Avião cai na Índia: o que pode ter causado a queda em apenas 30 segundos?
Crédito, Getty Images
- Author, Soutik Biswa
- Role, Correspondente da BBC News na Índia
O que exatamente aconteceu com o voo AI171 da Air India nesta quinta-feira (12/6) só será revelado por uma investigação detalhada, mas sabe-se que os momentos após a decolagem podem ser os mais desafiadores na aviação.
Investigadores indianos serão acompanhados por especialistas americanos e do Reino Unido nos próximos dias, enquanto as autoridades tentam estabelecer a causa da queda do Boeing 787-8 Dreamliner logo após a decolagem, a apenas 1,5 km da pista do Aeroporto Internacional Sardar Vallabhbhai Patel, na cidade de Ahmedabad, no estado de Gujarate na Índia.
Esta é a primeira vez que um 787-8 Dreamliner sofre um acidente fatal desde que entrou em serviço comercial em 2011. O desastre desta quinta-feira matou 241 pessoas a bordo e um número ainda indeterminado de pessoas em solo.
A BBC conversou com especialistas em aviação e também com pilotos baseados na Índia — alguns dos quais falaram sob condição de anonimato — que regularmente voam com os Dreamliners partindo dos aeroportos internacionais da Índia, para descobrir quais fatores podem ter causado a colisão do avião com prédios residenciais no coração de Ahmedabad, poucos momentos após o início do voo.
Dificuldade para ganhar altitude
O 787-8 Dreamliner foi pilotado pelo capitão Sumeet Sabharwal e seu copiloto Clive Kundar. Os dois eram altamente experientes, com mais de 9 mil horas de voo combinadas. Sabharwal acumulou mais de 22 anos de experiência como piloto de linha aérea comercial.
O avião transportava 242 pessoas enquanto taxiava pela pista do Aeroporto Internacional de Ahmedabad na tarde de quinta-feira. O jato decolou às 13h39, pelo horário local (5h09 pelo horário de Brasília), informou a operadora Air India.
O ministro do Interior da Índia, Amit Shah, disse que o avião transportava 100 toneladas de combustível – praticamente a carga completa – ao decolar de Ahmedabad.
Quase imediatamente após a decolagem, a cabine emitiu um sinal de socorro, informou o órgão regulador da aviação da Índia.
Imagens autenticadas pela BBC Verify, serviços de verificação da BBC, mostram o avião voando baixo sobre o que parece ser um bairro residencial.
Os dados finais transmitidos mostraram que o avião atingiu uma altitude de 109 metros. Ele desceu e ficou oculto por árvores e prédios, antes de uma grande explosão surgir no horizonte.
“Não haveria tempo para ele reagir se perdesse os dois motores”, disse um piloto.
Imagens de câmeras de segurança vistas pela BBC Verify mostraram que o avião permaneceu no ar por 30 segundos.
A aeronave caiu em uma área residencial, com imagens mostrando blocos habitacionais bastante danificados em uma área densamente construída, que incluía hospitais e prédios oficiais.
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Especulação sobre falha dupla ‘muito rara’ de motor
É quase impossível estabelecer definitivamente a causa do desastre com base nos vídeos do breve voo do avião.
Nos próximos dias, uma investigação complexa envolvendo a caixa-preta do avião – que registra os dados do voo – e uma análise dos destroços será iniciada. Mas vídeos mostram o avião com dificuldades para decolar, aparentemente devido à falta de propulsão ou potência.
Uma causa que tem sido especulada por alguns especialistas é a possibilidade de uma falha extremamente rara nos dois motores.
Questiona-se se a turbina Ram Air (RAT) do avião estava acionada, uma turbina reserva de emergência que entra em ação quando os motores principais falham em gerar energia para os sistemas essenciais.
Falhas em dois motores são quase inéditas, sendo o exemplo mais notável o “Milagre no Hudson” de 2009, quando um Airbus A320 da US Airways perdeu os dois motores em uma colisão com pássaros momentos após a decolagem do Aeroporto LaGuardia, em Nova York, mas voou em segurança.
