As partes do corpo humano que a evolução não consegue explicar
Crédito, Getty Images
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- Author, Max Telford
- Role, The Conversation*
O corpo humano é uma máquina. Suas muitas partes — desde os detalhes microscópicos das nossas células até os nossos membros, olhos, fígado e cérebro — foram montadas gradualmente ao longo dos nossos 4 bilhões de anos de história.
Mas os cientistas ainda se questionam por que nós evoluímos nesta forma específica. Por que os seres humanos são os únicos animais a terem queixo, por exemplo?
E por que, proporcionalmente ao peso do corpo, os seres humanos têm testículos três vezes maiores que o gorila, mas com um quinto do tamanho em relação ao chimpanzé?
No meu novo livro, The Tree of Life (“A árvore da vida”, em tradução livre), demonstro que ainda estamos pesquisando as respostas para muitas destas perguntas. Mas já começamos a responder algumas delas.
A história da evolução nos conta que, a partir de um simples começo, todas as espécies foram construídas adicionando-se cada um dos componentes que compõem uma criatura viva ao seu modelo.
Se escalarmos a árvore evolucionária da vida, podemos seguir um caminho tortuoso que visita os ramos cada vez mais especializados aos quais pertence cada espécie.
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Nós, seres humanos, por exemplo, já éramos animais antes de nos tornarmos vertebrados; mamíferos antes de evoluirmos para primatas; e assim por diante.
Os grupos de espécies com quem compartilhamos cada um desses ramos revelam a ordem em que surgiram as nossas partes do corpo.
O corpo e o intestino (invenções do reino animal) devem ter vindo antes da coluna vertebral e dos membros (ramo dos vertebrados); já o leite e os cabelos (mamíferos) vieram antes das unhas (primatas).
Existe uma forma de estudar o problema específico de como evoluímos cada uma dessas partes do corpo. Mas isso só funciona se a característica em questão tiver evoluído mais de uma vez em diferentes ramos da árvore da vida.
Esta evolução repetida é chamada de convergência. E pode gerar frustração entre os biólogos, pois ela confunde a relação entre as espécies.
As andorinhas e os andorinhões, por exemplo, já foram classificados como espécies irmãs. Mas, agora, sabemos, por meio do DNA e de comparações entre os seus esqueletos, que as andorinhas são parentes relativamente mais próximos das corujas que dos andorinhões.
Para a evolução, o tamanho importa
Mas a evolução convergente começa a ser útil quando pensamos nela como uma espécie de experimento natural. E o tamanho dos testículos dos primatas nos oferece um exemplo clássico.
Os machos adultos dos macacos colobus pretos e brancos da Abissínia e macacos-de-boina têm aproximadamente o mesmo tamanho. Mas, como ocorre entre os chimpanzés, gorilas e seres humanos, estas espécies similares de macacos possuem testículos muito diferentes.
Os testículos dos colobus pesam apenas três gramas. Já os dos macacos-de-boina têm surpreendentes 48 gramas.
Podemos criar diversas explicações coerentes para os diferentes tamanhos dos seus testículos. Testículos grandes podem equivaler ao rabo do pavão, que não tem utilidade, mas é atrativo para as fêmeas, por exemplo.
Já os macacos-de-boina vivem em grupos pacificamente misturados de cerca de 30 animais. Seu comportamento em relação ao amor é diferente: todos se acasalam com todos — machos com diversas fêmeas (poligamia) e fêmeas com vários machos (poliandria).
O colobus, com seu harém, pode produzir o mínimo possível de esperma. Afinal, se uma gotícula é suficiente para gerar um bebê, por que fazer mais?
Mas, para um macaco-de-boina macho, a concorrência para a reprodução ocorre em uma batalha entre o seu esperma e o de outros machos que se acasalaram antes ou depois dele.
Por isso, um macaco-de-boina macho com grandes testículos deve produzir mais esperma, o que oferece maior possibilidade de transmitir seus genes para a geração seguinte.
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Esta é uma explicação sensível para os seus diferentes tamanhos de testículos, mas será verdade? É aqui que a evolução convergente pode ajudar.
Se observarmos todo o ramo dos mamíferos da árvore da vida, encontraremos muitos grupos de mamíferos que evoluíram testículos de todos os tamanhos diferentes. E, em quase todos esses casos individuais, testículos maiores são consistentemente encontrados em espécies promíscuas e os menores, em espécies monogâmicas.
Um gorila macho, com seus testículos pequenos, tem acesso exclusivo a um harém. Já os chimpanzés e bonobos com seus grandes testículos, de fato, são altamente promíscuos.
Paralelamente, os golfinhos podem ter os maiores testículos de todos os mamíferos. Eles compõem até 4% do seu peso do corpo — o equivalente a testículos que pesassem cerca de três quilos em seres humanos.
É naturalmente difícil estudar a vida sexual do golfinho selvagem, mas os golfinhos-rotadores, pelo menos, atendem às nossas expectativas. Eles realizam eventos de acasalamento em massa.
Graças às diversas observações fornecidas pela evolução convergente, conseguimos descobrir esta correlação consistente entre o tamanho dos testículos e a vida sexual em todos os mamíferos.
E, em relação aos seres humanos, temos testículos mais ou menos com tamanho intermediário, de forma que você pode concluir com isso o que quiser.
E o queixo humano?
A função do queixo humano é um terreno fértil de discussões entre os cientistas. Como ocorre com os testículos, existem diversas ideias plausíveis para explicar a evolução do queixo humano.
Ele pode ter evoluído para fortalecer a mandíbula do homem das cavernas durante os combates. Talvez o queixo tenha evoluído para exagerar a magnificência da barba masculina.
Ou ele pode até ser um subproduto da invenção do cozimento e dos alimentos mais moles que ela produz — uma saliência facial sem função, deixada para trás pela recessão causada pelo enfraquecimento da mandíbula.
Podemos ter um rico conjunto de possíveis explicações para o propósito evolutivo do queixo único do Homo sapiens. Mas, na ausência da evolução convergente, não temos nenhuma forma sensível de testá-las.
Algumas partes da natureza humana podem estar destinadas a permanecer um mistério.
* Max Telford é professor de Zoologia e Anatomia Comparativa do University College de Londres.