As vozes na cabine do piloto que alimentam controvérsia sobre o acidente da Air India
Crédito, Getty Images
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- Author, Soutik Biswas
- Role, Correspondente da BBC News na Índia
- X,
Em vez disso, o documento de 15 páginas alimentou uma série de especulações. Pois, apesar do tom comedido do relatório, um detalhe continua a assombrar os investigadores, os analistas do setor de aviação e o público em geral.
Segundos após a decolagem, ambos os interruptores de controle de combustível do Boeing 787 mudaram abruptamente para a posição “cut-off” (desligar), cortando o fornecimento de combustível para os motores, e causando perda total de potência — uma ação que normalmente só é realizada após o pouso.
A gravação de voz da cabine de comando capta um piloto perguntando ao outro por que ele “desligou” o combustível, ao que a pessoa responde que não fez isso. A gravação não esclarece quem disse o quê. No momento da decolagem, o copiloto estava pilotando a aeronave, enquanto o capitão estava supervisionando.
Os interruptores voltaram à sua posição normal durante o voo, acionando a reativação automática do motor. No momento do acidente, um motor estava recuperando propulsão, enquanto o outro havia sido religado, mas ainda não havia recuperado a potência. O avião ficou no ar por menos de um minuto antes de cair em um bairro na cidade de Ahmedabad, no oeste da Índia.
Várias teorias especulativas surgiram desde a divulgação do relatório preliminar — a expectativa é de que um relatório completo seja apresentado em cerca de um ano.
O Wall Street Journal e a agência de notícias Reuters informaram que “novos detalhes na investigação do acidente da Air India no mês passado estão mudando o foco para o piloto mais experiente na cabine de comando”.
O jornal italiano Corriere della Sera publicou que suas fontes afirmaram que o copiloto perguntou repetidamente ao capitão por que ele “desligou os motores”
Sumeet Sabharwal, de 56 anos, era o capitão do voo, enquanto Clive Kunder, de 32, era o copiloto que estava no comando do avião. Juntos, os dois pilotos tinham mais de 19 mil horas de experiência de voo — quase metade delas no Boeing 787. Ambos haviam passado em todos os exames médicos pré-voo antes do acidente.
É compreensível que a onda de vazamentos especulativos tenha incomodado os investigadores e irritado pilotos indianos.
Na semana passada, a Agência de Investigação de Acidentes Aéreos da Índia (AAIB, na sigla em inglês), o principal investigador, declarou em comunicado que “certos setores da mídia internacional estão tentando repetidamente tirar conclusões por meio de reportagens seletivas e não verificadas”. E descreveu essas “ações [como] irresponsáveis, especialmente enquanto a investigação continua em andamento”.
Jennifer Homendy, presidente do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB, na sigla em inglês), que está auxiliando na investigação, disse no X (antigo Twitter) que as reportagens da imprensa eram “prematuras e especulativas”, e que “investigações dessa magnitude levam tempo”.
Na Índia, a Associação de Pilotos Comerciais do país condenou a pressa em culpar a tripulação, classificando como “imprudente” e “profundamente insensível”, e pedindo moderação até a publicação do relatório final.
Sam Thomas, chefe da Associação de Pilotos de Linhas Aéreas da Índia (ALPA Índia), disse à BBC que “a especulação triunfou sobre a transparência”, enfatizando a necessidade de analisar o histórico de manutenção e a documentação da aeronave junto aos dados da caixa-preta.
No centro da controvérsia, está o breve trecho da gravação de voz da cabine de comando que consta no relatório — a transcrição completa, esperada no relatório final, deve esclarecer melhor o que realmente aconteceu.
Um investigador de acidentes aéreos do Canadá, que preferiu não se identificar, disse que o trecho da conversa no relatório apresenta várias possibilidades.
Por exemplo, “se o piloto ‘B’ foi quem operou os interruptores — e fez isso de forma involuntária ou inconsciente — é compreensível que mais tarde ele negue ter feito isso”, disse o investigador.