Um piloto sênior disse à BBC que falhas em dois motores também podem resultar de contaminação ou entupimento do combustível.
Motores de aeronaves dependem de um sistema preciso de medição de combustível – se esse sistema for bloqueado, pode levar à falta de combustível e ao desligamento do motor.
Marco Chan, ex-piloto, disse à BBC Verify que não há nenhuma evidência que sugira uma falha em dois motores com base nas imagens disponíveis.
Mohan Ranganathan, especialista em aviação, disse à BBC que uma falha em dois motores seria “um incidente muito, muito raro”.
A fabricante de motores GE Aerospace informou que enviaria uma equipe à Índia para ajudar na investigação, enquanto a Boeing afirmou que ofereceria total apoio à companhia aérea.
Elas ocorrem quando um avião colide com um pássaro e podem ser extremamente perigosas para as aeronaves. Em casos graves, os motores podem perder potência se sugarem um pássaro, como aconteceu no desastre aéreo de Jeju, na Coreia do Sul, que matou 179 pessoas no ano passado.
Especialistas e pilotos familiarizados com o aeroporto de Ahmedabad disseram à BBC que ele é “notório pela presença de pássaros”.
“Eles estão sempre por perto”, diz Ranganathan, ecoando o que pelo menos três pilotos indianos que voaram de e para o aeroporto disseram à BBC.
O estado de Gujarat, onde Ahmedabad está localizada, relatou 462 incidentes de colisão com pássaros em cinco anos, com a maioria ocorrendo no aeroporto de Ahmedabad, de acordo com dados do Ministério da Aviação Civil apresentados ao Parlamento em dezembro de 2023.
Uma reportagem do Times of India de setembro de 2023 citou dados da Autoridade Aeroportuária que registravam 38 colisões com pássaros em 2022-23 em Ahmedabad, um aumento de 35% em relação aos 12 meses anteriores.
Num caso de 2009, um bando de gaivotas foi engolido a 820 metros de altitude – mais de quatro vezes mais alto que o voo da Air India. Neste caso, os pilotos indianos não tinham altitude nem tempo para manobrar.
No entanto, um piloto experiente afirmou que o impacto de um pássaro raramente é catastrófico, “a menos que afete ambos os motores”.
Abas das asas podem ter contribuído?
Três especialistas que conversaram com a BBC Verify sugeriram que o desastre pode ter ocorrido porque os flaps da aeronave (abas localizados nas pontas das asas) não foram estendidos durante a decolagem — embora outros pilotos e analistas tenham contestado essa hipótese.
Os flaps desempenham um papel vital durante a decolagem, ajudando a aeronave a gerar sustentação máxima em velocidades mais baixas.
Se não forem estendidos corretamente, um jato totalmente carregado — transportando passageiros, combustível pesado para um voo de longa distância e enfrentando condições de calor intenso — terá dificuldade para decolar.
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Em Ahmedabad, onde as temperaturas se aproximaram dos 40°C na quinta-feira, o ar rarefeito teria exigido ajustes mais altos dos flaps e maior empuxo do motor, disse um piloto à BBC. Nessas condições, mesmo um pequeno erro de configuração pode ter consequências catastróficas.
Imagens de câmeras de segurança divulgadas no final da tarde de quinta-feira mostraram o avião decolando de Ahmedabad, lutando para atingir altitude e, em seguida, descendo lentamente antes de cair.
Mas uma corrida de decolagem com os flaps recolhidos acionaria alertas do Sistema de Alerta de Configuração de Decolagem do 787, alertando a tripulação sobre uma configuração insegura, de acordo com um piloto com quem a BBC conversou.
O ex-piloto Marco Chan disse à BBC Verify que as imagens divulgadas até agora estão distorcidas demais para estabelecer com certeza se os flaps estavam estendidos, mas disse que tal erro seria “altamente incomum”.
“Os flaps são ajustados pelos próprios pilotos, antes da decolagem, e há várias listas de verificação e procedimentos para verificar a configuração”, disse Chan.
“Isso indicaria um potencial erro humano se os flaps não estivessem ajustados corretamente.”
Reportagem adicional de Jake Horton