Austrália: a floresta ‘mágica’ de organismos que brilham à noite
- Author, Frankie Adkins
- Role, BBC Travel
Mas não estou olhando para o céu, iluminado por centenas de constelações. Trata-se do banco enlameado de um rio, ocupado por uma colônia de “vermes brilhantes”.
“Esta é minha televisão”, conta David Finlay. “É mágico, parece ter saído de Avatar.”
De dia, Finlay trabalha como gerente de transporte. Mas, à noite, ele vasculha a mata nativa e as praias australianas em busca de luzes vivas.
“Se você ficar trancado em casa, perde estas coisas”, defende ele. “Enquanto todo mundo se aninha à noite, eu penso: ‘como posso me divertir?'”
Criaturas bioluminescentes se escondem em muitos cantos do mundo. Mas a região de Illawarra, no litoral de Nova Gales do Sul, na Austrália, é um ímã que atrai fenômenos brilhantes.
Ali, a poluição luminosa é baixa. Com muita chuva e alta umidade, forma-se um microclima ideal para que estas criaturas possam se reproduzir e capturar suas presas.
Muitas delas se aglomeram ao longo das escarpas de Illawarra, um conjunto de rochedos de arenito, ladeados por florestas que levam ao Oceano Pacífico.
“O habitat das nossas escarpas é especial”, explica Finlay. “É uma floresta subtropical preservada, que ajuda a proteger as frágeis formas de vida bioluminescentes.”
Da sua casa na cidade de Kiama, Finlay pode identificar os “quatro grandes” andando de carro por uma hora: centelhas-do-mar, um tipo de plâncton que tinge o oceano de um azul elétrico; fungos-fantasmas, que são cogumelos que irradiam um tom de verde misterioso; e duas espécies de vaga-lumes, que iluminam o céu noturno como se fossem lanternas minúsculas.
Estes fenômenos naturais são notoriamente imprevisíveis e instáveis. Eles são determinados pelas estações e por padrões climáticos e luminosos.
Eles também são extremamente frágeis. Existem cada vez mais evidências de que as criaturas bioluminescentes estão em declínio, devido às mudanças climáticas e à interferência humana.
Mas, para um número cada vez maior de caçadores de brilhos, como Finlay, que fazem suas visitas com todo cuidado, o desafio faz parte da aventura.
Crédito, David Finlay
Encontro Finlay em uma clareira perto de Cascade Falls, uma cachoeira localizada no Parque Nacional Macquarie Pass. O sol se pôs há apenas uma hora, mas estamos imersos na escuridão.
É noite de sexta-feira. Enquanto a maioria das pessoas usa luzes artificiais para ficar torrando até o final da semana, estamos em busca de brilhos naturais na escuridão da noite.
Caminhamos por uma trilha que passa por imensos eucaliptos. As lanternas nas nossas cabeças lançam luz vermelha, para perturbar a vida selvagem o mínimo possível.
A lua cheia nos orienta de cima e o fluxo do rio nos acompanha, guiando nossos passos até a cachoeira.
“Se algo passar voando junto ao seu rosto, provavelmente é apenas um morcego minúsculo”, alerta Finlay. “Eles são muito gentis, apenas procuram insetos para comer.”
Ele conta que o microclima de Cascade Falls é ideal para os vaga-lumes.
Uma das espécie é conhecida como glow worms (“vermes brilhantes”, em tradução literal). Mas, na verdade, eles não são vermes.
Na Austrália e na Nova Zelândia, eles são as larvas do mosquito-dos-fungos. Em outras partes do mundo, o brilho costuma vir de besouros.
Eles se escondem em lugares úmidos e escuros, como cavernas, túneis abandonados ou densas florestas tropicais.
Estes insetos são endêmicos na Austrália e na Nova Zelândia. Muitos turistas visitam pontos icônicos no monte Tamborine, no Estado australiano de Queensland. Mas existem colônias menos conhecidas que podem ser observadas, se você souber onde procurar.
Crédito, David Finlay
Meus olhos se ajustam e começo a observar mais detalhes, como as raízes nodosas de uma árvore e o chapéu de um cogumelo.
Mas a visão de Finlay é muito mais treinada. Ele consegue identificar facilmente os olhos de uma aranha-de-prata piscando para nós, como os olhos de um gato na estrada.
Ele aponta uma lanterna UV em direção ao solo e ilumina a vegetação rasteira. Uma lagarta brilha em branco fluorescente, liquens emitem luz verde neon e uma folha mostra um tom agressivo de azul elétrico.
“Ah, isso é só urina de marsupiais”, explica ele.
Finlay organiza tours específicos para observar as luzes brilhantes do Illawarra. Ele apresenta aos turistas e moradores locais o espetáculo que a maioria de nós ignora à noite.
