estima que, se as futuras colônias espaciais forem parecidas com a Biosfera 2, elas custariam US$ 82,5 mil por pessoa por mês para serem habitadas, e mesmo assim não garantiria a manutenção da vida humana.
“É incrivelmente caro tentar substituir os serviços que os ecossistemas da Terra fornecem gratuitamente à humanidade”, destaca Tilman.
Para Nelson, perceber que sua própria sobrevivência dependia inteiramente da saúde dos ecossistemas ao seu redor foi transformador, como ele escreveu com colegas no livro Life Under Glass. Ser um “biosférico” significava viver da forma mais sustentável possível — usando as práticas agrícolas mais suaves, evitando a poluição em qualquer parte da Biosfera 2, e respeitando todas as plantas produtoras de oxigênio.
“O simples fato de estar em um pequeno sistema onde você vê essa realidade — que você faz parte desse sistema, e que esse sistema é o seu suporte de vida —, muda a maneira como você pensa em um nível muito profundo”, diz Nelson.
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Quando o experimento foi concluído em 1993, essas mensagens foram amplamente ofuscadas pela cobertura negativa da mídia em torno do projeto, diz Rand. Segundo ela, isso ocorreu devido à forma como o projeto parecia entrar em conflito com as opiniões amplamente aceitas na época.
Muitos especialistas tinham visões rígidas de como a ciência deveria ser feita, e não consideravam o projeto um experimento legítimo. Ele foi financiado por um indivíduo rico, em vez de um governo, e conduzido por generalistas autodidatas em ciências, em vez de cientistas com doutorado de instituições acadêmicas. Rand acredita que isso seria muito menos polêmico hoje em dia.
Enquanto isso, como o público via o projeto como uma “arca de vidro” ou modelo de uma futura colônia espacial, os “biosféricos” foram vistos como “trapaceiros” quando um deles foi levado ao hospital devido ao corte de um dedo em uma máquina de descascar arroz ou quando instalaram a bomba de oxigênio, diz Rand.
“Acho que é justo especular que os eventos que foram percebidos pelos jornalistas [e pelo público] como fracassos, poderiam ter sido vistos como resultados experimentais normais e válidos, se o projeto fosse realizado agora”, ela afirma.
A percepção negativa da mídia — assim como divergências sobre como gerenciar a Biosfera 2 após o término do experimento original — geraram desafios para os responsáveis pela supervisão do projeto, diz Adams.
Em 1996, Ed Bass passou o gerenciamento da instalação para a Universidade de Columbia e, por fim, doou para a Universidade do Arizona. Os cientistas destas instituições viram a oportunidade única que a Biosfera 2 oferecia, segundo Adams.
Os ecologistas que estudam como os sistemas vivos funcionam geralmente fazem isso analisando o que acontece após vicissitudes como ondas de calor ou secas, explica McGill. Mas para prever como as mudanças climáticas, por exemplo, vão alterar os ecossistemas da Terra no futuro, eles precisam recriar condições futuras e ver como os seres vivos respondem.
Como uma máquina do tempo, a Biosfera 2 permite que eles façam exatamente isso. Desde o primeiro experimento, “a Biosfera 2 foi uma demonstração muito interessante e vívida da necessidade de a ecologia ser preditiva”, observa McGill.
Hoje, a floresta tropical da Biosfera 2 é palco de experimentos que testam como suas contrapartes do mundo real podem se sair sob o aquecimento global. Um estudo, que aumentou sua temperatura, descobriu que as florestas são surpreendentemente resilientes ao calor; e é a seca associada ao aquecimento que as prejudica.
Mais recentemente, a ecologista Christiane Werner, da Universidade de Freiburg, na Alemanha, e seus colegas expuseram a floresta a uma seca de 70 dias.
Eles aprenderam como algumas árvores sobrevivem ao explorar as camadas profundas e úmidas do solo, e que as árvores afetadas pela seca liberam mais compostos chamados monoterpenos, que formam partículas transportadas pelo ar que poderiam servir como sementes para as tão necessárias nuvens de chuva.
Graças à Biosfera 2, “é possível submeter uma floresta inteira a uma seca, e monitorar todos esses processos ao longo do caminho”, diz ela.
O recife de coral, por sua vez, foi o local de um dos primeiros experimentos a mostrar que, à medida que os oceanos se tornam mais ácidos — o que acontece quando eles absorvem CO₂ —, fica mais difícil para os corais crescerem e se desenvolverem.
Agora, os cientistas estão simulando ondas de calor severas no minioceano da Biosfera 2, e planejam testar se probióticos ou a exposição dos corais ao calor antes de transplantá-los para o recife podem torná-los mais resistentes.
“Se aquecermos o oceano”, pergunta Thompson, “será que essas soluções vão funcionar — não apenas agora, mas nas próximas décadas?”
Adams diz que espera que a Biosfera 2 possa fazer pelos ecologistas o que o Grande Colisor de Hádrons está fazendo para melhorar a compreensão dos físicos sobre a física de partículas, e o que o Telescópio James Webb está fazendo pelos astrônomos que buscam vislumbres mais profundos do Universo.
Mas o megaexperimento de ecologia não nos ajuda apenas a entender melhor as complexidades do mundo vivo, e como ele está mudando em meio à turbulência planetária. Sua história, diz Nelson, também deve inspirar e ajudar cada um de nós a cuidar melhor do nosso planeta, a Biosfera 1. Em última análise, somos todos “biosféricos”.