“Mas se o piloto ‘A’ operou os interruptores deliberadamente e com intenção, ele pode ter feito a pergunta sabendo muito bem que o gravador de voz da cabine seria analisado, e com o objetivo de desviar a atenção e evitar ser identificado como o responsável.”
“Mesmo que a AAIB consiga determinar quem disse o quê, isso não responde decisivamente à pergunta ‘Quem desligou o combustível?’.”
“Talvez nunca saibamos a resposta a essa pergunta.”
Os investigadores disseram à BBC que, embora pareça haver fortes evidências de que os interruptores de combustível foram desligados manualmente, ainda é importante manter “a mente aberta”.
Uma falha no Controle Digital do Motor (FADEC, na sigla em inglês) do avião — que monitora a saúde e o desempenho do motor — poderia, em teoria, acionar um desligamento automático se receber sinais falsos dos sensores, sugerem alguns pilotos.
No entanto, se a pergunta do piloto — “por que você desligou [o combustível]? — ocorreu depois que os interruptores passaram para a posição “cut-off” (conforme observado no relatório preliminar), isso enfraqueceria essa teoria. O relatório final provavelmente vai incluir o diálogo com registro de data e hora, e uma análise detalhada dos dados do motor para esclarecer isso.
A especulação tem sido alimentada menos por quem disse o quê, e mais pelo que não foi dito.
O relatório preliminar não incluiu a transcrição completa do gravador de voz da cabine de comando (CVR, na sigla em inglês), divulgando apenas uma única fala reveladora dos momentos finais.
Essa revelação seletiva levantou questões: será que a equipe de investigação estava confiante quanto à identidade dos locutores, mas optou por ocultar o restante por uma questão de sensibilidade? Ou eles ainda não tinham certeza de quem eram as vozes que estavam ouvindo, e precisavam de mais tempo para investigar completamente a questão antes de publicar qualquer conclusão?
Peter Goelz, ex-diretor administrativo do NTSB, diz que a AAIB deveria divulgar uma transcrição do gravador de voz com as vozes dos pilotos identificadas.
“Se alguma falha ocorreu durante a decolagem, ela seria registrada no gravador de dados de voo (FDR, na sigla em inglês) e provavelmente teria disparado alertas no sistema de gerenciamento de voo — alertas que a tripulação quase certamente teria notado e, mais importante, discutido.”
Os investigadores estão pedindo cautela ao tirar conclusões.
“Temos que ser cautelosos porque é fácil presumir que, se os interruptores foram desligados, isso deve significar uma ação intencional — erro do piloto, suicídio ou algo do tipo. E esse é um caminho perigoso a ser seguido com as informações limitadas que temos”, disse à BBC Shawn Pruchnicki, ex-investigador de acidentes aéreos e especialista em aviação da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA.
Ao mesmo tempo, teorias alternativas continuam a circular.
Jornais indianos, incluindo o Indian Express, apontaram um possível incêndio elétrico na cauda como um dos principais focos. Mas o relatório preliminar deixa claro: os motores foram desligados porque ambos os interruptores de combustível foram movidos para a posição “cut-off” — um fato respaldado pelos dados do gravador. Se houve um incêndio na cauda, ele provavelmente ocorreu após o impacto, provocado por combustível derramado ou baterias danificadas, disse um investigador independente.
Na semana passada, o chefe da AAIB, GVG Yugandhar, destacou que o relatório preliminar tem como objetivo “fornecer informações sobre ‘O QUE’ aconteceu”.
“É muito cedo para conclusões definitivas”, ele afirmou, enfatizando que a investigação está em andamento e que o relatório final vai identificar “as principais causas e recomendações”. Ele também se comprometeu a compartilhar atualizações sobre “questões técnicas ou de interesse público” à medida que surgirem.
Em suma, Pruchnicki disse que a investigação “se resume a duas possibilidades — ação deliberada ou confusão, ou um problema relacionado à automação”.
“O relatório não se apressa em culpar o erro ou a intenção humana; não há provas de que isso tenha sido feito intencionalmente”, acrescentou.
Em outras palavras, não há evidências conclusivas — apenas uma espera incômoda por respostas que talvez nunca venham à tona completamente.