Bolsonaro: o que dizem criminalistas sobre a decisão do STF
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- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
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Na visão dos professores Davi Tangerino (UERJ) e Aury Lopes (PUC-RS), juristas que já criticaram decisões passadas do ministro, as medidas adotadas agora tentam evitar que Bolsonaro busque asilo na embaixada americana em Brasília, o que dificultaria o andamento do processo contra ele e intensificaria a crise entre Brasil e Estados Unidos.
Tangerino, porém, critica a proibição de que o ex-presidente fale com seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, embora reconheça que a prática de impedir que investigados falem entre si seja comum na Justiça Brasileira.
Moraes proibiu ainda Bolsonaro de usar as redes sociais e de sair de casa à noite e nos fins de semana, e determinou uma busca em sua casa, local em que foram apreendidos US$ 14 mil em dinheiro vivo.
A decisão foi submetida ao plenário virtual da Primeira Turma, formada também pelos ministros Flavio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O grupo manteve a determinação de Moraes.
As medidas foram adotadas após pedido da Polícia Federal, referendado pela Procuradoria-Geral da República.
Após isso, Eduardo Bolsonaro disse publicamente que a ação de Trump respondeu a suas articulações em defesa do pai.
O deputado licenciado se mudou em fevereiro para os Estados Unidos, onde tem mantido reuniões com integrantes do governo americano e aliados de Trump, em busca de ações contra a Justiça brasileira, como sanções diretas a Moraes.
Depois disso, o STF abriu um inquérito contra Eduardo para investigá-lo por crime de obstrução de Justiça. Posteriormente, Jair Bolsonaro também foi incluído no inquérito.
Um dos elementos citados contra o ex-presidente foi o fato de ele ter enviado R$ 2 milhões ao filho para custeá-lo nos EUA. O dinheiro foi arrecadado entre apoiadores via Pix no passado.
A decisão menciona diversas manifestações do ex-presidente e seu filho nas redes sociais agradecendo o apoio de Trump e condicionando o fim das sanções americanas ao Brasil à aprovação de uma anistia para Bolsonaro e outros acusados de terem tentado um golpe de Estado contra a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Para o doutor em Direito Processual Penal e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Aury Lopes Jr, seria “absurdo” o STF mudar sua atuação em processos e investigações contra Bolsonaro por interferência americana.
Ele ressalta que os três Poderes estabelecidos na Constituição brasileira são independentes, não sendo possível ao governo Lula negociar a retirada de sanções comerciais em troca de um alívio para o ex-presidente no processo que corre no Supremo.
Na sua visão, Moraes fundamentou adequadamente sua decisão nas evidências de que Bolsonaro e seu filho tentaram “tumultuar” o andamento de investigações e do processo criminal contra o ex-presidente.
“A gente pode concordar ou não com a decisão, mas fundamentação tem”, afirmou.
“O ministro decidiu a partir de um pedido da polícia, com o aval do PGR (procurador geral da República). Então, não foi algo de ofício, que partiu dele. E ele está levando ao plenário virtual, para chancela da Primeira Turma, onde vai dividir a responsabilidade com os demais ministros”, continuou.
Segundo Lopes Jr, a decisão de Moraes tenta interromper a tentativa de interferência no Poder Judiciário e impedir que Bolsonaro fuja do país ou busque asilo na embaixada dos EUA, ou de outro país.
“Se ele recebesse asilo na embaixada dos EUA, daria um problema gigantesco, muito sério”.
O professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino tem leitura semelhante.
Para ele, a decisão de Moraes não se trata de uma retaliação à pressão tarifária americana, mas é uma reação no sentido de tentar evitar que Bolsonaro fuja para os EUA.
“Essa decisão tem uma conexão direta com essa ofensiva do Trump. Se os Estados Unidos encasquetarem de botar o Bolsonaro num avião, fica muito mais difícil para o Brasil resistir a uma decisão dessa natureza também. Moraes parece querer evitar algo assim”, disse.
Os dois juristas não consideraram abusiva a proibição de uso das redes sociais por Jair Bolsonaro, já que a decisão mostra que esse meio tem sido usado para pressionar o Judiciário.
Já a proibição de Bolsonaro falar com seu filho Eduardo causou “estranheza” entre os entrevistados.
Lopes Jr pondera, no entanto, que o deputado licenciado está atuando como porta-voz de Bolsonaro nos EUA. E, na medida em que essa atuação busca uma interferência em um processo criminal, seria fundamentada a proibição.
Tangerino, por sua vez, considera abusiva a proibição de investigados se falarem, porque, na sua visão, fere o direito à defesa. Mas ele ressalta que essa é uma decisão comum na Justiça brasileira.