Sua página no Facebook divulga os eventos com antecedência. No ano passado, as centenas de vagas para os seus tours se esgotaram rapidamente. Ao todo, 25 mil pessoas competiram para garantir um lugar.
“Para muitas pessoas, é como encontrar ouro”, explica Finlay. “E ninguém irá dizer onde encontrar o ouro.”
Mas é preciso manter o delicado equilíbrio entre orientar os visitantes e conservar os habitats.
“Este parque nacional já sofreu impactos causados pelas pessoas”, afirma ele. “Eu não conto a elas sobre os pontos realmente naturais, pois o excesso de visitantes destruiria aqueles ambientes.”
Os vaga-lumes e os “vermes luminosos” são incrivelmente sensíveis e suscetíveis à destruição do seu habitat pelas pessoas, como a urbanização e as queimadas.
Os incêndios florestais do “Verão Negro” de 2019-2020 varreram uma quantidade “horrível” de criaturas bioluminescentes, segundo Finlay, afetando colônias em parques nacionais de toda a Austrália.
“Forneço às pessoas uma lista do que fazer e do que não fazer no ambiente selvagem e peço que elas ensinem isso para outras pessoas”, conta ele.
Crédito, David Finlay
Como em quase tudo que envolve o mundo natural, uma regra de ouro é olhar sem tocar.
“Segurar um vaga-lume na palma da sua mão irá matá-lo”, explica Finlay.
Acender luzes brilhantes ou mesmo respirar muito perto pode fazer com que eles se fechem e prejudicar seus padrões de alimentação. Por isso, mantemos a voz baixa, sussurramos e pisamos com cuidado, para nos movermos lentamente pelos arbustos.
Por segurança, Finlay sugere trazer um amigo para a aventura noturna. Ele aponta uma caneta laser para o céu e traça o Cruzeiro do Sul, para o caso de eu me perder e precisar me orientar no caminho noturno.
Descemos pelo terreno em direção à entrada da cachoeira, seguindo as minúsculas esferas luminosas.
Escondidos na parte superior do rio, ficam dezenas de “vermes luminosos”, parecendo uma gruta de fadas ou um anúncio de Natal piscando.
Quando chegamos mais perto, fios de teias sedosas se espalham e ficam suspensos como colares de pérolas.
“As larvas luminescentes se escondem da luz do sol”, explica Finlay. “Elas se arrastam até cantos e fendas e, quando saem à noite, precisam reconstruir suas teias.”
Apesar da beleza, as teias são armadilhas mortais. Elas capturam insetos que são atraídos pela luz cintilante.
As margens do rio parecem ainda mais espetaculares nas lentes das câmeras, com as gotículas de cristal reunidas em torno da luz iridescente.
Fica claro por que o grupo Bioluminescência Austrália no Facebook, com mais de 64 mil membros, ganhou tanta popularidade. A página foi criada para compartilhar fotos de fitoplâncton bioluminescente, mas também serve de quadro de mensagens para quem quiser acompanhar estes fenômenos brilhantes.
Crédito, David Finlay
Os caçadores de brilhos seguem um calendário rígido. Os “vermes brilhantes” geralmente podem ser encontrados o ano inteiro, mas os vaga-lumes emitem sua luz por um curto período no final da primavera e no verão australiano (novembro até fevereiro).
Já os esquivos fungos-fantasmas costumam aparecer no outono (março a maio), quando cai a temperatura.
Remar através da bioluminescência é uma das experiências mais procuradas.
“Todos querem ver e uma das razões é que esta experiência é muito instagramável”, explica Finlay. “Você pode balançar os pés através dela e criar faíscas.”
Um dos melhores pontos para ver a “maré azul” na Austrália é a baía de Jervis, no litoral de Nova Gales do Sul, ou perto de Hobart, a capital da Tasmânia.
Christine Dean Smith faz parte de um grupo que fotografa centelhas-do-mar há mais de uma década.
“Caço a bioluminescência porque tenho câncer de pele e não posso ficar exposta à luz do dia”, ela conta. “Como sou fotógrafa, costumo me ajustar para capturar a natureza noturna e mostro para meus seguidores.”
Depois de encontrarmos muitos brilhos naturais, nós nos retiramos atravessando os arbustos, até a clareira.
De repente, algo brilha na minha visão sob a lanterna fluorescente de Finlay. Algo vívido, que parece elétrico – tudo aquilo que me disseram para manter meus olhos atentos. Será que estou pegando o jeito de caçar brilhos no escuro?
“Não, só mais urina de marsupiais”, responde Finlay.
Como observar os ‘vermes brilhantes’ de forma responsável
- Evite lançar luzes brancas e brilhantes de lanternas ou flashes de câmeras fotográficas ao observar criaturas bioluminescentes.
- Mantenha distância das colônias de “vermes brilhantes” e outros animais selvagens e faça o mínimo de ruído.
- Traga um amigo e um mapa, se for andar sozinho à noite.